Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 43, Ed. Esp. UFV, e16, 2021

DOI: 10.5902/2179460X66949

ISSN 2179460X

Recebido: 29/07/2021 • Aceito: 29/09/2021 • Publicado: 05/11/2021

Avaliação do potencial térmico de trocadores de calor solo-ar

Evaluation of the thermal potential of earth-air heat exchangers

Patrick Garcia MachadoI

Ruth da Silva BrumII

Daniela BuskeIII

I Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Modelagem Matemática, Universidade Federal de Pelotas,Pelotas, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-4038-3408 – patrickgarciamachado@gmail.com

II Doutora em Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Pelotas,Pelotas, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-4657-1354 – ruthdasilvabrum@gmail.com

III Doutora em Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Pelotas,Pelotas, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-4573-9787 – danielabuske@gmail.com

RESUMO

A humanidade tem buscado alternativas aos mais diversos sistemas que utiliza no seu dia, visando alcançar uma convivência mais sustentável com o planeta. Entre tais sistemas, destacam-se os aparelhos e sistemas empregados a fim de atender às demandas de conforto térmico de ambientes internos de edificações, como residências, comércios, hospitais. Os trocadores de calor solo-ar (TCSA) constituem uma opção a ser levada em consideração nesse quesito. Neste trabalho, desenvolve-se um modelo numérico baseado no método das Diferenças Finitas para determinar o potencial térmico de um TCSA composto por um só duto. O modelo é validado com os dados apresentados na literatura mais recente da área e empregado para avaliar o desempenho de um TCSA em uma metrópole no sul do Brasil. Os resultados apontam para a eficiência do sistema em Porto Alegre, destacando uma economia energética significativa decorrente de sua utilização.

Palavras-chave: Trocadores de calor solo-ar; Diferenças finitas; Conforto térmico; Eficiência energética

ABSTRACT

Humanity has been looking for alternatives to the most diverse systems it uses in its day, aiming to achieve a more sustainable coexistence with the planet. Among such systems, we highlight the devices and systems used in order to meet the demands for thermal comfort in indoor building environments, such as homes, shops, hospitals. Earth-air heat exchangers (EAHE) are an option to be taken into account in this regard. In this work, a numerical model based on the Finite Differences method is developed to determine the thermal potential of a EAHE composed of a single duct. The model is validated with the data presented in the most recent literature in the area and used to assess the performance of a EAHE in a metropolis in southern Brazil. The results point to the efficiency of the system in Porto Alegre, highlighting a significant energy saving resulting from its use.

Keywords: Earth-air heat exchangers; Finite Differences; Thermal comfort; Energy efficiency

1 INTRODUÇÃO

Ao longo do desenvolvimento de projetos de edificações, um dos fatores a ser considerado é o conforto térmico de seus ambientes internos. Para atender essa demanda, pode-se recorrer ao uso combinado de diversos materiais de construção e de sistemas de condicionamento de ar. Em se tratando dos sistemas de condicionamento de ar, um dos problemas a ser enfrentado é a diminuição do consumo de energia elétrica, produzida muitas vezes a partir de fontes não-renováveis de energia.

Nesse sentido, propõe-se a utilização de trocadores de calor solo-ar (TCSA) como alternativa aos aparelhos de ar-condicionado tradicionais (BRUM, 2019). Os TCSA são, basicamente, um sistema de um ou mais dutos enterrados no solo, com uma extremidade no ambiente externo da edificação e a outra no interior (BRUM, 2013). Com auxílio de ventilação mecânica, o ar escoa através do TCSA, arrefecendo ou aquecendo a temperatura do interior da construção, dependendo da estação do ano.

Tal efeito se deve à propriedade de inércia térmica do solo. A variação da temperatura do solo é tanto menor quanto maior for a profundidade em análise. Assim, o ar que escoa ao longo do TCSA troca calor com o solo, resultando na temperatura na saída do duto (ESTRADA, 2018). Dessa maneira, os TCSA respondem positivamente à questão do consumo sustentável de energia, aumentando também a eficiência energética da edificação.

Além disso, vários estudos foram realizados a fim de avaliar a performance térmica dos TCSA. BRUM (2013) mostrou que a profundidade interfere significativamente no desempenho térmico do TCSA até 3 m, não havendo variação considerável para profundidades maiores. BISONIYA (2015) constatou que TCSA com dutos mais longos e diâmetros menores, enterrados em profundidades maiores do solo e com velocidade de vazão do ar maior apresentam melhor desempenho.

ESTRADA (2018) apresentou resultados que mostram que para avaliar com mais precisão o desempenho térmico de um TCSA é preciso levar em consideração todas as trocas de calor que acontecem dentro dos dutos, uma vez que a maior parte dos estudos concentram-se apenas nas trocas de calor sensível.

MINAEI (2021) apresentou um modelo analítico que avalia a performance térmica de um TCSA, considerando apenas as trocas sensíveis de calor, desprezando os termos do calor latente. Um dos principais resultados desse artigo é a constatação de que a saturação térmica do solo deve ser levada em consideração a fim de não superestimar o potencial térmico do TCSA.

