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Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 44, e8, 2022

DOI: 10.5902/2179460X66982

ISSN 2179-460X

Submissão: 30/07/2021 • Aprovação: 17/02/2022 • Publicação: 25/04/2022

1 INTRODUCTION.. 3

2 MATERIAIS E MÉTODOS. 7

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO.. 15

3 CONCLUSÃO.. 31

AGRADECIMENTO.. 32

REFERENCES. 33

 

Geografia

Geotecnologias para avaliação de conflitos ambientais da sub-bacia hidrográfica do rio Vacacaí-Mirim

Geotechnologies for the assessment of environmental conflicts in the Vacacaí-Mirim river sub-basin

Ariel Cezar Teixeira IÍcone

Descrição gerada automaticamente

Maurício Rizzatti IIÍcone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade Federal do Pampa, São Gabriel, RS, Brasil

II Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

Resumo

A degradação das florestas é um processo que tem se intensificado ao longo dos tempos em função de atividades humanas como a expansão agrícola, pecuária e a urbanização, causando inúmeros prejuízos aos ecossistemas e, por consequência, aos seres humanos. A análise espacial, através do emprego de geotecnologias, permite monitorar e obter informações sobre fenômenos naturais e antrópicos que ocorrem na superfície da Terra, com baixo custo e de forma remota. Tais informações podem auxiliar gestores na tomada de decisão sobre importantes recursos imprescindíveis à vida e ao equilíbrio ecológico, dentre eles a água. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi determinar as áreas ao longo de cursos hídricos e no entorno de nascentes que apresentavam conflito com a legislação ambiental vigente na sub-bacia hidrográfica do rio Vacacaí-Mirim, no ano de 2020, por meio de ferramentas de geoprocessamento e técnicas de sensoriamento remoto. Para isso, fez-se o uso de uma técnica de fusionamento de imagens de alta resolução do satélite CBERS 04A, gerando uma composição falsa-cor, onde foram identificados e quantificados os conflitos ambientais em meio às Áreas de Preservação Permanente (APP) dos cursos hídricos estudados. Os resultados apontaram a existência de conflitos de uso do solo em 29,23% das Áreas de Preservação Permanente ao longo dos cursos hídricos estudados e em 31,4% das APP no entorno das nascentes.

Palavras-chave: Floresta; Mata ciliar; Geoprocessamento; Sensoriamento Remoto

ABSTRACT

The degradation of forests is a process that has intensified over time due to human activities such as agricultural expansion, livestock and urbanization, causing numerous damages to ecosystems and, consequently, to human beings. Spatial analysis, through the use of geotechnologies, allows monitoring and obtaining information about natural and man-made phenomena that occur on the Earth's surface, with low cost and remotely. Such information can assist managers in making decisions about important resources essential to life and ecological balance, including water. Thus, the objective of this study was to determine the areas along water courses and in the vicinity of water springs that presented conflict with the environmental legislation in the hydrographic sub-basin of the Vacacaí-Mirim River, in the year 2020, by means of geoprocessing and remote sensing techniques. For this, a high-resolution image fusion technique was used to CBERS 04A satellite high-definition images, generating a false-color composition, where environmental conflicts were identified and quantified in the Permanent Preservation Areas (APP) of the studied water courses resources. The results showed the existence of land use conflicts in 29.23% of the Permanent Preservation Areas (APP) over the studied water courses and in 31.4% of the APP around the water springs.

Keywords: Forests; Riparian forest; Geoprocessing; Remote Sensing

1 INTRODUCTION

A atividade antrópica, materializada na exploração incorreta dos recursos naturais, tem como consequência uma série de danos ambientais, muitos destes considerados irreparáveis no tempo de vida dos seres humanos. Nessa perspectiva, de acordo com Guerra e Guerra (1997), a degradação ambiental provocada pelo homem envolve não apenas a erosão dos solos, mas também a extinção de espécies vegetais e animais, a poluição de rios, lagos e baías, o assoreamento e outros impactos prejudiciais ao meio ambiente e ao próprio homem.

O Rio Grande do Sul é um dos estados brasileiros com maior disponibilidade de águas superficiais. Seu território é drenado por uma densa malha hidrográfica superficial e conta com 3 grandes bacias coletoras: a bacia do Uruguai, a do Guaíba e a Litorânea (RIO GRANDE DO SUL, 2020). Em uma escala de análise nacional, a bacia do Uruguai e a Litorânea são agrupadas, pois drenam suas águas para o Oceano Atlântico.

Segundo Linsley e Franzini (1978), uma bacia hidrográfica pode ser definida como uma área limitada por um divisor de águas, em que ocorre a captação natural da água de precipitação por meio de uma rede de drenagem formada por cursos d’água, escoando até um ponto de saída, o exutório. Um curso d’água, independentemente de seu tamanho, é o resultado da interação da água com diversos fatores de sua bacia hidrográfica, como material de origem, topografia, vegetação e clima (BRIGANTE; ESPÍNDOLA, 2003).

Pelo fato de a disponibilidade de água limpa ser, potencialmente, um dos principais problemas a serem enfrentados pelas futuras gerações, sugere-se que a gestão dos recursos hídricos seja baseada nas bacias hidrográficas (WMO, 1992). O principal instrumento de manejo de bacias hidrográficas previsto em lei é o Novo Código Florestal, criado pela Lei Federal (LF) nº 12.651/2012, que, em seu artigo 30, parágrafo II, e artigo 40, refere-se às Áreas de Preservação Permanente (APP), em especial, à faixa da mata ciliar (BRASIL, 2012). De acordo com a referida lei, fica estabelecida a preservação obrigatória das faixas de terras ao longo de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha de seu leito regular.

