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Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 44, e5, 2022

DOI: 10.5902/2179460X65058

ISSN 2179-460X

Submissão: 01/04/2021 • Aprovação: 09/09/2021 • Publicação: 12/04/2022

1 INTRODUÇÃO.. 1

2 NÚMEROS DE LIOUVILLE. 1

3 PROPRIEDADES DOS NÚMEROS DE LIOUVILLE. 1

4 MEDIDA DE L. 1

5 CONCLUSÃO.. 1

REFERÊNCIAS. 1

 

Matemática

Algumas propriedades do conjunto dos Números de Liouville

Some properties of the set of Liouville numbers

Anderson Luiz Maciel IÍcone

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Juan Manuel Silva Fervenza IÍcone

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I Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Matemática, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

O presente trabalho consiste na apresentação dos primórdios da Teoria dos Números Transcendentes. Começaremos com uma pequena introdução a respeito das aproximações racionais e seus teoremas clássicos, como o de Hurwitz-Markov. A seguir, definiremos os números de Liouville e suas propriedades mais intrínsecas, culminando com a prova de sua transcendência. Também falaremos sobre a medida de irracionalidade, uma forma interessante de classificar o grau de irracionalidade de um número real, e, por último (e não menos importante), discutiremos os aspectos mais paradoxais dos números de Liouville como conjunto, que sob a ótica da topologia é o complementar de um conjunto magro, ou seja, é um conjunto "grande". Já sob a ótica da Análise, é um conjunto de medida nula, tanto na medida de Lebesgue quanto na de Hausdorff.

Palavras-chave: Números de Liouville; Transcendência; Medida de Hausdorff; Medida de irracionalidade; Números irracionais

ABSTRACT

The present work consists on the introduction of the Transcendental Number Theory beginnings. First, we will present the classical theorems of the rational approximations, finishing with the theorem of Hurwtiz-Markov. The following part is about Liouville Numbers and their intrinsic properties, proving their transcendence. Also, we will talk about the measure of irrationality, an interesting way to classify the degree of irrationality of certain real number. The last (but not least) topic is about the Liouville numbers as a set and their paradoxes, this set, in the view of the topology, is the complement of a Meagre set, which this means that is "big". However, on the analysis point of view, the Liouville Numbers has null measure, considering the Lebesgue and Hausdorff measures.

Keywords: Liouville Numbers; Transcendence; Hausdorff Measure; Irrationality Measure; Irrational Numbers

1 INTRODUÇÃO

A teoria dos números é um campo da matemática que fascina pelos problemas de fácil enunciado e de difícil solução. Por exemplo, temos a clássica conjectura de Goldbach (que nos dias de hoje ainda não foi provada, ou refutada) que afirma que todo número parmaior que 2 é a soma de dois números primos. Outro problema ainda sem uma solução completa é verificar se existem ou não infinitos números primos gêmeos, ou seja, pares de números primos cuja diferença entre eles é de duas unidades.

Para se ter uma ideia da dificuldade de resolver o segundo problema acima, um avanço considerável foi obtido por Zhang (veja (ZHANG, 2014)) em 2014 que garante um limite inferior de 7.107 para a diferença de dois números primos consecutivos quando esses tendem a infinito. Em símbolos, se pn indica o n-ésimo número primo, Zhang verificou que

A conjectura em si é que esse limite inferior seja 2, quando n vai a infinito. Um mês após o aparecimento do artigo de Zhang, o matemático estadunidense Terence Tao da Universidade da Califórnia, criou no seu blog o “Polymath Project" (a URL desse projeto é www.polymathprojects.org). Esse projeto tem o objetivo de obter colaboradores ao redor do mundo para obter novas estimativas para o limite inferior obtido por Zhang. Deste modo, naquele mesmo ano, a estimativa abaixou de 7.107 para 600. Quem obteve esse resultado foi James Maynard, veja (MAYNARD, 2019). Atualmente, o menor limite obtido é de 246, e foi apresentado por Maynard em 2019 no site do projeto Polymath. Isso nos dá uma ideia do quão difícil pode ser trabalhar com teoria dos números no conjunto dos números inteiros.

