Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 43, Ed. Esp. X ERMAC RS, e4, 2021

DOI: 10.5902/2179460X66091

ISSN 2179460X

Recebido: 04/06/2021 • Aceito: 29/09/2021 • Publicado: 05/11/2021

Impacto da assimilação de dados de sondagem e radiâncias em evento de ciclogênese

Leonardo Matias AlvesI

Willian Silva BarrosII

Fabrício Pereira HärterIII

I Mestrando, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-5308-1719 – leonardo.alves@utec.edu.uy

II Doutor, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-1057-6006 – wsbarros@hotmail.com

III Doutor, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-4042-6335 – fabricio.harter@ufel.edu.br

RESUMO

Neste trabalho, avalia-se o impacto da assimilação dos dados de sondagem e satélite num caso de ciclogênese (fase inicial de um sistema de baixa pressão ou ciclone), ocorrido no sul do Brasil, no período de 20 a 23 de agosto de 2020. Utiliza-se o pacote de assimilação variacional tri-dimensional implementado no Weather Research and Forecasting Model (WRF3DVar). Os resultados evidenciam que a assimilação tem impacto maior nas primeiras 48 horas de previsão, nos níveis baixos e médios da atmosfera e, que a janela de assimilação de 2 horas centrada na análise, apresenta melhor resultado do que janelas maiores. Conclui-se também, que a matriz de covariância dos erros de previsão (B) gerada com poucos pares de previsão (24h – 12h), apresenta resultados piores do que a matriz genérica fornecida pelo pacote de assimilação WRF e que os dados de satélite têm maior impacto do que dados de sondagem na previsão do tempo em escala sinótica.

Palavras-chave: Assimilação de dados; WRF; Ciclogênese

ABSTRACT

An Assessiment of the assimilation satelitte radiances and the atmospheric soundings impact in the WRF simulation is presented in this work. The simulation is performed during a cyclone propagation over southern Brazil, from August 20 to 23, 2020. The techinique used in this study is a Three-Dimensional Variational Data Assimilation Scheme implemented on WRF Model (3DVAR). The results show that the assimilation procedure has a higher impact on the first 48 hours of forecasting for low a medium level of the atmosphere. It was also concluded that 2-hour data assimilation window centered on the analysis time, presents a better result than larger windows. Aditional results show that errors of day matrix (B) generated by few forecasting pairs (24h - 12h) presents worse results than the generic matrix provided by the WRF assimilation package. Lastly, it was show in this work that satellite data has a better impact than sounding data in the weather forecast on large scale.

Keywords: Data Assimilation; WRF; Cyclogenesis

1 INTRODUÇÃO

A previsão desde a gênese (formação) até a oclusão (fase em que o ciclone diminui de intensidade e desaparece) de ciclones no sul do Brasil é de fundamental importância para a previsão de tempo, pois estes sistemas de circulação horária (HS), com pressão decrescente em direção ao seu centro, geralmente estão associadas a frentes frias, ressacas, ventos fortes e precipitação intensa ao longo de sua trajetória (HOLTON, 2004).

Uma das técnicas matemáticas que melhoram a qualidade da Previsão Numérica de Tempo (PNT) é a Assimilação de Dados (AD). AD consiste na combinação de um campo de background, geralmente um modelo numérico, com dados observados (no caso deste trabalho observações da atmosfera), levando-se em conta o conhecimento estatístico, tanto dos erros de observação como de modelagem. AD pode ser entendido com um Problema Inverso, dentro de uma teoria mais ampla, a Teoria de Estimação (HARTER, CAMPOS VELHO, 2008).

Uma técnica amplamente utilizada, tanto para fins operacionais como para pesquisa, é o método variacional tri-dimensional, pois tem custo computacional inferior a outros métodos variacionais, como variacional quadri-dimensional e sequenciais, como Filtros de Kalman (HARTER et al., 2015).

Vários centros de previsão de tempo operacional, tais como o europeu ECMWF, o canadense, e o inglês UK usam a assimilação variacional tridimensional (COURTIER et al., 1998). Neste trabalho utiliza-se a implementação desenvolvida por (BARKER et al., 2004) e (BARKER et al., 2012).

2 MATERIAL E MÉTODOS

A seguir, descreve-se os dados utilizados, o modelo WRF e a metodologia variacional tridimensional.

