Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria, v. 43, Ed. Esp. X ERMAC RS, e9, 2021
DOI: 10.5902/2179460X66994
ISSN 2179460X
Recebido: 21/07/2021 • Aceito: 29/09/2021 • Publicado: 05/11/2021
Análise da Pandemia de COVID-19 em Pelotas
Analysis of the COVID-19 Pandemic in Pelotas
Gustavo Braz KurzI
Daniela BuskeII
Régis Sperotto QuadrosIII
Glênio Aguiar GonçalvesIV
I Pós-graduando em Modelagem Matemática, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-8774-2394 – eduardosbnobrega@gmail.com
II Pós-doutora em Engenharia Nuclear, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-4573-9787 – danielabuske@gmail.com
III Doutor em Matemática Aplicada, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-9720-8013 – quadros99@gmail.com
IV Programa de PósGraduação em Modelagem Matemática, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-7321-3742 – gleniogoncalves@yahoo.com.br
RESUMO
Neste trabalho apresenta-se uma análise da situação dos casos de contaminação da população pelo virus SARS-CoV-2, durante a pandemia de COVID-19, na cidade de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul. Utilizando um modelo matemático do tipo compartimentado simples e determinístico, apresenta-se uma projeção do número de casos até o final do ano de 2020, considerando 3 diferentes cenários. A evolução da pandemia considerando curvas de casos acumulados, recuperados, ativos e óbitos; a ocupação dos leitos de UTI exclusivos COVID; casos e óbitos por semana epidemiológica e a variação do número efetivo de reprodução e do percentual de isolamento social em Pelotas, também será apresentado.
Palavras-chave: COVID-19; Modelos epidemiológicos; Modelagem matemática
ABSTRACT
This work presents an analysis of the cases contamination situation by the SARS-CoV-2 virus during the pandemic COVID-19, in the city of Pelotas, in the south of Rio Grande do Sul. Using a simple compartmentalized mathematical model and deterministic, a projection of the number cases until the end is presented, year 2020, considering 3 different scenarios. The evolution of pandemic considering curves of accumulated, recovered, active and Deaths; the occupation of COVID exclusive ICU beds; cases and deaths per epidemiological week and the variation in the effective number of reproduction and the percentage of social isolation in Pelotas will also be presented
Keywords: COVID-19; Epidemiological models; Mathematical modeling
A pandemia da COVID-19 trouxe muitos problemas e desafios para a população em geral e os seus governantes. Dentre elas, destacam-se a sobrecarga do sistema de saúde, o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais, o gerenciamento e alocação de recursos que permitam o adequado enfrentamento da doença e principalmente, entender a dinâmica de propagação do vírus até então pouco conhecido.
Os coronavírus são um grupo de vírus conhecidos desde meados dos anos 1960 e a maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida. Eles são uma causa comum de infecções respiratórias brandas a moderadas de curta duração. O SARS-CoV-2 (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) é o coronavírus mais recentemente descoberto. Inicialmente recebeu a denominação de 2019-nCoV, mas, no dia 11 de fevereiro de 2020, passou a ser chamado de SARS-CoV-2. O vírus foi isolado no dia 7 de janeiro de 2020 e detectado primeiramente na cidade chinesa de Wuhan. Antes dessa identificação, a China já havia informado a Organização Mundial de Saúde (OMS), no dia 31 de dezembro de 2019, da ocorrência de uma pneumonia de causa desconhecida. A primeira morte ocorrida em decorrência desse novo vírus aconteceu no dia 11 de janeiro de 2020. Rapidamente a doença, que ficou conhecida por COVID-19 (do inglês, Coronavirus Disease 2019), alastrou-se pelo planeta. Em março de 2020, todos os continentes já haviam sido afetados e em 11 de março de 2020, a OMS declarou que a COVID-19 é uma pandemia.