Outra abordagem em teoria dos números é, ao invés de considerarmos o conjunto dos números inteiros, trabalharmos com o conjunto dos números reais. Nesse sentido, temos um problema fundamental que é o da classificação desses números, por exemplo, o conjunto dos números reais pode ser decomposto, de forma disjunta, por um conjunto de números racionais e um conjunto de números irracionais. Outra decomposição disjunta possível, e que nos interessa, é a formada pelo conjunto dos números algébricos (ou seja, os números que são raízes de uma equação polinomial real com coeficientes inteiros a uma variável) e o conjunto dos números transcendentes (ou seja, os números que não são algébricos). O conceito de número transcendental apareceu pela primeira vez em um artigo de Leibniz em 1682, e foi Leonhard Euler um dos primeiros a apresentar os números transcendentes de forma como os conhecemos hoje. Além disso, Euler afirmou que os números que não são algébricos transcendem as equações algébricas, por isso o nome transcendentes.

É fácil perceber que os números  e assim por diante, são algébricos. Na verdade, George Cantor provou que o conjunto dos números algébricos é enumerável (ou seja, possui uma relação biunívoca com os números naturais). Além disso, ele também demonstrou que o conjunto dos números reais é não-enumerável. Portanto, o conjunto dos números transcendentes é não-vazio e, de fato, é não-enumerável. Apesar deste conjunto ser não-vazio, é difícil verificar se um dado número real é transcendente. Por exemplo, a transcendência do número e só foi confirmada por Charles Hermite em 1873, ao passo que Lindemann provou que π é um número transcendente somente em 1882. Na verdade, Lindemann obteve um resultado que afirma que se α é um número algébrico não nulo, então α é um número transcendente. Um resultado obtido em 1934 independentemente por Gelfond e Schneider afirma que se α ≠ 0,1 e b são números algébricos, de modo que b é irracional, então ab é um número transcendente. Para uma prova deste teorema veja (GELFOND, 1960). Esse resultado foi utilizado para resolver parcialmente o 7º problema de Hilbert que perguntava se determinados números eram ou não trancendentais. Tamanha é a dificuldade de trabalhar com números transcendentes que ainda hoje não sabemos, por exemplo, se os números + π, π, ζ (3) são transcendentais.

Além de não ser fácil decidir se um dado número real é transcendente, não existe uma regra clara que nos permita construir todos esses números. Apesar dessa ausência da construção de números transcendentes, Liouville em 1851 contribuiu com um critério para que determinados números, hoje chamados de números de Liouville, sejam transcendentes. Grosso modo, um número de Liouville é aquele que pode ser melhor aproximado por números racionais do que qualquer número algébrico irracional. Um teorema devido a Paul Erdös nos dá uma ideia da importância dos números de Liouville, este resultado afirma que todo número real pode ser escrito como uma soma de dois números de Liouville, veja (MARQUES, 2012). Outra propriedade interessante dos números de Liouville é que estes são todos transcendentais. Por outro lado, foi provado que os números transcendentais e π não são de Liouville. Assim, obter propriedades do conjunto dos números de Liouville nos permite ter uma ideia do comportamento de um subconjunto dos números transcendentais.

Nesse trabalho iremos focar no conjunto dos números de Liouville. Apresentaremos a definição dos números de Liouville, algumas de suas propriedades básicas como, por exemplo, a medida de irracionalidade que nos permite decidir se determinado número é ou não de Liouville. Nossa principal contribuição é uma prova nova do conhecido Teorema 3 que classifica os números algébricos, irracionais e de Liouville de acordo com o respectivo valor da medida de irracionalidade. Culminaremos com a prova de que o conjunto dos números de Liouville tem medida de Hausdorff nula em .

2 NÚMEROS DE LIOUVILLE

Um resultado básico da análise matemática afirma que: Dados um número real α qualquer, e ε > 0, sempre existe um número racional  tal que  . Existem outros resultados mais refinados de aproximações de números reais por racionais cuja estimativa leva em consideração o denominador dos números racionais envolvidos. Por exemplo, temos o seguinte resultado que dá a melhor limitação para uma aproximação, a prova deste resultado pode ser obtida em (HARDY e WRIGHT, 2008) ou (CHANDRASEKHARAN, 2012).

Teorema 1 (Hurwitz). Seja α um número irracional qualquer. Então, existem infinitos números racionais  , com mdc(p,q) = 1, tais que

(1)

Além disso,  é a melhor constante possível, ou seja, se , então pode existir um número finito de racionais  , com mdc(p,q) = 1, de modo que a desigualdade acima se cumpra.