2.1 Dados

As condições iniciais e de fronteira são fornecidas pelo modelo americano, core do sistema GFS (Global Forecast System), com resolução de 0.25°.

As observações de ar superior (radiossonda, balão piloto, aeronaves e satélite) e radiâncias também registradas pelo National Centers for Environmental Prediction NCEP e disponibilizadas na página do National Center for Atmospheric Research (NCAR), sendo que as sondagens encontram-se em https://rda.ucar.edu/datasets/ds351.0 e o dados satelitais em https://rda.ucar.edu/datasets/ds735.0.Nos dados de ar superior registram-se pressão, altura geopotencial, temperatura do ar e do ponto de orvalho, velocidade e direção do vento. O satélite fornece radiâncias dos sensores AMSU-A, e AMSU-B, Atmospheric Infrared Sounder (AIRS) e, Advanced Technology Microwave Sounder (ATMS) e Microwave Humid Sound (MHS).

2.2 Modelo WRF

O WRF é um modelo de equaçõe primitivas desenvolvido pelo National Center for Atmospheric Research (NCAR) em colaboração com o National Centers for Environmental Prediction/ National Oceanic and Atmospheric Administration (NCEP/NOOA) e o Forecast Systems Laboratory (FSL). O sistema de assimilação formado pelo modelo, pelo método de assimilação e demais utilitários resultam num sistema de previsão numérica de tempo de última geração, podendo ser implementado em várias arquiteturas de computadores suportando diferentes diretivas de paralelismo e compiladores.

O WRF utilizado nesta pesquisa está instalado num computador pessoal com 4 processadores dual core e 8 Gb de memória RAM, sob sistema operacional Linux64, compilado com diretivas Message Passing Interface (MPI). O domínio escolhido para a simulação compreende basicamente a região centro-sul da América do Sul. O modelo é integrado no modo não-hidrostático, resolução de 9 km, passo de tempo 60 s, 40 níveis verticais com coordenadas híbridas Eta/Sigma e projeção Lambert.

Os prognósticos de 72 horas são realizados a partir das 00 UTC, do dia 20/08/2020 até o dia 23/08/2020, com janela de assimilação de 12 horas.

2.3 Método Variacional Tri-Dimensional

No método 3D-Var é definida uma função custo, proporcional ao quadrado da distância entre a análise e o background e entre a análise e as observações. O mínimo desta função (equação abaixo) é a análise.

(1)

Onde W = W(X,Y,Z) é a matriz de estados, Wb é o campo de background (integração curta do modelo ou climatologia), y0 é o vetor de observações, H é o operador de observação (projeta a matriz de estado no espaço do vetor de observações), B é a matriz de covariância dos erros de estimativa (representa o erro de modelagem) e R é a matriz de covariância dos erros de observação (representa o erro do observação e representatividade). Na prática, é feita uma mudança de variável para que a minimização da função custo seja calculada no espaço físico e não no espaço do modelo, haja vista que modelos numéricos de previsão de tempo tem 1012 - 1014 graus de liberdade, várias ordens de magnitude maior do que o número de observações assimiladas.

A função custo J0, mede:

distância entre o campo W e as observações (primeiro termo);

distância entre a verdade e o background;

O mínimo de J0 é obtido para 𝑊 = 𝑊𝑎 ou seja, a análise. No WRF3DVar a minimização é realizada através de processos iterativos calculados pelo Gradiente Conjugado.

A metodologia assume que as medidas são não tendenciosas (unbiased), que as variâncias dos erros de observações são conhecidas e que os erros das medidas não são correlacionados (uncorrelated). Maiores detalhes sobre a metodologia de assimilação variacional podem ser obtidos em (BARKER et al., 2004) e (BARKER et al., 2012).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção, primeiramente avalia-se se o modelo simulou a situação sinótica do caso em estudo, com especial interesse na ciclogênese.

