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Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria, v. 44, e11, 2022
DOI: 10.5902/2179460X63586
ISSN 2179-460X
Submissão: 15/12/2020 • Aprovação: 18/02/2022 • Publicação: 25/04/ 2022
Geociências
Riscos de inundação em bacias regularizadas: Estudo de caso da cheia do rio Mondego, Portugal
Flood risks in regularized watersheds: Case study of the flood in the Mondego River, Portugal
I Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
II Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, SP, Brasil
III Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
Resumo
Palavras-chave: Tempo de retorno; Bacias hidrográficas; Reservatórios
ABSTRACT
Hydrological studies of flooding in watersheds with a high hazard of inundation are important for mitigation and prevention methodologies. The Mondego river flooding, which occurred in Portugal in 2001, with 460.1 mm total month precipitation around the city of Coimbra, generated great economic and social losses. This study proposed to calculate the flood Return Period (RP) that occurred in 2001 using a methodology developed for the analysis of flood risk in regularized basins. The information used in this analysis was data of precipitation and reservoir average level. The results showed that the 2001 Mondego River flood has an RP of 439.4 years. The combination of precipitation and reservoir data proved to be important to understand the dynamics of floods in a regularized basin. In this sense, the proposed methodology can be applied to any basin that is heavily influenced by upstream reservoirs.
Keywords: Return period; Watersheds; Reservoirs
Avaliar e quantificar os fenômenos inerentes aos riscos de cheias e inundações são importantes para compreender os processos e as variáveis envolvidas, a fim de aplicar as melhores práticas para a mitigação de consequências e atenuação das causas. Deste modo, estudos de eventos históricos de cheias subsidiam a compreensão do problema.
As cheias fluviais são fenômenos de ocorrência comum na Europa, originando grandes prejuízos econômicos. No entanto, a frequência de inundações vem aumentando, uma vez que mais de 50% das cheias reportadas desde 1980 ocorreram a partir do ano 2000 (SILVA et al., 2017, p. 2).
Nesse sentido, estudos acerca do impacto da regularização de bacias hidrográficas em eventos hidrológicos extremos são importantes para compreender a magnitude das mudanças causadas pela regularização, e.g. os estudos de Battala et al. (2004) e Vicente-Serrano et al. (2017).
Battala et al. (2004) realizaram um estudo no rio Ebro e seus afluentes, localizados no nordeste da Espanha, os quais são regularizados por mais de 187 barragens. Os autores verificaram, por meio de uma análise de registro de medições e séries históricas, que houve redução em cerca de 30% na magnitude de inundanções, principalmente as vazões de permanência Q2 e Q10. Quanto às vazões anuais, os autores não observaram tendências de diminuição, mas a variação de valores de vazão média diária reduziu em grande parte dos casos, haja vista o armazenamento das vazões de inundações de inverno e aumento do escoamento de base no verão para irrigação.
Vicente-Serrano et al. (2017) investigaram se houve mudanças no grau de severidade das inundações e secas hidrológicas considerando as últimas seis décadas na bacia do rio Segre, altamente regularizada e localizada no nordeste da Espanha. Os autores utilizaram um conjunto de índices hidroclimatológicos e verificaram que houve uma redução geral na ocorrência de eventos extremos de precipitação e, consequentemente, nas vazões, principalmente devido à regularização da bacia. No entanto, não foram observadas reduções na frequência de cheias extraordinárias. Além disso, as mudanças na gestão de água da bacia, oriundas da intensa regularização, impactaram significativamente a frequência, a duração e o grau de severidade das secas hidrológicas à jusante das principais barrangens.
Em janeiro de 2001, na cidade de Coimbra, Portugal, ocorreram níveis excepcionais de precipitação, os quais resultaram em uma vazão elevada na bacia hidrográfica do rio Mondego (BHRM). “A magnitude da vazão regularizada levou a ruptura de diques a jusante de Coimbra e a necessidade de evacuação de pessoas em inúmeras localidades” (SILVA, 2005, p. 99). “Os barramentos foram projetados para atender as diversas demandas de água na região, porém, a principal função foi a regularização fluvial e o controle das cheias” (MARQUES; MENDES; SANTOS, 2005, p. 3), um problema secular em Coimbra.