Assim, o objetivo deste trabalho é apresentar um modelo numérico para avaliar o desempenho térmico de um TCSA com um único duto. Para a modelagem das equações que governam o problema, utiliza-se o método das Diferenças Finitas. Depois de validado, o modelo é aplicado às condições físicas e climatológicas de Porto Alegre, uma cidade no sul do Brasil.

2 METODOLOGIA

2.1 Descrição do Problema

O trocador de calor solo-ar avaliado neste trabalho é composto por um único duto equipado com um ventilador no seu interior, responsável por soprar o ar do exterior para o interior da edificação. Não é necessário especificar a posição do ventilador no duto desde que seu motor esteja afastado das periferias do TCSA, não realizando nenhuma troca de calor com o solo adjacente ao TCSA ou com o próprio sistema. Ademais, considera-se apenas a parte horizontal do duto para realizar a análise do seu desempenho, desconsiderando as colunas. A Figura 1 apresenta um esboço do TCSA considerado neste trabalho.

Figura 1 – Esboço de um trocador de calor solo-ar

Fonte: Estrada et al. (2018)

A equação de conservação da energia, considerando apenas os termos do calor sensível, é escrita como:

(1)

onde 𝑇(𝑥, 𝑡) é a temperatura na posição 𝑥 do duto e no tempo 𝑡, 𝑢 é a velocidade da vazão do ar, 𝜌𝑎 é a massa específica do ar seco, 𝜌ℎ𝑎 é a massa específica do ar úmido, 𝑐𝑣 é o coeficiente de transferência de calor convectivo, 𝑐𝑝,ℎ𝑎 é o calor específico do ar úmido, 𝐷 é o diâmetro interno do duto e 𝑇𝜔 é a temperatura da superfície interna da parede do duto.

Além disso, a Equação (1) está submetida às seguintes condições inicial e de contorno:

𝑇 (𝑥, 0) = 𝑇𝜔,

𝑇 (0, 𝑡) = 𝑇𝑖𝑛

(2)

onde 𝑇𝑖𝑛 é a temperatura na entrada do duto, obtida através dos dados climáticos da cidade em análise.

2.2 Método das Diferenças Finitas

Para realizar a modelagem do problema descrito na seção anterior, utiliza-se o Método das Diferenças Finitas, com diferenças para trás. Ainda que os modelos desenvolvidos a partir de diferenças centrais apresentem resultados melhores em se tratando da estabilidade computacional (ASCHER e GREIF, 2011), escolhe-se utilizar as diferenças para trás devido aos dados disponíveis para a modelagem do problema, a temperatura na entrada do duto e a temperatura do solo na profundidade na qual o TCSA está instalado

Considerando 𝑇𝑚𝑛 = 𝑇 (𝑥𝑚, 𝑡𝑛), 𝑚, 𝑛 ∈ ℕ, obtém-se o seguinte esquema de diferenças finitas para a modelagem do problema:

(3)

2.3 Validação do Modelo

Considerando-se os dados climatológicos do ano de 2016 da cidade do Rio de Janeiro, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e as características termofísicas do solo e do TCSA apresentadas em ESTRADA (2018), obtém-se a distribuição de temperaturas ao longo de um ano na saída do TCSA com um único duto de 50m, como mostra a Figura 2.

Figura 2 – Temperatura na entrada e na saída do TCSA na cidade do Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Fonte: Autores (2021)

Figura 3 – Entalpia na entrada e na saída do TCSA na cidade do Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Fonte: Autores (2021)

Figura 4 – Diferença de entalpia na entrada e na saída do TCSA na cidade do Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Fonte: Autores (2021)

Para realizar a validação do modelo apresentado em (3), compara-se esse aos resultados apresentados em ESTRADA (2018), considerando também apenas os termos do calor sensível para a entalpia na saída do duto. A Figura 3 apresenta a entalpia na entrada e na saída do TCSA para a cidade do Rio de Janeiro e a Figura 4 apresenta os resultados do potencial de aquecimento/resfriamento concordantes com o trabalho de ESTRADA (2018).

3 Resultados

Uma vez validado, aplica-se o modelo desenvolvido neste trabalho às condições da cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande Sul, considerando os dados climatológicos do ano de 2019 disponibilizados pelo INMET. Considerou-se a profundidade de instalação do TCSA igual a 3 m. Os resultados da variação da temperatura e da entalpia na entrada e na saída do TCSA são apresentados na Figura 5 e na Figura 6.

Percebe-se a temperatura na saída do TCSA apresenta variação menor ao longo do tempo se comparada à temperatura na entrada do duto. Os resultados apontam que a temperatura oscila em torno de 22 ◦C.

Na Figura 6 é apresentada a modelagem da entalpia na entrada e na saída do duto para a cidade Porto Alegre. Na Figura 7 é apresentada a diferença entre a entalpia na entrada e na saída do TCSA instalado na cidade de Porto Alegre. Os resultados apontam que um TCSA instalado na cidade de Porto Alegre pode apresentar uma variação na entalpia de mais de 4 𝑘𝐽 ∕ 𝑘𝑔, tanto para aquecimento quanto para arrefecimento da temperatura do ar.