Na Figura 1 (top a esquerda), observa-se a Frente Fria (massa de ar frio que avança na direção da massa do ar quente), com o ciclone localizado no Oceano Atlântico (OA) e um sistema de alta pressão intensa, aproximando do continente Sul-Americano pelo Pacífico, atrás da crista. A configuração de entrada de intensa onda completa-se coma Figura 1 (topo a direita), onde se observa o cavado com forte baroclinia. Este dia foi sucedido por dias de intenso frio, com geada, chuva congelada e até neve em locais de grande altitude no RS e SC. Este caso de frio intenso, explica-se pela intensidade da alta pressão, que adentrou o continente após a passagem da frente Fria, à medida que o ciclone avançava pelo OA para latitudes mais altas. A imagem do satélite, parte inferior esquerda da Figura 1, mostra nuvens de frio realçadas, bem consistente com o produto GPT/CPTEC, ratificando a simulação correta, tanto em posição como em intensidade, mostrado no campo de pressão à superfície (força de pressão exercida pela atmosfera sobre a superfície) do WRF, na parte baixa a direita da Figura 1.

Na Figura 2, grafa-se a evolução temporal de Pressão à Superfície (PS) em um ponto do domínio próximo ao centro da baixa pressão, haja vista que a PS aumenta com o passar do tempo, evidenciando a entrada da alta pressão no domínio de integração.

Neste ponto, os resultados mostram que o efeito da assimilação é sentido nos primeiros dois dias de previsão, sendo que das 48 até as 72 horas, a AD praticamente não tem efeito. Todavia, observou-se que em regiões onde a atmosfera não esteve tão dinâmica, a AD impactou os campos de previsão somente nas 12 primeiras horas de integração do WRF. O perfil vertical, mostrou que o campo Temperatura Potencial (TP), é menos impactado nos altos níveis da atmosfera. A TP é particularmente importante, por ser uma propriedade conservativa em transformações adiabáticas, sendo definida como a temperatura que a parcela teria se fosse expandida ou comprimida adiabaticamente de seu estado real de pressão e temperatura para uma pressão padrão (geralmente 1000 mb).

Figura 1 – A partir do topo superior esquerdo, no sentido horário: Produto GPT do CPTEC em Superfície; Produto GPT do CPTEC em 500 hPa; Imagem de Satélite Goes-16 no Canal Infra-vermelho termal com realce; simulação do WRF

Fonte: Autor (2021)

Na Figura 3, grafa-se a diferença entre as simulações com e sem observação, no intuído de mostrar em que níveis em com qual intensidade a inserção do dado modifica o campo de análise.

Figura 2 – Evolução temporal de Pressão à Superfície num ponto (esquerda) e perfil vertical de Temperatura Potencial num ponto (direita). A Linha Preta refere-se à simulação do WRF sem Assimilação, a Linha Verde simulação do WRF3DVar assimilando somente dados de sondagem, a Linha Amarela simulação do WRF3DVar assimilando apenas radiâncias e a Linha Vermelha simulação do WRF3DVar assimilando sondagens e radiâncias

Fonte: Autores (2021)

Dos resultados apresentados na Figura 3 conclui-se que o maior impacto da assimilação ocorre nos baixos e médios níveis da atmosfera, que este impacto decai com o horizonte de integração e que o satélite tem maior impacto na assimilação de escala sinótica do que a sondagem.

O experimento grafado na Figura 4, mostra que, embora a amplitude da assimilação de dados de sondagens seja um pouco maior do que a assimilação de dados de radiâncias, o impacto da assimilação de radiâncias foi maior ao avaliarmos todo o domínio. Como se espera, ao assimilar ambas as fontes de dados, o impacto na análise foi maior em comparação a assimilação das fontes de dados isoladas.

Figura 3 – Diferença entre WRF3DVar (assimilando somente dados de sondagem) e WRF, Linha Amarela, diferença entre WRF3DVar (assimilando somente radiâncias) e WRF, Linha Verde e diferença entre WRF3DVar (assimilando dados de sondagem e radiâncias) e WRF, Linha Preta. A figura da esquerda refere-se às 00 UTC do dia 22/08/2020 e a figura da direita refere-se às 12 UTC do dia 23/08/2020

Fonte: Autores (2021)

Elaborou-se ainda, outros dois experimentos não mostrados neste texto. No primeiro, diminui-se o tamanho da janela de assimilação de 6 horas para 2 horas, donde conclui-se que o impacto na assimilação não é significativamente alterado, ao passo que o custo computacional diminui. Num segundo experimento, utiliza-se uma matriz B (covariância dos erros de previsão, calculado pelo Método do NMC, Parrish e Derber, 1998) gerada com 7 pares de previsão (24h – 12h). Neste experimento, a qualidade dos resultados piorou, pois é necessário pelo menos um mês de pares de erros de previsão para os erros do dia serem corretamente considerados na AD.