Mediante ao exposto, este trabalho objetivou definir o tempo de retorno (TR) de superar ou igualar o evento de inundação que ocorreu em janeiro de 2001 na BHRM. A hipótese adotada foi a de que quanto maior a chuva mensal e mais cheios estiverem os reservatórios, pior será o evento de inundação. Ademais, buscou-se utilizar uma metodologia que possa ser aplicada em bacias que possuam rios regularizados, isto é, bacias que além de estarem expostas a eventos extremos de precipitação, possuam mecanismos artificiais de controle de barramentos, os quais podem atenuar ou mesmo impedir que um evento de inundação ocorra a jusante.
2.1 Caracterização da área de estudo
A área de estudo está localizada próximo à cidade de Coimbra, Portugal, a qual possui cerca de 143.396 habitantes (CENSOS, 2011), e está inserida na BHRM, cuja área de drenagem é de cerca de “6.645 km2” (SANTOS et al., 2013, p.5). “O rio Mondego corre, em grande parte do seu curso, num vale muito encaixado, e entra na zona de Coimbra numa bacia aluvionar” (SANTOS et al., 2013, p. 5). Segundo Cunha (2002), o rio Mondego é o maior rio exclusivamente português, desenvolvendo seu curso por cerca de 227 km desde a Serra da Estrela (sua nascente) até a Figueira da Foz, onde deságua no Oceano Atlântico (LOURENÇO et al., 2017). “O clima da BHRM é mesotérmico úmido (Köppen), com estação seca no verão, ao passo que a precipitação anual média varia entre 910 mm, em Coimbra, e 720 mm, em Figueira da Foz” (LOURENÇO et al., 2017, p. 37).
Na figura 1 está apresentada a localização da BHRM, as redes pluviométricas e linimétricas e o trecho inundável, referente ao barramento Açude Ponte Coimbra, definido pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH). A rede de monitoramento, bem como sua espacialização, foram obtidas junto ao SNIRH. Foi considerado o período de 1990 a 2010, por apresentar maior consistência de dados de chuva e de nível.
Figura 1 – (a): Localização da bacia hidrográfica do rio Mondego (BHRM) no contexto de Portugal Continental; (b): da rede de monitoramento pluviométrico e linimétrico (reservatórios); e (c): localização da zona inundável próxima à cidade de Coimbra, definida pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH)
Fonte: Autores (2022), elaborado com base em informações do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) e Sistema Nacional de Informação de Ambiente (SNIAmb)
O tempo de concentração estimado para a BHRM foi de aproximidamente 2,5 horas. Segundo Louro e Lourenço (2005, p. 4), “Bacias pequenas, com baixo tempo de concentração, como a BHRM, estão sujeitas a cheias e inundações rápidas, ocasionadas por chuvas intensas”.
2.2 Contextualização da problemática
“O objetivo da gestão de reservatórios em qualquer bacia é principalmente fornecer água para diversos usos, além de liberar água para os rios” (VICENTE-SERRANO et al., 2017, p. 17).
Neste contexto, o controle de vazões por reservatórios tem se mostrado eficaz para cheias de pequenas dimensões, porém, é pouco eficiente em grandes inundações, haja vista que os reservatórios são capazes de regularizar completamente um valor muito próximo à vazão média do rio (BRAVO, 2006, p. 49).
Além disso, segundo Silva (2005, p. 25), “Um exemplo de prática contra inundações é a manutenção de um nível baixo dos reservatórios em épocas chuvosas com o objetivo de aumentar o amortecimento de cheias a partir da maior capacidade de retenção destes”. No entanto, essa medida pode entrar em conflito com questões socioeconômicas, a partir da diminuição do potencial de produção hidroelétrica e da garantia de disponibilidade de água em possíveis anos secos.