A modelagem de doenças infecciosas é uma ferramenta que tem sido utilizada para estudar os mecanismos pelos quais as doenças se espalham, para prever o curso futuro de um surto e avaliar estratégias para controlar uma epidemia. Publicações recentes projetam que o período da pandemia de COVID-19 se estenderá até 2024 Ver Kissler e Lipsitch (2020), o que torna ainda mais importante o estudo de modelos matemáticos de epidemias, pois estes se tornarão ferramentas que ajudarão no entendimento e desenvolvimento de estratégias para vigiar o avanço da epidemia e tomada de decisões que afetarão a população.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise da situação da cidade de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul, durante a pandemia de COVID-19. Além disso, utilizando um modelo matemático, é apresentada uma estimativa do número de casos até o final de 2020, considerando 3 cenários distintos.
2 Material e métodos
Neste trabalho é utilizado um modelo compartimentado simples, determinístico, conhecido como SIR (Suscetível-Infectado- Recuperado), que relaciona o surgimento de uma epidemia a um valor crítico do número de suscetíveis ver Kermack e Mckendrick (1991a),Kermack e Mckendrick (1991b),Kermack e Mckendrick (1991c). O modelo matemático epidemiológico foi bem- sucedido em prever e predizer a evolução de epidemias quando confrontado com a disseminação observada de outras epidemias documentadas, como a gripe espanhola, por exemplo.
Esse modelo matemático, considerado robusto para modelar epidemias como a de COVID-19, mostra o comportamento de uma população suscetível (S), infectada (I) e recuperada (R). O conjunto de equações mais simples é dada por:
(1) |
onde β e γ são positivos, sendo β a taxa de infecção e γ a taxa de recuperação dos indivíduos, e N = S + I + R é o total da população.
No modelo SIR temos que suscetíveis são os indivíduos ainda não expostos e que podem adquirir a infecção, infectados são aqueles indivíduos infectados, sintomáticos ou não, que podem transmitir para outras pessoas e recuperados/removidos são os indivíduos que se infectaram e se recuperaram, adquirindo imunidade ou os que vieram a óbito em decorrência da doença.
Um parâmetro relevante em modelos epidemiológicos como o SIR é a reprodutibilidade basal, medida pelo parâmetro R0 (também conhecido como taxa de reprodução e dado por R0 = β/γ) e significa o número médio de pessoas que são infectadas a partir de um único indivíduo. Se R0 < 1, então o número de infectados será decrescente e a epidemia se erradicará. No caso em que R0 > 1 a epidemia persistirá na população ver No caso em que R0 > 1 a epidemia persistirá na população ver Delamater e Jacobsen (2019).
2.1 A região de estudo
A região de estudo é a cidade de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul, Brasil. Pelotas registrou oficialmente o primeiro caso de COVID-19 em 25 de março de 2020. Em 19 de maio, a cidade contava com 50 casos e após quinze dias, já eram 103 infectados. Ao completar 3 meses após a notificação do primeiro caso confirmado, o total de infectados era de 218. Nos meses subsequentes os casos acumulados seguiram crescendo, atingindo 5.210 casos em 24 de outubro. Já o primeiro óbito em decorrência de complicações causadas pela COVID-19 na cidade de Pelotas foi registrado em 20 de junho e em 24 de outubro este número chegou a 151 óbitos.
Com a notificação dos primeiros casos de COVID-19 no estado do RS, se iniciaram as mobilizações a fim de criar estratégias de prevenção e enfrentamento à pandemia. A UFPel e as principais universidades emitiram notas públicas em 13 de março anunciando a suspensão das aulas a partir do dia 16 do mesmo mês. Em seguida, escolas tanto da rede pública quanto privada anunciaram a suspensão das aulas sendo que a rede estadual paralisou suas atividades no dia 19 de março. O comércio adotou restrições em 19 de março, fechando alguns setores, em 01 de abril essas regras se ampliaram e em 20 de abril houve a retomada gradual e a reabertura do comércio em todo o estado.
A partir de 11 de maio o governo do estado do RS colocou em prática o modelo de distanciamento social controlado, dividindo o estado em 20 regiões. Semanalmente, a cada uma das regiões é designada uma cor de bandeira indicativa de risco (amarela, laranja, vermelha e preta), a qual é definida através de alguns indicadores, sendo os principais a propagação e a capacidade de atendimento do sistema de saúde. Cada bandeira determina os protocolos que devem ser seguidos em cada setor, ver o modelo em Governo do Rio Grande do Sul (2020). Pelotas, neste período, até 24 de outubro, manteve-se 16 semanas na cor laranja, 5 semanas na cor vermelha (de 06 a 19 de julho e de 10 a 30 de agosto) e 3 semanas na cor amarela (de 08 a 21 de junho e de 12 a 18 de outubro).