A preservação da vegetação em torno de nascentes e cursos d’água é de suma importância na gestão de bacias hidrográficas, visto que a cobertura vegetal age de maneira positiva sobre a hidrologia do solo, auxiliando nos processos de infiltração, percolação e armazenamento de água pelos lençóis freáticos, reduzindo o processo de escoamento superficial e contribuindo para a diminuição da erosão e do assoreamento (LIMA, 1986). Além disso, a vegetação garante a sustentabilidade das mais variadas formas de vida que habitam esses ecossistemas.

No entanto, mesmo respaldada pela lei, a proteção destas áreas enfrenta uma série de dificuldades, envolvendo principalmente o desmatamento. Nesse sentido, tem-se observado uma intensificação de atividades humanas sobre estes ambientes, causando a alteração ou, ainda, a substituição das paisagens naturais por outros usos e ocupações do solo. Este fato reflete na conversão de áreas com cobertura florestal em fragmentos florestais, afetando a disponibilidade de recursos naturais importantes à vida (SANTOS, 2006). As funções ambientais das áreas de preservação, que envolvem a estabilidade geológica, o equilíbrio dos recursos hídricos, da paisagem e da biodiversidade, além de aspectos econômicos e sociais (BRASIL, 2012), evidenciam a necessidade de sua proteção.

Dessa forma, faz-se necessário o emprego de medidas de monitoramento do desmatamento em APP, visando a adoção de estratégias para evitar sua degradação. Entre as metodologias voltadas à identificação e monitoramento de impactos ambientais, estão aquelas que empregam o uso de geotecnologias, a fim de avaliar e mensurar a utilização do solo em determinado período.

Para isso, a aplicação de geotecnologias possibilita a determinação, monitoramento e quantificação de áreas de interesse, sobretudo com a utilização de produtos do sensoriamento remoto. As geotecnologias estão ligadas a um conceito muito aplicado cotidianamente, o Geoprocessamento. Conforme Menezes e Fernandes (2013), as geotecnologias são determinadas pela utilização dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), por aplicações de sensoriamento remoto, posicionamento por Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS), modelos numéricos do terreno e organização de banco de dados. Esses softwares, produtos e técnicas caracterizam o geoprocessamento.

De acordo com Fitz (2008), o Geoprocessamento deve ser entendido como uma técnica que por meio da utilização do SIG

[...] busca a realização de levantamentos, análises e cruzamentos de informações georreferenciadas visando a realização do planejamento, manejo e/ou gerenciamento de um espaço específico, apoiando-se na Cartografia digital para realizar essa manipulação dos dados (FITZ, 2008, p. 108).

Nesse contexto, a gama de SIG existente possibilita a utilização de informações coletadas a campo, em nível orbital ou sub-orbital, bancos de dados, informações espaciais e alfanuméricas, que quando combinados, por meio de procedimentos computacionais, permitem a análise, gestão ou representação de um determinado espaço e dos fenômenos que nele ocorrem, viabilizando o monitoramento ambiental de áreas extensas ou de difícil acesso.

Assim, através do uso de dados provenientes de sensoriamento remoto aliados a técnicas de geoprocessamento, o presente estudo tem por objetivo determinar e quantificar as áreas ao longo de cursos hídricos e no entorno de nascentes que apresentavam conflitos ambientais[1] na sub-bacia hidrográfica do Rio Vacacaí-Mirim, no ano de 2020. Para este trabalhou foi considerado somente o rio Vacacaí-Mirim e seus principais afluentes, a saber: Arroio Araricá, Arroio da Divisa, Arroio do Meio, Arroio do Só, Arroio do Veado, Arroio Grande, Arroio Lobato, Arroio Tafona e a Barragem do Departamento Nacional de Obras e Serviços (DNOS).

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

A sub-bacia hidrográfica do rio Vacacaí-Mirim se localiza na região central do estado do Rio Grande do Sul (Figura 1), situada entre as longitudes 226.752mE e 295.235mE e entre as latitudes de 6.685.562mN a 6.734.506mN, com coordenadas referenciadas no datum horizontal SIRGAS-2000, projetadas no Sistema Universal Transversa de Mercator (UTM), Fuso 22, zona J, pertencendo à região hidrográfica do Guaíba.

A sub-bacia possui área total de 1139 km², abrangendo os municípios de Itaara, Júlio de Castilhos, Silveira Martins, Santa Maria, São João do Polêsine e Restinga Sêca. O comprimento do rio principal é de aproximadamente 151,8 km. A área da bacia e o comprimento do rio principal foram estimados pela calculadora de campo do software QGIS.

Em relação à geomorfologia, a sub-bacia está localizada em uma região de transição entre o Planalto e a Depressão Periférica Sul-Rio-Grandense, caracterizada pela presença de um relevo ondulado a suavemente ondulado, com a presença de escarpas abruptas (CASAGRANDE, 2004). As altitudes variam entre 20 e 125 metros na região da Depressão Periférica e ultrapassam os 400 metros no Rebordo do Planalto, no norte da sub-bacia.

Figura 1 – Mapa de localização da sub-bacia hidrográfica do rio Vacacaí-Mirim

Fonte: Teixeira (2021)

A ocupação do solo é caracterizada pela agricultura de cultivos anuais e permanentes e, em menor escala, pela pecuária extensiva e silvicultura (Eucalyptus sp.). O principal conflito de uso da região é gerado pela coincidência do cultivo de arroz irrigado com a época de menor disponibilidade de água (FEPAM, 2014).