De acordo com Chongxun et al. (2008, p. 1), “Cerca de um terço de falhas de barragens no mundo estão relacionadas ao galgamento dessas estruturas”. Em períodos torrenciais, os operadores precisam diminuir o nível d’água artificialmente.
Em decorrência da dificuldade de compreender uma variável tão aleatória e de prever a quantidade de escoamento superficial durante esses eventos chuvosos, os operadores podem liberar uma grande quantidade de água a fim de garantir a segurança dos barramentos (CHONGXUN et al., 2008, p. 1).
“A BHRM registrou a ocorrência de uma série de desastres associados a processos de cheias rápidas e progressivas” (TAVARES et al., 2013, p. 2). “Atualmente, a BHRM é considerada regularizada, principalmente devido às barragens Aguieira e de Fronhas, com capacidade total de armazenamento (CTA) de 450 e 89 hm³, respectivamente” (SANTOS et al., 2013, p. 5; LOURENÇO et al., 2017, p. 36). “Estas duas barragens foram construídas para regularizar cerca de 80% da vazão a montante” (CUNHA, 2002, p. 5). As barragens de Aguieira e Raiva, localizadas no rio Mondego, e Fronhas, localizada no rio Alva, funcionam como um sistema interligado e são as barragens mais a jusante do conjunto de 6 barragens localizadas na BHRM (figura 1). “A gestão dos reservatórios na BHRM é realizada a partir de informações de previsão de chuva para as 24 horas seguintes e em função da vazão média afluente nas 24 horas anteriores”, conforme disposto no site da Ordem dos Engenheiros de Portugal. Essa gestão mitiga ondas de cheias com vazões elevadas. No entanto, em eventos de chuva excepcionais as próprias descargas artificiais realizadas pelas barragens podem ocasionar inundações a jusante.
A principal função da barragem de Aguieira, no controle das cheias em Coimbra e no Baixo Mondego consiste em encaixar os volumes afluentes, de forma a garantir que a vazão de cheia centenária em Coimbra não ultrapasse 1200 m³∙s-1 (SANTOS et al., 2013, p. 6).
No entanto, no evento de inundação ocorrido em 2001 no rio Mondego, as barragens estavam, em média, com 78,9% de sua capacidade, um nível que limitou o poder de retenção das chuvas.
O pico de cheia mais elevado ocorreu em 26-29 de janeiro de 2001, quando a vazão afluente na barragem de Aguieira, que estava a 75% de sua capacidade, passou de 600 para 1800 m³∙s-1, o que resultou em uma descarga fixa de 1100 m³∙s-1 (CUNHA, 2002, p. 6).
“O escoamento superficial ocorrido no período chegou ao valor de 1940 m³∙s-1 no barramento Açude de Coimbra” (LOURENÇO et al., 2017, p. 61). De acordo com Alves e Mendes (2014, p. 6), “Se não fosse pelo controle a montante, realizado em particular na barragem da Aguieira, esse valor teria sido de 2800 m³∙s-1”. “Porém, mesmo com a atenuação da onda de cheia, além da inundação verificada em Coimbra, os diques do baixo Mondego romperam em 14 localidades, ocasionando alagamento dos campos” (CUNHA, 2002, p. 9).
2.3 Modelagem probabilística da precipitação
Para aumentar a representatividade dos dados de chuva, foi elaborada uma série de precipitação sintética mensal, localizada próxima à zona de inundação (SNIRH) da cidade de Coimbra (figura 1). Essa série foi elaborada a partir da hipótese de que a chuva que ocorreu na zona inundável ou próximo a ela possui maior relevância do que a chuva que ocorreu nas extremidades da bacia. Essa hipótese tem respaldo teórico, pois uma vez no solo, a chuva que chega à bacia pode interagir com a superfície de diferentes formas: infiltrando, permanecendo interceptada na vegetação ou em pequenas depressões do solo, ou escoando sobre a superfície sobre caminhos preferencias, o que pode resultar em inundações.