Exemplo 1. Se consideramos o número π temos que, por exemplo, o número racional 22/7 satisfaz a desigualdade de Hurwitz uma vez que  é estritamente menor do que .

Um modo de obter os números racionais  do Teorema de Hurwitz se dá quando usamos a fração contínua do número α .

Exemplo 2. O número  não satisfaz o Teorema de Hurwitz, quando substituímos  por  na desigualdade (1). Para isto, vamos considerar  onde 0 < β < 1. Além disso, vamos supor que

Deste modo, existe um número θ com |θ | < β e que satisfaz a identidade

implicando que

Como p,q são números inteiros, a identidade p2 – pq – q2 = 0 é satisfeita se, e somente se p = q = 0. Mas, isto não pode ocorrer, uma vez que q > 0. Portanto |p2 – pq – q2| ≥ 1, e como |θ | < β < 1 temos:

e concluímos que

Logo, existe uma quantidade finita de denominadores q inteiros, de modo que se cumpra esta última desigualdade. O mesmo vale para p já que . Portanto existe uma quantidade finita de frações  que cumprem a desigualdade do teorema de Hurwitz.

Este tipo de aproximação de um número real por números racionais nos leva à principal definição deste trabalho.

Definição 1. Um número real α é um número de Liouville se para todo inteiro positivo n existem inteiros p,q com q > 1, tais que

Exemplo 3. (Constante de Liouville) Historicamente o primeiro objeto matemático reconhecido como número de Liouville foi denominado constante de Liouville, definido por

Pelo teste da razão podemos verificar que esta série é convergente. Para mostrar que o limite é um número de Liouville tome . Temos então,

A primeira desigualdade acima é evidente, visto que

Exemplo 4. Sejam b e ak uma sequência tal que (ak)kN { 0,...,b − 1}, com ak 0, para infintos índices k. É possível generalizar o exemplo anterior e provar que o número x definido por:

é um número de Liouville. No exemplo anterior, tomamos b = 10 e ak = 1 para todo k. O número em questão possui a seguinte expansão decimal: L = 0,1100010000.... Além disso, tomando uma sequência arbitrária teriamos: x = 0,a1a2000...0aj0..., onde o j-ésimo termo da sequência (ak) jaz na j!-ésima posição na base 10 (pois b = 10).

Exemplo 5. O número

é um número de Liouville (a operação n2 é conhecida como tetração). Ver prova em (SONDOW, 2004).

3 PROPRIEDADES DOS NÚMEROS DE LIOUVILLE

Dados os vários exemplos, temos que o conjunto dos números de Liouville é não-vazio. Assim, faz sentido perguntarmos quais são as suas características. Iniciamos com sua irracionalidade e transcendência.

Definição 2. Um número real z é dito algébrico se for raiz de algum polinômio de grau  com coeficientes inteiros, isto é, se P(z) = 0, onde P(z) = a0 + a1z + ... + azn z, ai  ∈ ℤ, 0 i n e an 0. (Quando um número algébrico z for raiz do polinômio de menor grau possível n dizemos que z é algébrico de grau n). Caso contrário dizemos que o número z é transcendente.

Talvez a forma mais simples de garantir a existência de números transcendentes é mostrar que os números de Liouville são transcendentes. Para verificar este fato vamos provar os seguintes resultados.

Lema 1. Todo número de Liouville é irracional.

Demonstração. Suponha, por absurdo, que existam c, d  ∈ ℤ, com d  > 0 e mdc (c,d ) = 1, tais que α  = c/d seja um número de Liouville. Então, escolha n ∈ ℕ, tal que 2n--1 > d. Como α  é um número de Liouville, existem p,∈ ℤ, com q > 1, tais que,

Destarte, α p/q, logo |cq pd| ≠ 0, como se trata de um inteiro, temos que |cq pd| ≥ 1. Como q > 1 e ∈ ℤ, q ≥ 2. Logo,

o que é uma contradição.

O resultado seguinte é a forma dual do teorema de Hurwitz:

Lema 2. Para cada número algébrico irracional z com grau n > 1, existe um inteiro positivo M tal que:

para quaisquer p, q   Z, q > 0.

Demonstração. Seja P(x) um polinômio de grau  com coeficientes inteiros, e z uma raiz desse polinômio. Da continuidade de P’(x), existe um número inteiro M que satisfaz |P’(x)| ≤ M, para |z − x| ≤ 1. Então, pelo teorema do valor médio, temos

sempre que |z − x| ≤ 1.