Figura 4 – Diferença entre WRF3DVar (assimilando apenas sondagens) e WRF; Diferença entre WRF3DVar (assimilando apenas radiâncias) e WRF; Diferença entre WRF3DVar (assimilando sondagens e radiâncias) e WRF. Campo de Análise

Fonte: Autores (2021)

4 CONCLUSÕES

Conclui-se também, que o WRF simulou a entrada do sistema frontal, com queda de temperatura intensa atrás da crista, que o efeito da assimilação é sentido nos primeiros dois dias de previsão, sendo que das 48 até as 72 horas, a AD praticamente não tem efeito, que o campo Temperatura Potencial, é menos impactado nos altos níveis da atmosfera e que este impacto decai com o horizonte de integração, sendo que o satélite tem maior impacto na assimilação de escala sinótica do que a sondagem. Também conclui-se de experimentos adicionais aos apresentados neste texto (reservado para publicação futura), que a matriz de covariância dos erros de previsão (B) gerada com poucos pares de previsão (24h – 12h), apresenta resultados piores do que a matriz genérica fornecida pelo pacote de assimilação WRF.

Referências

DATA ASSIMILATION SYSTEM FOR USE WITH MM5: Implementation and Initial Results. Monthly Weather Review, 132, 897-914, 2004

BARKER, D., HUANG, X. -Y., LIU, Z., AULIGNÉ, T., ZHANG, X., RUGG, S., AJJAJI, R., BOURGEOIS, A., BRAY, J., CHEN, Y., DEMIRTAS, M., GUO, Y. -R., HENDERSON, T., HUANG, W., LIN, H. -C., MICHALAKES, J., RIZVI, S., ZHANG, X. The Weather Research and Forecasting Model’s Community Variational/Ensemble Data Assimilation System: WRFDA. Bulletin American Meteorological Society, 93, 831–843, 2012.

COURTIER, P., ANDERSON, E., HECKLEY, W., PAILLEUX, J., VASILJEVIC, D., HAMRUD, M., HOLINGSWORTH, H., RABIER, F., FISHER, M. The European Centre for Medium-Range Weather Forecasting implementation of three-dimensional variational assimilation (3D-Var). Part 1: formulation. Quarterly Journal Royal Meteorological Society, 1783-1807, 1998.

HARTER,F. P.,YAMASAKI,Y., BECK, V. C. Variational Data Assimilation in Chaotic Regime by Lorenz Model. Anuário IGEO, 38, 73-80, 2015.

HARTER, F. P., CAMPOS VELHO, H. F. New Approach to Applying Neural Network in Nonlinear Dynamic Model. Applied Mathematical Modeling, 12, 1-25, 2008.

HOLTON, J. R. An Introduction to Dynamic Meteorology. 4.ed. New York: Academic Press, 2004.

BARKER, D., HUANG, W., GUO, Y.R., Xiao. Q.N. A Three-Dimensional (3DVAR) Data Assimilation System For Use With MM5: Implementation and Initial Results. Monthly Weather Review, 132, 897-914, 2004.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

1 – Leonardo Matias Alves

Curadoria de dados, Análise Formal, Metodologia, Visualização [de dados (infográfico, fluxograma, tabela, gráfico)] Escrita – primeira redação | Escrita – revisão e edição.

2 – William Silva Barros

Análise Formal, Investigação, Metodologia, Supervisão, Validação, Escrita – revisão e edição.

3 – Fabricio Pereira Harter

Conceituação, Análise Formal, Investigação, Metodologia, Supervisão, Validação, Escrita – revisão e edição.

Como citar este artigo

ALVES, L.M.; BARROS, W.S.; HÄRTER, F.P. Impacto da assimilação de dados de sondagem e radiâncias em evento de ciclogênese. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 43, Ed. Esp. X ERMAC RS, e4, p. 1-11, 2021. DOI 10.5902/2179460X66091. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179460X66091. Acesso em: 5 nov. 2021.