Para o processamento dos dados de precipitação utilizou-se a chuva total mensal para permitir a interação com os níveis médios dos reservatórios, que também estão em escala mensal. Foi calculada a média da chuva mensal (série sintética) considerando todas as estações pluviométricas na BHRM (figura 2). Para o cálculo, foi adotado o procedimento Inverse Distance Weight (IDW) (equação 1), o qual considera que, quanto maior a proximidade de um posto pluviométrico, maior é a sua influência na determinação da variável de interesse, neste caso, a chuva mensal (figura 2a). Para a modelagem probabilística, foi utilizada a série sintética, ou seja, a média ponderada da chuva que ocorreu em janeiro de 2001 na BHRM, cujas lâminas registradas encontram-se na figura 2b.
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Onde:
xp é a variável interpolada;
xi é o valor da i-ésima localidade vizinha;
di é a distância euclidiana entre o i-ésimo ponto de vizinhança e o ponto amostrado.
Para o cálculo do IDW, os dados foram considerados de acordo com a disponibilidade mensal de cada ano, ou seja, os pesos de distância de cada posto pluviométrico variaram em concordância com a falta ou presença de dados mensais. Esta consideração culmina em maior consistência para a série sintética calculada.
Figura 2 - Localização dos postos pluviométricos e da série sintética calculada de acordo com a proximidade à zona inundável (SNIRH) na bacia hidrográfica do rio Mondego (BHRM): (a) valores em vermelho correspondem à distância (em km) ao ponto considerado próximo à zona inundável (SNIRH), denominado de série sintética; (b) valores em verde correspondem à precipitação total mensal para janeiro de 2001 (em mm) para os postos pluviométricos considerados neste estudo
Fontes: Autores (2022), elaborado com base nos dados de precipitação mensal (SNIRH, 2021), shapefiles das estações pluviométricas e da zona inundável (SNIAmb, 2021) e Modelo Digital de Elevação (UFRGS, 2021).
A partir da série sintética elaborada, foi aplicada a distribuição Generalized Extreme Value (GEV). A GEV (equação 2) foi escolhida por se destacar na literatura no âmbito da hidrologia em conjunto com distribuições multiparâmetros (BESKOW et al., 2015; CALDEIRA et al., 2015; CASSALHO et al., 2017). Os parâmetros da GEV foram estimados por meio do Método dos Momentos-L (MM-L) (HOSKING; WALLIS, 1997). O MM-L resulta em estimadores mais robustos, com menor erro quadrado médio e mais fáceis de calcular, quando comparado aos métodos da Máxima Verossimilhança e dos Momentos (ZIN; JEMAIN; IBRAHIM, 2009, p. 3).
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Onde:
ξ, α e k são os parâmetros da função densidade de probabilidades (FDP).
Para verificar a aderência da série à distribuição de probabilidades GEV, recorreu-se ao teste de aderência de Anderson-Darling (AD) (ANDERSON; DARLING, 1954) (equação 3). De forma geral, segundo Beskow et al. (2015), “o teste AD é um teste de aderência robusto com ajustes mais satisfatórios, quando comparado a testes qualitativos” (e.g. Kolmogorov–Smirnov). O teste AD foi aplicado ao nível de 5% de significância, isto é, a hipótese de nulidade (H0) a ser testada é de que as frequências observadas poderão ser estimadas pela distribuição de probabilidade.
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(3) |
Onde:
N é o número de observações;
i refere-se à posição de plotagem;
P1 é a probabilidade de não excedência do FDP;
P2 é a probabilidade de excedência da FDP.