Agora, sejam dois inteiros quaisquer p e q com q > 0. Gostariamos de mostrar que |z − p/q| > 1/Mqn. Para isto vamos considerar dois casos:

No primeiro caso consideramos que |z − p/q| > 1. Como M e qn são inteiros temos que |z − p/q| > 1/Mqn. No segundo caso temos que |z − p/q| ≤ 1. Mas, se isto ocorrer então |P(p/q)| ≤ M|zp/q|, e portanto

Veja que se P(x) admitisse raiz racional α, então z seria raiz do polinômio Q(x) tal que P(x) = (x − α)Q(x) cujo grau é n − 1. Portanto, P(x) não pode admitir uma raiz racional. Além disso, qnP(p/q) , logo é pelo menos maior do que 1, donde concluímos que 1 ≤ Mqn |z − p/q| não podendo valer a igualdade já que z é irracional. Assim |z − p/q| > 1/Mqn.

Teorema 2. Todo número de Liouville é transcendente

Demonstração. Sabemos pelo Lema 1 que um número de Liouville é irracional, suponhamos então que exista um número de Liouville α que seja algébrico de grau n > 1. Assim, pelo Lema 2, existe um inteiro M  tal que,

para quaisquer pares de inteiros p  e q  com q > 0. Fixemos r inteiro positivo tal que M ≤ 2r. Como α  é um número de Liouville, existem p,q , com q ≥ 2, tais que

Obtemos então que Mqn < Mqn, o que é uma contradição.

A recíproca do resultado acima não é válida, ou seja, existem números transcendentes que não são números de Liouville. Por exemplo, os números transcendentes π e e não são de Liouville, veja, por exemplo, (1). Isto nos motiva a considerar as medidas de irracionalidade.

Definição 3. Dados α um número real qualquer e n um inteiro positivo, definimos

A medida de irracionalidade de um número real α é dada pelo número inteiro positivo

O conjunto An(α) é o conjunto dos números racionais que melhor se aproximam de α.

Um fato não intuitivo é a dualidade entre transcendência e aproximação. Os números mais complicados (transcendentes), são aqueles mais “bem aproximáveis” por números racionais, enquanto os mais simples (algébricos) são os que tem as piores aproximações.

Teorema 3. As seguintes afirmações são verdadeiras:

1. Se α é um número racional então µ(α) = 1.

2. Se α é um número irracional então µ(α) ≥ 2.

3. Se α ℝ\ℚ é um número algébrico de grau, k então µ(α) ≤ k.

4. Um número α é de Liouville se, e somente se, µ(α) = .

Demonstração. 1) Se α = l/m , vamos mostrar que X = {n : #An = ∞} = {1}. De fato, pelo Teorema de Hurwitz existem infinitos racionais p/q tais que , logo 1 X. Para provar a inclusão contrária, suponha que exista n >1 em X. Neste caso, existem infinitos racionais  satisfazendo

(2)

Como existem infinitos inteiros q que satisfazem esta desigualdade, podemos tomar , logo,

Assim, temos uma contradição, logo não podem existir infinitos racionais p/q satisfazendo (2). Donde #An(α), n > 1, é finito e portanto {2,3,...} X c = {n : #An(α) < ∞}. Consequentemente, X {1}. Como X = 1 tem-se que sup X = µ(α) = 1.

2) Veja que se α é irracional, pelo teorema de Hurwitz, existem infinitos racionais p/q tais que |α − p/q| < 1/q 2 , logo 2 {n : #An(α) = }, donde µ(α) 2.

3) Se α ℝ\ℚ é algébrico com grau k > 1, então, pelo Lema 2, existe um inteiro positivo M tal que:

Assim, tomando qM temos que:

Logo, µ(α) < k + 1, o que implica em µ(α)k.

4) Se α é um número de Liouville e µ(α) < ∞, então existe k tal que #An(α) < ∞, para todo n , com n k. Como α é um número de Liouville, para cada n , com n k, existe   Q, com qn > 1, tal que

Logo, , para todo n , com n k. Em particular, Ak(α) é infinito, o que é um absurdo. Portanto, µ(α) = . Por outro lado, se µ(α) = ∞ então, para todo n ≥ 1 considere r > n tal que |α − p/q| < 1/qr . Assim

implicando que α é um número de Liouville.