3 Resultados
3.1 Análise de dados
Apresenta-se uma análise dos 7 meses da pandemia em Pelotas / RS, usando como base os dados divulgados diariamente pela Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas e disponibilizado nas suas redes sociais e no site oficial da Prefeitura Municipal. O período considerado nas análises vai de 25 de março a 24 de outubro. Após 238 dias, percebe-se que a epidemia segue crescendo na cidade, tendo 5.210 casos confirmados e 151 óbitos em 24 de outubro. A Figura 1 abaixo, mostra o panorama geral da Pandemia em Pelotas.
Figura 1 – Panorama da COVID 19 em Pelotas
Fonte: Autores (2020)
Ao completar 7 meses de pandemia, Pelotas possuía 4.492 pessoas recuperadas (86%) e 567 casos ativos (11%). Observa-se um decréscimo significativo no número de casos ativos ao longo do mês de outubro, e um novo aumento de casos após o dia 20 de outubro.
O pico de casos por semana epidemiológica (SE), até o momento, deu-se na SE 39 (de 20 a 26 de setembro), com 435 casos confirmados de COVID-19. O aumento do número de casos na SE 43 (de 18 a 24 de outubro) pode ser devido a uma maior flexibilização na cidade durante a bandeira amarela, entre outros fatores. A incidência por 100.000 habitantes em 24 de outubro é de 1.522 casos. O perfil dos infectados aponta que 43% são do sexo masculino e 57% do sexo feminino. Os profissionais da saúde são o grupo mais afetado pela COVID-19 em Pelotas, com 17,62% dos casos, seguido do grupo dos aposentados que totalizam 12,96%.
Na SE 36 (de 30 de agosto a 05 de setembro), Pelotas teve o maior número de óbitos registrado até o momento, 18. A mortalidade por 100.000 habitantes em 24 de outubro é de 44,1 óbitos e a taxa de letalidade é de 2,9%. A contínua redução no número de óbitos pode indicar um declínio da curva epidêmica. Precisa-se acompanhar as próximas semanas para que se possa afirmar com certeza que a curva está em declínio.
Analisando a ocupação dos leitos nos hospitais da cidade, observa-se nos gráficos que o pico de internações em UTI e enfermaria ocorreu na SE 34, nos dias 18 e 19 de agosto. Após este período, tem-se um decréscimo na ocupação de leitos. Como a dinâmica de transmissão se altera durante o desenvolvimento da epidemia, uma forma de medir esta variação é não utilizar o R0 como medida estática, mas sim analisar como ele muda dependendo do comportamento e das ações dos gestores para a diminuição do contágio. Essa medida do R0 é chamada de número de reprodução diário, ou número efetivo de reprodução, Rt.
Da mesma forma que acontece com o R0, valores de Rt inferiores a 1 indicam controle da epidemia. Os valores de Rt para Pelotas, apresentados na Figura 2(a), foram calculados através de um modelo parametrizado para epidemias Cori e Cauchemez (2013). Este modelo leva em conta a incidência de casos notificados. Assim, a interpretação de um valor de Rt menor do que 1 deve ser feita com cautela. Em 24 de outubro, Pelotas tinha um Rt = 1,21 com média móvel de 1,13.
Os valores do número de reprodução diário estão correlacionados com a mobilidade ou isolamento da população. A Figura 2(b) mostra o percentual de isolamento social da população de Pelotas, dados fornecidos pela InLoco e IME/USP (https://www.ime.usp.br/ pedrosp/covid19/). Atingimos um pico de 72% de isolamento social da população no final de março, e atualmente este valor é de 42%. Este isolamento social (entre as SE 13 e 14, de 22 de março a 04 de abril) reflete em valores de Rt abaixo de 1 (conforme a figura anterior). Com o retorno das atividades de comércio no final de abril, o isolamento social diminuiu, ou seja, a mobilidade aumentou e consequentemente o Rt voltou a crescer.