A água captada pela bacia por meio de sua drenagem principal, o rio Vacacaí-Mirim, é utilizada também em parte do abastecimento da cidade de Santa Maria (MIGUEL et al., 2014). Na região sudoeste da sub-bacia está localizado o reservatório do DNOS, gerenciado pela Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN).

2.2 Organização dos dados espaciais

Os shapefiles foram adquiridos a partir da base vetorial contínua para o estado do Rio Grande do Sul em escala 1:50.000, organizada por Hasenack e Weber (2010) e disponibilizada pelo Laboratório de Geoprocessamento do Centro de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), contendo elementos da altimetria (pontos cotados e curvas de nível), hidrografia e o limite do Estado.

Esta base vetorial é produto de uma vetorização das Cartas Topográficas do Mapeamento Sistemático Brasileiro, muitas delas datando das décadas de 1980 e 1990. Portanto, realizou-se uma inspeção visual e o ajuste manual da rede de drenagem utilizando a imagem do Google Satélite como referência, através do complemento QuickMapService, a fim de posicionar corretamente a rede de drenagem. Em alguns locais onde foi constatada a inexistência, ou seja, não se conseguiu identificar o curso hídrico com uma imagem de alta resolução, resolveu-se excluir a drenagem do shapefile. O divisor de águas abrangendo a área de estudo foi disponibilizado e adaptado de Rizzatti et al. (2015).

 As imagens utilizadas neste trabalho foram do satélite CBERS 04A, adquiridas na Divisão de Geração de Imagens do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) (http://www2.dgi.inpe.br/catalogo/explore, acesso em: 24 abr. 2021). Utilizou-se a câmera WPM – Level 2[2], com 8 metros de resolução espacial nas faixas do visível e infravermelho próximo e 2 metros na banda pancromática. Para cobrir toda a área de estudo, necessitou-se de três imagens com as seguintes orbitas: a) path 209 e row 150; b) path 209 e row 151, ambas de 30 de julho de 2020; c) path 210 e row 150, de 24 de junho de 2020. 

Realizou-se o procedimento de reprojeção em lote no QGIS para modificar o Sistema de Referência de Coordenadas de todas as imagens e bandas de WGS 84/ UTM 22 S (EPSG: 32722) para SIRGAS 2000/ UTM 22 S (EPSG: 31982), visto que o último é o atual sistema geodésico. Posteriormente, as imagens foram recortadas para área de estudo por meio da função “Recortar raster pela camada máscara” utilizando o polígono do divisor de águas como área para o corte.

Após, realizou-se uma composição falsa-cor nas imagens, com as bandas verde, infravermelho próximo e vermelho (RGB243). Nessa configuração, a vegetação e culturas agrícolas têm coloração verde escuro; áreas campestres e/ou pastagem, verde claro e solo exposto é apresentado em tons de magenta.

Para melhorar a resolução espacial, realizou-se um fusionamento das composições utilizando a banda pancromática de cada uma das imagens. O algoritmo aplicado neste procedimento é o “Pansharpening”, nativo do software Geospatial Data Abstraction Library (GDAL)[3], que é executado no QGIS. Nesse contexto, segundo Santos et al. (2016, p. 106):

[...] a fusão de imagens objetiva uma combinação de dados produzidos por sistemas sensores de características que se diferem, melhorando a qualidade de imagens multiespectrais de média resolução. Esta técnica agrega as informações pertinentes em cada uma das imagens, combinando as informações da imagem pancromática e multiespectral gerando uma imagem hibrida final, com alta resolução espacial da imagem pancromática e espectral da multiespectral (SANTOS et al., 2016, p. 106).

Desta forma, as três imagens com composição falsa-cor, utilizadas neste trabalho foram fusionadas. Como resultado do procedimento de fusionamento, passaram a ter 2 metros de resolução espacial. Esta função de melhora na resolução de acordo com a imagem pancromática é fundamental para a distinção e identificação de objetos na imagem. Uma área de APP com 16 metros, por exemplo, com os 8 metros de resolução espacial nativa, seria representada por 2 pixels. Já com o produto do Pansharpening, a mesma região passa a ser composta por 8 pixels, aumentando o nível de detalhamento.

2.2.1 Determinação da APP das faixas marginais de cursos d’água de acordo com a legislação

Para adquirir a APP em conformidade com a legislação, utilizou-se a rede de drenagem disponibilizada por Hasenack e Weber (2010) e ajustada por inspeção visual, conforme já explicado. Considerando o Rio Vacacaí-Mirim e seus principais afluentes, percebe-se que existem trechos em que a drenagem apresenta menos que 10 metros de largura, e outros em que não ultrapassa 50 metros.

            Com base nisso e de acordo com a delimitação das Áreas de Preservação Permanente do Novo Código Florestal (BRASIL, 2012), os rios foram separados em segmentos de acordo com a sua largura: as drenagens com “ID 1” possuem menos de 10 metros de largura e os rios com “ID 2”, largura entre 10 e 50 metros. O Quadro 1 apresenta os cursos hídricos e a respectiva APP de acordo com a legislação vigente (BRASIL, 2012).