Um resultado impressionante provado por Roth (ROTH, 1955) afirma que se α é um número algébrico não racional, então µ(α) ≤ 2. Combinando isso ao item 2 do Teorema 3, concluímos, neste caso, que µ(α) = 2. Por outro lado, Borwein e Borwein em (1) provaram que µ(e) = 2, e isso implica que a constante e não é um número de Liouville. Com relação ao número π temos que Zeilberger and Zudilin (ZEILBERGER e ZUDILIN, 2020) provaram que µ(π) ≤ 7,10320534 implicando, igualmente, não se tratar de um número de Liouville. Outro exemplo de irracionalidade é o número transcendente µ(ln 2) = 3,57455391, verificado por Marcovecchio (POLYANSKII, 2019).

Seguindo com o estudo dos número de Liouville, temos que o conjunto L formado por todos esses números tem sua complexidade, parte por falta de sua enumerabilidade e densidade no conjunto dos número reais. Para a densidade do conjunto L utilizaremos o Teorema de Baire, cuja prova pode ser encontrada em (OXTOBY, 2013).

Teorema 4. O conjunto L dos números de Liouville é não enumerável.

Demonstração. Considere a aplicação

Onde xk é a sequência caracterizada pela expansão decimal do número x   c , por exemplo, (πk)k ∈ ℕ = (3,1,4,1,5,9,2,...). Como x é irracional, esta sequência possui uma quantia infinita de termos não nulos. Logo, pelo exemplo 4, o número ϕ(x) é de Liouville. Ainda, ϕ é injetiva e ℝ\ℚ é não enumerável, portanto L é não enumerável.

Definição 4. Seja X , um ponto α é ponto aderente ao conjunto X se, e só se, qualquer conjunto aberto em contendo a intersecta X. Chamamos de fecho de X, o conjunto de todos os pontos aderentes a X, e denotamos esse conjunto por X. Além disso, dizemos que um conjunto X é denso em se  = .

Teorema 5. (Baire) Toda interseção enumerável de abertos densos em é um subconjuto denso em .

Para a prova do Teorema de Baire veja, por exemplo, (OXTOBY, 2013).

Teorema 6. O conjunto dos números de Liouville é denso em .

Demonstração. Vamos definir, para cada natural n, o seguinte conjunto:

Veja que cada Wpq é um conjunto aberto em . Logo, Un também é um conjunto aberto em . Além disso, da maneira como definimos Un, temos que Un é denso em . Ainda, podemos ver que

Ou seja, L é uma interseção enumerável de abertos densos em . Logo, pelo teorema de Baire, L é denso em .

 

4 MEDIDA DE L

Esta seção que segue principalmente o livro de Oxtoby, (OXTOBY, 2013), aborda os aspectos mais analíticos dos números de Liouville, primeiramente começaremos definindo conjuntos de medida nula e provaremos que a medida (de Lebesgue) do conjunto L é zero. Depois, provaremos que o conjunto L também é pequeno quando tomamos a medida de Hausdorff na reta.

Definição 5. Um conjunto X tem medida nula, quando para todo ε > 0, existe uma família de intervalos {Ak}k de modo que ocorra

i)

ii)

Teorema 7. O conjunto L dos números de Liouville tem medida nula

Demonstração. Queremos provar que para cada ε > 0 e para cada inteiro m, existe uma cobertura por intervalos {Ak}k∈ℕ de modo que se tenha,  Para isso seja, para n fixado, porém arbitrário,

Com isso, para cada intervalo (−m,m) em , temos

Ao denotarmos (p/q − 1/qn, p/q + 1/qn) = Apq, segue que |Apq| = 2/qn, donde concluímos que

Isto para cada n natural fixado. Mas, pela definição de  para todo n . Logo podemos tomar n sufcientemente grande de modo que pois . Portanto, para n suficientemente grande,

Vamos agora considerar a medida de Hausdorff na reta real. Dado um intervalo limitado qualquer I com extremos a, b, seu diâmetro é dado por diam(I ) = |b – a |. Sejam X um subconjunto de e ε > 0 um número qualquer. Uma ε-cobertura de X é uma coleção {Aj }j de intervalos limitados tais que diam(Aj ) ≤ ε para todo j, e  . Vamos denotar por 𝒰ε(X ) como sendo a família de todas as ε-coberturas de X.