Na Figura 2 apresenta-se o gráfico do Rt e do percentual de isolamento social na cidade de Pelotas desde o início da pandemia.
Figura 2 – Rt e percentual de isolamento social
Fonte: Autores (2020)
3.2 Estimativa
Abaixo segue o gráfico da projeção de casos até o dia 31 de dezembro para a cidade de Pelotas. No modelo epidemiológico SIR, foi considerada uma taxa média de reprodução diária Rt de 1,13 (valor da média móvel em 24 de outubro) e um período de infecção de 5,2 dias. Se a taxa de crescimento seguir como está, estima-se que até o dia 31 de dezembro, Pelotas tenha em torno de 10.000 casos confirmados de COVID-19. Num cenário em que o Rt aumente 10%, a cidade poderá ter aproximadamente 13.000 infectados. Num cenário em que R diminua 10%, a cidade poderá ter aproximadamente 8.500 infectados.
Neste trabalho apresentou-se uma análise da situação dos casos de contaminação pelo virus SARS-CoV-2, durante a pandemia de COVID-19, na cidade de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul. Cabe ressaltar que mesmo havendo uma redução aparente da epidemia, a vigilância de SARS-CoV-2 deve ser mantida, porque um ressurgimento do contágio ainda é grande e tanto o entendimento quanto o enfrentamento da COVID-19 continua sendo um grande desafio a nível mundial. Outras análises de dados e estimativas para a cidade de Pelotas, podem ser encontradas no site do Grupo de Dispersão de Poluentes Engenharia Nuclear da UFPel (GDISPEN - https://wp.ufpel.edu.br/fentransporte/covid-19-graficos-com-relacao-ao-rs/covid-19-pelotas/) (BUSKE et al., 2020).
Figura 3 – Projeções da COVID-19 para Pelotas
Fonte: Autores (2020)
Referências
Cori, N. M. F. C., A. Ferguson, Cauchemez, S. A. (2013). New framework and software to estimate time-varying reproduction numbers during epididemics. American Journal of Epidemiology, 178, 1505–1512.
Delamater, S. E. J. L. T. F. Y. Y. T., P. L., Jacobsen, K. H. (2019). Complexity of the basic reproduction number (r0). American Association for the advancement of Science, 25, 1–4.
Governo do Rio Grande do Sul (2020). Modelo de distanciamento controlado do RS. Governo do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, URL https://sistema3as.rs.gov.br/inicial.
Kermack, W., Mckendrick, A. (1991a). Contributions to the matehmatical thoeory of epidemics-i. Bulletin of Mathematical Biology, 53, 33–55.
Kermack, W., Mckendrick, A. (1991b). Contributions to the matehmatical thoeory of epidemics-ii. the problem of endemicity. Bulletin of Mathematical Biology, 53, 57–87.
Kermack, W., Mckendrick, A. (1991c). Contributions to the matehmatical thoeory of epidemics-iii. further studies of the problem of endemicity. Bulletin of Mathematical Biology, 53, 89–118.
Kissler, T. C. G. E. G. Y., S. M., Lipsitch, M. (2020). Projecting the transmission dynamics of sars-cov-2 through the post pandemic period. American Association for the advancement of Science, 138, 860–868.
CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA
1 – Gustavo Braz Kurz
Desenvolvimento teórico da metodologia, implementação em Scilab do modelo SIR, projeção e análise dos resultados.
2 – Daniela Buske
Desenvolvimento teórico da metodologia, implementação em Scilab do modelo SIR, projeção e análise dos resultados.
3 – Régis Sperotto de Quadros
Desenvolvimento teórico da metodologia, implementação em Scilab do modelo SIR, projeção e análise dos resultados.
4 – Glênio Aguiar Gonçalves
Desenvolvimento teórico da metodologia, implementação em Scilab do modelo SIR, projeção e análise dos resultados.
KURZ, G. B.; et al. Análise da Pandemia de COVID-19 em Pelotas. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 43, Ed. Esp. X ERMAC, e9, p.1-11, 2021. DOI 10.5902/2179460X66994. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179460X66994. Acesso em: 5 nov. 2021.