Quadro 1 - Cursos hídricos e suas respectivas APP

Cursos Hídricos

Faixa de APP

Drenagem com menos de 10 metros de largura (ID 1)

30 m

Drenagem de 10 a 50 metros de largura (ID 2)

50 m

Barragem do DNOS – Reservatório artificial para abastecimento humano

100 m

Nascentes de rios perenes ou intermitentes

50 m (raio)

 

 

 

 

 

 

Fonte: Adaptado, BRASIL (2012)

Então, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Código Florestal, as APP foram delimitadas com base nas representações da hidrografia da área de estudo, considerando as faixas laterais ao longo do rio principal e de seus principais afluentes. Para a delimitação das APP, aplicou-se a ferramenta de geoprocessamento “Buffer”, que “Permite gerar polígonos com uma distância definida a partir de um polígono, linha ou ponto” (FREITAS; TAMBOSI; RIBEIRO, 2008, p. 11). Desta forma, nas drenagens com menos de 10 metros de largura foi determinado um buffer de 30 metros e nas drenagens com largura entre 10 e 50 metros, aplicou-se buffer de 50 metros. Para a barragem do DNOS, aplicou-se 100 metros de buffer e para as nascentes, que são representações pontuais, 50 metros de raio.

Os buffers gerados para a rede de drenagem e nascentes foram unidos para compor um arquivo shapefile poligonal do rio principal e afluentes. Posteriormente, dissolveu-se o vetor de acordo com o nome. Desta forma, para a APP do rio Vacacaí-Mirim, por exemplo, obteve-se uma feição única da nascente até a foz, assim como os demais afluentes (uma feição para cada).

O resultado da sequência destes procedimentos gerou um arquivo vetorial da delimitação das APP de acordo com a legislação vigente. Para adquirir a área em hectares (ha) da APP dos rios em estudo, utilizou-se a função “$area”, da geometria dos dados, na calculadora de campo do QGIS.

2.2.2 Obtenção da APP existente com as imagens CBERS 04A

Para a obtenção da APP existente ao redor dos cursos hídricos em estudo, utilizou-se as três imagens CBERS 04A para cobrir a área da bacia. Tratam-se de composições falsa-cor (RGB243), fusionadas, afim de ressaltar o uso florestal e melhoramento da resolução espacial.

Posteriormente, realizou-se uma classificação supervisionada por meio do complemento “Semi-Automatic Classification Plugin” do QGIS. Identificou-se quatro usos principais nas áreas de APP em estudo: a) florestal; b) campestre/pastagem; c) solo exposto e d) área agricultável. Coletou-se em torno de 10 amostras para cada uso da terra para o processamento digital das imagens.

Após a classificação das imagens, coletou-se cinco amostras de cada uma das classes e aplicou-se o índice Kappa para avaliar a concordância entre as classificações e as amostras coletadas. Nesse sentido, segundo Figueiredo e Vieira (2007):

A análise de Kappa é uma técnica multivariada discreta usada na avaliação da precisão temática e utiliza todos os elementos da matriz de confusão no seu cálculo. O coeficiente Kappa (K) é uma medida da concordância real (indicado pelos elementos diagonais da matriz de confusão) menos a concordância por chance (indicado pelo produto total da linha e coluna, que não inclui entradas não reconhecidas), ou seja, é uma medida do quanto a classificação está de acordo com os dados de referência. (FIGUEIREDO; VIEIRA, 2007, p. 5757).

Ao coletar novas amostras para a comparação com a classificação, o índice Kappa médio (entre as três imagens) foi de 0,812. Embora não exista uma fundamentação teórica que recomende os níveis mínimos aceitáveis do Kappa em uma classificação, existem valores normalmente aceitos pela comunidade científica (FIGUEIREDO; VIEIRA, 2007). Segundo Fonseca (2000), quando o K é maior que 0,6 e menor que 0,8, o desempenho da classificação é muito bom. Já quando o índice se encontra entre 0,8 e 1,0, o desempenho está excelente.

Além disso, realizou-se uma conferência visual para monitorar possíveis
equívocos na delimitação das áreas florestais, como ao confundir áreas de
pastagem como vegetação florestal, por exemplo. Nas regiões onde ocorreram confusões, delimitou-se manualmente o polígono florestal, removendo, assim, a área conflituosa. Como realizado na determinação das APP pelo buffer, todas as vegetações existentes foram mescladas de acordo com o curso de água que estavam localizadas. Deste modo, o Rio Vacacaí Mirim, desde sua nascente até seu exutório, está representado por uma feição única. Esse procedimento facilita o cálculo da área de vegetação em cada uma das APP existentes em 2020, realizado na calculadora de campo do QGIS.

2.2.3 Mapa do conflito ambiental da área em estudo

A fim de responder o objetivo do trabalho, para a organização do mapa de áreas conflitantes ambientalmente na sub-bacia hidrográfica do Rio Vacacaí-Mirim, utilizaram-se os dados gerados nos procedimentos anteriores: a) camada vetorial poligonal das APP de acordo com a legislação (resultado do buffer) e b) o shapefile obtido pela classificação supervisionada que indica a presença de vegetação nas faixas laterais ao longo do rio principal e seus afluentes.

Assim, as áreas conflitantes ambientalmente se caracterizam por serem áreas originalmente de APP que, por algum motivo, apresentam um uso do solo diferente do florestal. Para determinar essas porções, aplicou-se a ferramenta de geoprocessamento “Diferença Simétrica”, entre a camada vetorial da legislação e a camada florestal existente. Logo, as áreas de diferença, ou seja, locais onde existe um uso da terra diferente do florestal, são regiões em conflito ambiental.

Portanto, o produto do algoritmo “Diferença Simétrica” é o arquivo shapefile das áreas em conflito. Esse arquivo foi organizado, assim como os demais, para apresentar uma feição única para a drenagem que está representando. A área foi calculada na calculadora de campo do QGIS, todavia, como é uma diferença entre duas camadas, pode ser obtida pela subtração da área proposta pela legislação e área existente.

Organizou-se uma tabela com todas estas informações e a porcentagem de área em conflito ambiental de acordo com os cursos hídricos analisados neste trabalho. Os procedimentos metodológicos adotados e explicados no trabalho estão ilustrados na Figura 2.