Definição 6. A medida de Hausdorff de um conjunto X da reta real é dada por

onde , é definida por

sendo s > 0 e ε > 0.

Se n > 0 é um número real qualquer e X , dizemos que X tem medida s-dimensional de Hausdorff nula se, para todo δ > 0, vale que .

Teorema 8. O conjunto dos números de Liouville tem medida s - dimensional de Hausdorff nula para todo s.

Demonstração. Vamos utilizar a mesma estratégia do teorema anterior, para cada ε > 0 e para cada inteiro m, vamos procurar uma família de intervalos de modo que

Fixando n natural, temos

Agora escolha n suficientemente grande de modo que:

Logo, cada um dos intervalos tem medida |(p/q − 1/qn, p/q + 1/qn)| = |Apq| = 2/qn ≤ 2/2n = 1/2n−1 < ε. Além disso,

5 CONCLUSÃO

Um número de Liouville é um número irracional que tem uma boa aproximação por números racionais. Pelo Lema 1 e pelo Teorema 2, uma utilidade dos números de Liouville é obter números transcendentes. Por outro lado, como nem todo número transcendente é um número de Liouville, temos a noção de medida de irracionalidade. Esta medida, pode ser vista como sendo um meio de caracterizar números irracionais, cuja medida deve ser maior ou igual a 2, e números de Liouville, cuja medida de irracionalidade deve ser infinita. Do ponto de vista da topologia, verificou-se que o conjunto dos números de Liouville é denso na reta real, ao passo que, se consideramos a análise matemática, o conjunto dos números de Liouville tem medida de Hausdorff nula nos reais.

REFERÊNCIAS

BORWEIN, J. M.; BORWEIN, P. B.; DILCHER, K. Pi, euler numbers, and asymptotic expansions. The American Mathematical Monthly, Taylor & Francis, v. 96, n. 8, p. 681–687, 1989.

CHANDRASEKHARAN, K. Introduction to analytic number theory. 1. ed. New York: Springer Science & Business Media, 2012. v. 148.

GELFOND, A. Transcendental and Algebraic Numbers. New York: Dover Publications, 1960.

HARDY, G.; WRIGHT, E. An Introduction to the Theory of Numbers. 6. ed. New York: Oxford University Press, 2008.

MARQUES, D. Teoria dos Números Transcendentes. 1. ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 2012.

MAYNARD, J. Small gaps between primes. 2019.

OXTOBY, J. C. Measure and category: A survey of the analogies between topological and measure spaces. New York: Springer Science & Business Media, 2013. v. 2.

POLYANSKII, A. A. On simultaneous approximations of ln 3 and π/3 by rational numbers. Sbornik: Mathematics, IOP Publishing, v. 210, n. 4, p. 589, 2019.

ROTH, K. F. Rational approximations to algebraic numbers. Mathematika, London Mathematical Society, v. 2, n. 1, p. 1–20, 1955.

SONDOW, J. Irrationality measures, irrationality bases, and a theorem of jarnik. arXiv preprint math/0406300, 2004.

ZEILBERGER, D.; ZUDILIN, W. The irrationality measure of π is at most 7.103205334137… Moscow Journal of Combinatorics and Number Theory, Mathematical Sciences Publishers, v. 9, n. 4, p. 407–419, 2020.

ZHANG, Y. Bounded gaps between primes. Annals of Mathematics, v. 179, p. 1121–1174, 2014.

Contribuições de autoria

1 – Anderson Luiz Maciel (Autor correspondente)

Doutor em Matemática Aplicada, Professor do Centro de Ciências Naturais e Exatas, Departamento de Matemática, Universidade Federal de Santa Maria.

https://orcid.org/0000-0001-7836-9041 - anderson.maciel@gmail.com

Contribuição: Conceituação, Investigação, Administração do projeto, Supervisão, Escrita – revisão

2 – Juan Manuel Silva Fervenza

Acadêmico do Curso de Bacharelado em Matemática da UFSM

https://orcid.org/0000-0002-7780-3915 - gordinou0987@gmail.com

Contribuição: Investigação, Escrita – primeira redação e edição

How to quote this article

MACIEL, A. L.; FERVENZA, J. M. S. Algumas propriedades do conjunto dos Números de Liouville. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 44, e5, 2022. DOI 10.5902/2179460X65058. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179460X65058.