As análises foram realizadas por meio de um script implementado em linguagem R utilizando o pacote lmom para hidrologia estatística (HOSKING, 2019), e o pacote goftest para o teste AD (FARAWAY et al., 2019). A partir do teste de adequação da GEV à série de precipitação mensal sintética, obteve-se o TR para a precipitação mensal ocorrida em janeiro de 2001 (460,1 mm), espacialmente próxima à zona inundável.
2.4 Modelagem probabilística dos níveis médios do reservatório
O TR da capacidade média dos reservatórios da BHRM foi calculado para o mês de janeiro de 2001. Utilizaram-se dados mensais, de 1990 a 2010, relativos ao nível médio ponderado pela capacidade total dos reservatórios de Aguieira, Fronhas, Fagilde, Caldeirão, Vale do Rossim e Lagoa Comprida (figura 1), adquiridos junto ao SNIRH. A distribuição GEV também foi aplicada para a série de níveis médios e, a partir da confirmação de ajuste por meio do teste de AD, determinou-se o TR para igualar ou superar a capacidade média em que se encontravam os reservatórios em janeiro de 2001 (78,9%).
Pôde-se perceber uma grande dependência entre as variáveis de nível dos reservatórios com as chuvas que ocorreram nos meses anteriores (figura 3). Contudo, para a análise dessas duas variáveis em um mês específico, como o deste estudo, ambas foram consideradas independentes, ou seja, os níveis dos reservatórios, em um primeiro momento, não foram influenciados pela chuva ocorrida no período, mas sim, pelas chuvas que ocorreram anteriormente. Assim, foi possível efetuar a multiplicação de probabilidades de excedência das duas variáveis para se obter um novo TR bivariado que se aproxime da realidade, isto é, aplicar a teoria da distribuição conjunta de probabilidade (equação 4). O TR para um evento de inundação igual ou superior ao que ocorreu em janeiro de 2001 é justamente o resultado da multiplicação das probabilidades das duas variáveis.
Figura 3 – Informações de nível médio dos reservatórios (%), chuva mensal total (mm) de 1990 a 2009 e a cheia histórica de 2001 (marcada em vermelho)
Fontes: Autores (2022), elaborado com base nos dados de precipitação e níveis dos reservatórios (SNIRH, 2021)
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(4) |
Onde:
TRbivariado é o TR obtido por meio da aplicação da distribuição bivariada;
Pchuva é a probabilidade associada à chuva de janeiro de 2001;
Pnível é a probabilidade associada aos níveis dos reservatórios de janeiro de 2001.
Mediante o teste de aderência AD, o qual resultou em p-valor de 0,059 para a série de chuvas e de 0,746 para a série de níveis dos reservatórios, ao nível de 5% de significância, a GEV se adequou às séries supracitadas. O TR referente à série sintética de precipitação para janeiro de 2001 foi de 151,9 anos. Esse TR corrobora com Nunes et al. (2016, p. 9), os quais indicaram que a “precipitação totalizada em dezembro de 2000 e janeiro de 2001, em Coimbra, corresponde a um período de retorno de cerca de 140 anos”.
O TR obtido, segundo o ajuste da GEV, aos dados de nível médio dos reservatórios foi de 2,9 anos. Apesar dos níveis médios dos reservatórios serem determinados artificialmente, a gestão das barragens é realizada a partir de variáveis hidrológicas que possuem padrões naturais. Isso explica o ajuste da variável de nível médio dos reservatórios a uma distribuição de probabilidades mais robusta.
Quando relacionados os dados dos reservatórios (2,9 anos) com a chuva que ocorreu em janeiro de 2001, 460,1 mm (151,9 anos), o TR da distribuição conjunta de probabilidade resultou em 439,4 anos. Como a hipótese justifica que, tanto a chuva quanto o nível médio dos reservatórios exercem influência sobre as inundações que ocorrem em Coimbra.