Figura 2 – Fluxograma da pesquisa

Diagrama

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Fonte: Autores (2022)

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

De acordo com os procedimentos metodológicos apresentados, sobretudo ao aplicar o algoritmo de “diferença simétrica”, adquiriu-se as áreas[4] com conflitos ambientais para área de estudo. Com isso, observou-se que os trechos mais conservados se localizam na parte norte da área de estudo, em meio à região de maior altitude e declividade, onde se localizam grande parte das nascentes da sub-bacia. Além disso, a ocorrência de cultivos agrícolas conflitantes com as APP distribui-se por toda área de estudo, sobretudo na Depressão Periférica Sul-Rio-Grandense.

De acordo com a Tabela 1, constatou-se que há conflito de uso do solo dentro das APP em 29,23% de sua área total, cerca de 726,3 ha. As APP dos cursos d’água da sub-bacia do rio Vacacaí-Mirim correspondem a 2.484,56 ha. Do total das APP, 1.149,84 ha (46,27%) referem-se às faixas marginais do rio principal e 1.334,72 ha (53,73%) às faixas de proteção dos seus 8 afluentes considerados neste estudo.

Tabela 1 – Dimensão da Área de Preservação Permanente de acordo com a legislação, existente, em conflito ambiental e extensão dos cursos hídricos analisados

Cursos Hídricos

Extensão (km)

APP Legislação (ha)

APP Existente (ha)

Área em Conflito (ha)

Área em Conflito (%)

Arroio Araricá

10,56

61,58

44,13

17,45

28,34

Arroio da Divisa

34,38

309,19

178,89

130,31

42,14

Arroio do Meio

15,54

93,66

64,81

28,85

30,80

Arroio do Só

8,39

44,89

16,04

28,85

64,27

Arroio do Veado

21,07

114,93

89,81

25,12

21,85

Arroio Grande

41,04

434,06

362,56

71,50

16,47

Arroio Lobato

9,89

81,62

59,06

22,56

27,64

Arroio Tafona

11,77

143,77

74,54

69,23

48,15

Barragem DNOS

56,3*

51,03

34,60

16,43

32,20

Vacacaí Mirim

151,76

1149,84

834,01

315,83

27,47

TOTAL

304,4

2484,56

1758,43

726,13

29,23

* área (ha).

Fonte: Autores (2022)

O rio Vacacaí-Mirim possui aproximadamente 151,76 km de extensão, dos quais 39,58 km se referem a trechos com largura do leito menor que 10 metros, devendo possuir, no mínimo, faixas de APP de 30 metros em cada margem. O restante do rio, cerca de 112,18 km, diz respeito a trechos cuja largura do leito possui entre 10 e 30 metros, devendo possuir faixa de APP de, pelo menos, 50 metros.

Do total de 1.149,84 ha de APP mapeadas ao longo do rio Vacacaí-Mirim, 834,01 ha (72,53%) se encontram efetivamente preservadas com vegetação nativa. Foi constatado conflito ambiental em 27,47% das áreas, cerca de 315,83 ha. Com objetivo de facilitar a compreensão espacial dos próximos exemplos, organizou-se o mapa (Figura 3) para localizar os recortes utilizados no trabalho. Cabe destacar que o número inserido no polígono vermelho corresponde a numeração das ilustrações utilizada neste trabalho.

Figura 3 – Espacialização das figuras utilizadas no presente trabalho

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Autores (2022)

O rio Vacacaí-Mirim possui cerca de 44,6% de sua extensão (67,70 km) inserida dentro dos limites do município de Santa Maria. Percebeu-se que, próximo à sua nascente, em áreas declivosas do Rebordo do Planalto, há maior preservação das APP (Figura 4). Próximo à área urbana do município, sobretudo à jusante da barragem do DNOS, nas proximidades dos bairros Km 3 e Pé-de-Plátano, é possível observar a existência de uma série de conflitos ambientais nas áreas onde a vegetação deveria ser preservada, como abertura de estradas e urbanização indevida (Figura 5).

Figura 4 – Áreas com conflito ambiental na nascente do Rio Vacacaí-Mirim

Mapa

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Fonte: os autores (2022)

Figura 5 – Áreas com conflito ambiental no Rio Vacacaí-Mirim, em trecho à jusante da barragem do DNOS, nas proximidades com os bairros Km 3 e Pé-de-Plátano, Santa Maria, RS

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Autores (2022)

Nas áreas mais planas da sub-bacia, onde é praticada a agricultura, com destaque para a margem esquerda do rio (ao norte), observa-se trechos críticos em que as faixas de APP foram amplamente desmatadas (Figura 6).

Figura 6 – Áreas com conflito ambiental no Rio Vacacaí-Mirim, trecho a norte do Bairro Camobi, Santa Maria, RS

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Autores (2022)

Destaca-se, também, próximo à área urbana de Santa Maria, a abertura de vias para um futuro loteamento ou empreendimento, distante apenas 350 metros de uma importante via de deslocamento, a RSC-287. No centro da Figura 6, percebe-se uma drenagem natural que atravessa o possível loteamento. Todavia, ao consultar uma imagem de satélite de novembro de 2020, somente quatro meses após as imagens utilizadas neste trabalho, constatou-se que o curso hídrico foi aterrado. Além disso, nota-se a existência de áreas conflitantes com empreendimentos urbanos.