Figura 5 – Temperatura na entrada e na saída do TCSA na cidade de Porto Alegre - RS, Brasil

Fonte: Autores (2021)

Além disso, nota-se que a diferença entre a entalpia na entrada e na saída do duto, apresentada na Figura 7, é em média menor no outono e na primavera, sendo maior no inverno e no verão. Isso se deve ao fato de que a temperatura do ar no outono e na primavera apresentar variação mais amena quando comparada às demais estações do ano.

Figura 6 – Entalpia na entrada e na saída do TCSA na cidade de Porto Alegre - RS, Brasil

Fonte: Autores (2021)

Figura 7 – Diferença de entalpia na entrada e na saída do TCSA na cidade de Porto Alegre - RS, Brasil

Fonte: Autores (2021)

Para o ano de 2019, na cidade de Porto Alegre, a diferença de entalpia média foi de 0.1490𝑘𝐽 ∕ 𝑘𝑔 e o desvio padrão desses dados, 1.4987𝑘𝐽 ∕ 𝑘𝑔. Os valores extremos da diferença da entalpia na entrada e na saída do duto aconteceram no começo de julho (posição horário do modelo: 4463) e na primeira quinzena de outubro (posição horária do modelo: 6836), como mostra a Tabela 1.

Tabela 1 – Valores extremos da diferença de entalpia para a cidade de Porto Alegre - RS, Brasil

Posição horária

Entalpia na entrada do TCSA (kJ/kg)

Entalpia na saída do TCSA (kJ/kg)

Diferença de entalpia (kJ/kg)

4463

68.7865

73.7576

4.9711

6836

78.8014

74.0418

-4.7596

4 conclusões

Neste trabalho, apresentou-se um modelo numérico simples e eficiente, baseado no Método das Diferenças Finitas, que determina a variação da temperatura e do entalpia ao longo de um ano para um TCSA composto por um único duto. Tal modelo leva em consideração apenas a variação da temperatura ao longo do duto, desprezando as possíveis mudanças de estado que podem acontecer em seu interior.

Mostrou-se, além disso, que a cidade de Porto Alegre apresenta condições climáticas e geofísicas favoráveis à instalação e utilização de TCSA, com uma economia considerável gerada pela substituição de um sistema tradicional de condicionamento de ar.

agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo suporte financeiro. Ruth S. Brum agradece à FAPERGS pelo apoio financeiro, com o Edital 4/2019-ARD (Processo 19/2551-001345-0) e com o Edital 05/2019-PqG (Processo 19/2552-0001964-5).

Referências

ASCHER, U. M., GREIF, C. (2011). A First Course in Numerical Methods, 1º edn. Society for Industrial and Applied Mathematics.

BISONIYA, T. S. (2015). Design of earth-air heat exchanger system. Geoethermal Energy, 3(18), 1–10.

BRUM, L. M. L. S., R. S. (2019). Improving the performances of earth-air heat exchangers through constructal design. International Journal of Energy Research, 1, 1–12.

BRUM, R. S. (2013). Modelagem de computacional de trocadores de calor solo-ar. Dissertação de Mestrado, Instituto de Matemática, Estatística e Física, Universidade Federal do Rio Grande, Programa Modelagem Computacional, Rio Grande.

ESTRADA, L. M. L. S. R. L. A. O., E. (2018). The impact of latent heat exchanges of the design of earth-air heat exchangers. Applied Thermal Engineering, 129, 306–317.

MINAEI, S. H., A. (2021). A new transient analytical model for heat transfer of earth-to-air heat exchangers. Journal of Building Engineering, 33, 1–11.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

1 – Patrick Garcia Machado

Conceituação | Curadoria de dados | Análise Formal | Obtenção de financiamento | Investigação | Metodologia | Recursos | Software | Validação| Visualização de dados (infográfico, fluxograma, tabela, gráfico) | Escrita – primeira redação | Escrita – revisão e edição

2 – Ruth da Silva Brum

Conceituação | Curadoria de dados | Análise Formal | Obtenção de financiamento | Investigação | Metodologia | Administração do projeto | Recursos | Software | Supervisão | Validação| Visualização de dados (infográfico, fluxograma, tabela, gráfico) | Escrita – primeira redação | Escrita – revisão e edição

3 – Daniela Buske

Conceituação | Curadoria de dados | Análise Formal | Obtenção de financiamento | Investigação | Metodologia | Administração do projeto | Recursos | Software | Supervisão | Validação| Visualização de dados (infográfico, fluxograma, tabela, gráfico) | Escrita – primeira redação | Escrita – revisão e edição

Como citar este artigo

MACHADO, P.G.; BRUM, R.S.; BUSKE, D. Avaliação do potencial térmico de trocadores de calor solo-ar. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 43, Ed. Esp. X ERMAC RS, e16, p. 1-12, 2021. DOI 10.5902/2179460X66949. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179460X66949. Acesso em: 5 nov. 2021.