Situação semelhante foi constatada por Pinheiro et al. (2011) em estudo do uso e ocupação do solo em seis sub-bacias hidrográficas localizadas na parte superior da bacia do rio Itajaí, no estado de Santa Catarina. Os autores observaram intensa substituição da cobertura vegetal ciliar por áreas de agricultura e remanescentes florestais deficitários, necessitando de urgentes ações de recuperação.

Próximo à foz, o ponto de encontro com o rio Jacuí, a largura das faixas de APP é de 50 metros. Apesar da área encontrar-se generalizadamente conservada, observa-se, em diversos pontos, áreas conflitantes (Figura 7). Salientam Vogel et al. (2009) que a vegetação ciliar desempenha um importante papel na filtragem de poluentes, pesticidas agrícolas e sedimentos provindos das áreas cultivadas próximas a cursos hídricos, impedindo-os de chagarem até a água. Os autores alertam que a retirada desta vegetação pode promover a contaminação da água e, consequentemente, da fauna aquática e terrestre.

Figura 7 – Áreas com conflito ambiental no Rio Vacacaí-Mirim, trecho próximo à foz

Mapa

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Fonte: Autores (2022)

A área do reservatório de abastecimento do DNOS é de 56,3 ha e sua faixa de APP perfaz 51,03 ha. Destes, cerca de 67,8% (34,6 ha) se encontra efetivamente preservado com vegetação nativa, fato que aponta conflito ambiental em 32,21% de sua APP (Figura 8). Em estudo analisando a influência da cobertura vegetal na qualidade de águas de um reservatório hídrico em Currais Novos – RN, Oliveira (2013) detectou concentrações de fósforo acima do valor máximo permitido para águas de classe 2 (aquelas que podem ser destinadas ao consumo humano após tratamento convencional). O autor destaca que a pouca vegetação remanescente na APP torna o reservatório suscetível à entrada de grandes cargas de contaminantes provindos das áreas agrícolas, por meio da lixiviação destes compostos.

Figura 8 - Áreas com conflito ambiental na Barragem do DNOS

Mapa

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Fonte: os autores (2022)

Referindo-se aos afluentes do Rio Vacacaí-Mirim, o Arroio Araricá, cuja nascente está localizada na região central da área de estudo, possui aproximadamente 10,56 km de extensão e marca a divisa entre os municípios de Santa Maria e Restinga Sêca. Próximo à nascente e à foz do arroio, em meio a remanescentes florestais de médio e grande porte, é possível observar trechos efetivamente conservados de suas APP, que deveriam contabilizar, no mínimo 61,58 ha. No entanto, em razão da pressão de cultivos agrícolas em ambos os municípios sobre as APP, foram computados 17,45 ha em conflito ambiental, representando 28,34% da área mínima que deveria ser preservada.

O Arroio do Só, assim como o Arroio Araricá, que atua como limite natural entre os municípios de Santa Maria e Restinga Sêca, foi o afluente que apresentou maior área conflitante com a legislação. Em sua extensão total de apenas 8,39 km, deveriam existir pelo menos 44,89 ha de APP. Foram estimados apenas 16,04 ha preservados, o que significa que 64,27% de sua APP, cerca de 28,85 ha, encontrava-se em conflito ambiental (Figura 9).

Figura 9 – Áreas com conflito ambiental no Arroio do Só

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Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Autores (2022)

O Arroio Tafona, cuja nascente está situada no município de Silveira Martins, também apresentou expressiva proporção de suas APP em conflito ambiental (Figura 10). Com aproximadamente 8,77 km de extensão, o percentual de APP em conflito ambiental foi de 48,15% (69,23 ha), de um total de 143,77 ha que deveriam ser dedicados à preservação permanente. Foi observado, inclusive, um trecho de 4,6 km do arroio canalizado entre cultivos agrícolas, próximo à confluência com o rio Vacacaí-Mirim, em que praticamente não há APP (Figura 11).

Figura 10 – Áreas com conflito ambiental no Arroio Tafona, nas proximidades de Vila Figueira

Mapa

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Fonte: Autores (2022)


 

Figura 11 – Áreas com conflito ambiental no Arroio Tafona, próximo a confluência com o Rio Vacacaí-Mirim

Mapa

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Fonte: Autores (2022)

Além dos prejuízos ambientais relacionados à remoção da vegetação ciliar, Lemes (2001) aponta que preparos ou cultivos intensivos ou inadequados podem prejudicar a estrutura do solo por meio da ação do maquinário, favorecendo a desagregação de suas partículas e/ou a compactação das camadas superficiais, ocasionando um aumento da densidade aparente do solo e redução da matéria orgânica.

Já o Arroio da Divisa tem sua nascente no município de Silveira Martins e em seus 34,38 km de extensão, atravessa o território de São João do Polêsine, até a confluência com o rio Vacacaí-Mirim, no município de Restinga Sêca. De acordo com a legislação e metodologia proposta na pesquisa, a área mínima preservada ao longo do Arroio da Divisa deveria ser de 309,19 ha. No entanto, foram contabilizados apenas 178,89 ha preservados, o que representa um percentual de 42,14% (130,31 ha) de suas faixas laterais em conflito ambiental.

Em diversos pontos da extensão do Arroio da Divisa, podem ser observados depósitos sedimentares de areia em ambas as margens. Nota-se que em trechos onde não há vegetação ciliar, ocorreu uma diminuição da largura do leito regular, apontando uma possível consequência do processo erosivo. Destaca-se que a APP nessa região foi amplamente desmatada (Figura 12). Nesse sentido, Silveira et al. (2005) destacam que a vegetação ciliar contribui para a proteção do solo contra o impacto das gotas de chuva, atenuando a ação do processo erosivo natural pela redução da quantidade de solo transportado pelo escoamento superficial, além de favorecer a infiltração de água no solo por meio dos poros formados pelo sistema radicular das plantas.

Figura 12 – Áreas com conflito ambiental no Arroio da Divisa, nas proximidades do distrito de Vale Vêneto, São João do Polêsine, RS

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Fonte: Autores (2022)

O Arroio Grande, cuja nascente localiza-se no município de Júlio de Castilhos, foi o afluente que apresentou maior percentual de APP efetivas. O arroio possui aproximadamente 41,04 km de extensão, contando com 434,06 ha de APP, dos quais 83,53% (362,56 ha) encontravam-se preservados. No entanto, ainda que tenha apresentado o melhor resultado no percentual relativo de área preservada, convém destacar a existência de 71,5 ha (16,47% do total) em desacordo com a legislação, o que compromete parte das funções ecológicas das APP, como por exemplo, a de servirem como corredores para a fauna.

Conforme destacam Vogel et al. (2009), os corredores ecológicos formados por ambientes ciliares constituem uma importante estratégia de conservação da fauna e mitigação dos efeitos da fragmentação. Os autores salientam que além de servirem como habitat para diversas espécies, os corredores ecológicos atuam como dispersores, permitindo sua mobilidade entre fragmentos florestais, além de fornecerem proteção contra as variações climáticas, contribuindo para a sobrevivência destes animais.

O Arroio Lobato possui 9,89 km de extensão e marca a divisa ao norte entre os municípios de Júlio de Castilhos e Silveira Martins, tendo sua foz no município de Santa Maria. Foram computados 59,06 ha de vegetação nativa preservada nas faixas de APP do arroio, onde deveriam existir pelo menos 81,62 ha, indicando que 22,56 ha (27,64%) se encontrava em conflito com a legislação. Em seu curso superior, observam-se áreas mais preservadas em razão da amplitude altimétrica e, consequentemente, da declividade (Figura 13).

Figura 13 – Áreas com conflito ambiental no curso superior do Arroio Lobato

Mapa

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Fonte: Autores (2022)

Para o Arroio do Meio, foram estimados 93,66 ha de APP acordo com a metodologia proposta em função da legislação. Destes, 64,81 ha se encontravam devidamente preservados, apontando um percentual de 30,8% destas áreas em conflito ambiental, ocupadas por outros usos.

Ao longo do Arroio do Meio é possível observar trechos com taludes sem vegetação, diretamente expostos ao intemperismo. Nesse sentido, Bernál (2013) explica que o desmoronamento de taludes é um problema ambiental de origens distintas, que depende de fatores como as condições do solo, a cobertura vegetal e a direção e velocidade da água. Com relação à vegetação, Pinheiro (2000) pontua que a cobertura vegetal exerce importantes efeitos mecânicos sobre o solo, pois ao contribuírem para a agregação de suas partículas, as raízes restringem a movimentação do solo, reduzindo a erodibilidade dos taludes, além de proporcionarem um aumento da resistência ao cisalhamento.

O Arroio do Veado nasce na região central do município de Silveira Martins e percorre cerca de 21,07 km até desaguar no Arroio Grande, em Santa Maria. Parte de sua extensão está localizada em áreas de maior elevação, em meio a extensos fragmentos florestais no território de Silveira Martins, fato que lhe garante maior preservação neste trecho. No entanto, próximo à foz, observa-se uma região bastante marcada por conflitos entre as APP do arroio e cultivos agrícolas (Figura 14).

Considerando-se a largura das faixas de APP determinadas pela legislação, deveriam existir pelo menos 114,93 ha de mata nativa preservada ao longo do Arroio do Veado. No entanto, os dados obtidos mostram 89,81 ha efetivamente preservados, apontando um total de 21,85% (25,12 ha) de áreas conflitantes.

Levando em conta o balanço hidrológico que influencia diretamente nas precipitações, fundamentais também para a agricultura, a vegetação possui importante atuação em função de suas características morfofisiológicas, dentre elas, a evapotranspiração. Neste sentido, Valente e Gomes (2005) pontuam que a vegetação ciliar favorece o aumento da umidade atmosférica, contribuindo para a manutenção das chuvas.

Em relação às nascentes dos cursos hídricos considerados neste estudo, estas foram avaliadas conforme o uso e a ocupação do solo no seu entorno. De acordo com a Tabela 2, constatou-se conflito de uso do solo dentro das APP no entorno de cinco das nove nascentes observadas. Foi estimada a existência de 31,4% das APP em conflito ambiental.

Figura 14 – Áreas com conflito ambiental no Arroio do Veado, próximo a confluência com o Arroio Grande

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Autores (2022)

Tabela 1 – Dimensão da Área de Preservação Permanente de acordo com a legislação, existente e em conflito ambiental no entorno das nascentes estudadas

Cursos Hídricos

APP Nascentes Legislação

APP Nascentes Existentes

Área em Conflito (Hectare)

% Área em Conflito

Arroio Araricá

0,77

0,19

0,58

75,39

Arroio da Divisa

0,77

0,77

0,00

0,00

Arroio do Meio

0,77

0,77

0,00

0,00

Arroio do Só

0,77

0,00

0,77

100,00

Arroio do Veado

0,77

0,55

0,22

28,37

Arroio Grande

0,77

0,28

0,49

63,73

Arroio Lobato

0,77

0,66

0,12

15,16

Arroio Tafona

0,77

0,77

0,00

0,00

Vacacaí Mirim

0,77

0,77

0,00

0,00

  TOTAL

6,95

4,77

2,18

31,40

Fonte: Autores (2022)

Observa-se que, na data considerada no estudo, a APP no entorno da nascente do Arroio do Só se encontrava totalmente desmatada. A vegetação das áreas de proteção das nascentes do Arroio Araricá e do Arroio Grande também foram severamente suprimidas, contabilizando 75,39 e 63,73% de suas áreas em conflito ambiental, respectivamente, conforme exposto na Tabela 2. Em menores proporções, mas também apresentando prejuízos na vegetação destinada à sua proteção, a nascente do Arroio do Veado possuía 28,37% (0,22 ha) de sua área conflitante, enquanto para a nascente do Arroio Lobato, foram contabilizados 15,16% (0,12 ha) em conflito.

Para Davide et al. (2004), a eliminação da vegetação nativa nas APP de nascentes e suas áreas de recarga, além da substituição por culturas agrícolas ou pastagens tem sido intensa e vem promovendo a degradação da qualidade dos recursos hídricos. Tal situação alerta para um preocupante problema, pois segundo Lima (2008), à médio e longo prazo, práticas que tendem a diminuir a infiltração de água no solo podem causar a redução da vazão das nascentes, afetando a produção de águas.

Verificou-se que a nascente do rio Vacacaí-Mirim, bem como as do Arroio da Divisa, Arroio do Meio e Arroio Tafona encontravam-se em condições de preservação previstas pela legislação, não apresentando conflito ambiental. Este fato pode estar associado às nascentes estarem localizadas em áreas de maior declividade, portanto, de difícil acesso. O mapa de conflitos ambientais na Sub-bacia hidrográfica do Rio Vacacaí-Mirim, no ano de 2020, pode ser consultado e baixado em: https://1drv.ms/u/s!AucppA9xcKi62A_R-20cOmOm5me9?e=fSeOgw (acesso em: 26 jan. 2022).

3 CONCLUSÃO

A metodologia proposta foi satisfatória, pois permitiu a identificação e quantificação das APP ao longo de cursos hídricos e no entorno de nascentes. Tal prática possibilitou a identificação de áreas cujo uso do solo se encontrava em conflito com a legislação ambiental na sub-bacia hidrográfica do rio Vacacaí-Mirim, no ano de 2020.    

Os conflitos de uso da terra em APP dos cursos hídricos são frequentes, distribuindo-se por toda área da sub-bacia, tendo a atividade agropecuária como a principal responsável pelos problemas destacados neste trabalho, sendo estimados em 29,23% da área que deveria ser efetivamente preservada, podendo causar prejuízos à biodiversidade, à qualidade de vida da população local e à sustentabilidade dos recursos hídricos. Além disso, nas proximidades com a área urbana de Santa Maria, percebeu-se conflitos relacionados a empreendimentos urbanos.

Por outro lado, identificou-se que os cursos hídricos cujas nascentes estão situadas em regiões mais elevadas do planalto apresentaram uma pequena proporção de áreas conflitantes. De modo oposto, quando cursos hídricos atingiam as áreas mais planas do terreno, em que é possível a utilização de agricultura mecanizada, notou-se a predominância de irregularidades do ponto de vista legislativo, ou seja, em discordância com as leis nacionais vigentes.

Dentro da proposta do estudo, obteve-se importantes informações que podem ser usadas pelo Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica dos rios Vacacaí e Vacacaí-Mirim a fim de auxiliar na gestão e planejamento de ações de monitoramento e recuperação das áreas conflitantes com a legislação.

Este material serve também como subsídio para outros estudos, como por exemplo, a análise temporal do uso e ocupação do solo, objetivando o melhor entendimento acerca da dinâmica das alterações da cobertura vegetal, processo que ocorre historicamente no estado do Rio Grande do Sul.

AGRADECIMENTO

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

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Authorship contributions

1 – Ariel Cezar Teixeira

Bacharel em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Pampa.

https://orcid.org/0000-0001-9546-4518 - cezar.ariel@gmail.com

Contribuição: Conceituação, Software, Investigação, Curadoria de Dados, Escrita, Primeira Redação e Visualização dos dados.

2 – Maurício Rizzatti (Autor Correspondente)

Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria.

https://orcid.org/0000-0002-1795-9002 - geo.mauricio.rizzatti@gmail.com

Contribuição: Software, Validação, Escrita, Revisão e Edição, Visualização dos dados e Supervisão.

 

Como citar este artigo

TEIXEIRA, A. C.; RIZZATTI, M. Geotecnologias para avaliação de conflitos ambientais da sub-bacia hidrográfica do rio Vacacaí-Mirim. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 44, e8, 2022. DOI 10.5902/2179460X66982. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179460X66982.

 



[1]Considerou-se como áreas em conflito ambiental aquelas que deveriam possuir vegetação originalmente e, por algum motivo, encontram-se com outro, como utilização agropecuária, por exemplo, apresentando-se em diversidade com a legislação. Para obter as áreas de conflito, cuja discussão é abordada neste trabalho, deve-se ter um dado espacial de acordo com a Lei (vegetação) e outro contendo o uso da terra atual.

[2] As imagens CBERS 04A – Level 2, apresentam correção radiométrica e correção geométrica de sistema (uso dos dados de efemérides e de atitude do satélite).

[3] Geospatial Data Abstraction Library (GDAL) é uma biblioteca de software para leitura e gravação de dados geoespaciais, lançada com licença de software livre pela Open Source Geospatial Foundation.

[4] Os cálculos foram realizados considerando a faixa marginal do Rio Vacacaí-Mirim e seus principais afluentes. Para sistematizar a discussão, agrupou-se alguns afluentes e o rio de maior ordem, ou seja, drenagem em que o afluente desaguou.