A elaboração da série sintética de precipitação em um ponto próximo ao local de inundação, a partir da média ponderada pelo inverso da distância, se mostrou eficiente, e permitiu considerar a chuva de toda a BHRM na análise. A chuva que ocorreu em zonas de montante da BHRM possui forte influência no nível d’água do reservatório e pouca influência em zonas de jusante, neste caso, na zona inundável. Todavia, apesar da baixa influência, pode contribuir para o enchimentos do reservatórios e diminuição do poder de retenção destes. Isso justifica a utilização de todos os dados de chuva presentes na BHRM, porém, com pesos de contribuição diferentes. Os barramentos cumpriram com seu papel mitigador de atenuar as cheias da bacia, pois a precipitação ocorrida em janeiro de 2001, sem as barragens geraria uma inundação de grandes proporções. A construção das barragens, além de atenuar o pico de cheia na data, também aumentou o TR do evento para 439,4 anos, como proposto neste estudo. Para fins de comparação, seria interessante analisar o TR do evento, desconsiderando a influência do barramento, entretanto, essa informação não está disponível.
Ademais, as distribuições de probabilidades e testes de aderência utilizados, confirmaram a acurácia da metodologia. Nesse sentido, com base nos dados apresentados, percebe-se a importância de estudos probabilísticos para inferir sobre TRs para eventos extremos. O estudo da Direcção dos Serviços de Recursos Hídricos, do Instituto da Água, denominado “Hidrologia das Cheias do Mondego de 26 e 27 de janeiro de 2001”, salienta a análise estatística de séries temporais para determinação do seu TR.
Algumas medidas podem ser realizadas para diminuir os impactos negativos de eventos de inundação. “Um exemplo de prática contra inundações é a manutenção de um nível baixo dos reservatórios em épocas chuvosas” (SILVA, 2005, p. 23), com o objetivo de aumentar o amortecimento de cheia a partir da maior capacidade de retenção das barragens. Todavia, essa medida entra em conflito com questões econômicas e sociais, a partir da diminuição do potencial de produção hidroelétrica e da garantia de disponibilidade de água em anos secos. “Outra prática para atenuar as consequências e riscos da inundação é evitar a utilização de áreas em zonas inundáveis, por meio da regulamentação e controle eficaz para impedir o uso dessas áreas” (ANPC, 2016, p. 23). De acordo com APA (2016), o Sistema de Vigilância e Alerta de Recursos Hídricos de Portugal (SVARH) prioriza previsões para pontos críticos, tais como: montante de barragens (vazão), núcleos urbanos (cotas) e estações hidrométricas da rede de vigilância (vazão e cota). Este sistema permite conhecer, em tempo útil, o estado hidrológico dos rios e barragens do país e informações meteorológicas e, assim, realizar previsões de possíveis elevações nas vazões. O SVARH é um excelente exemplo com vistas a diminuir os impactos negativos das inundações.
Mediante ao exposto, o TR de 439,4 anos, resultado quantitativo de maior relevância da aplicação de probabilidade conjunta, é de extrema importância para compreender o comportamento de cheias na região de maior susceptibilidade do rio Mondego (Coimbra, Portugal). De posse deste dado, profissionais da área podem utilizá-lo como embasamento para o cálculo de coeficientes estruturais em projetos hidráulicos na região. Ademais, este trabalho considerou que a precipitação e o nível dos reservatórios possuem igual importância na geração de escoamento superficial, e consequentemente, na ocorrência de inundações em eventos extremos. Portanto, para a aplicação da metodologia, primeiramente, as bacias precisam ter suas barragens com propósitos mitigadores de cheias e também possuir seus rios bem regularizados pelos barramentos. Por fim, a consistência dos resultados apresentados pode embasar, metodologicamente, na gestão integrada dos recursos hídricos no que concerne a medidas preventivas ou de mitigação à áreas passíveis de serem afetadas.
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Authorship contributions
1 – Marcelle Martins Vargas (Autor correspondente)
Engenheira Hídrica, Doutoranda em Recursos Hídricos
http://orcid.org/0000-0002-3798-5937 • marcellevarg@gmail.com
Contribuição: Conceituação | Curadoria de dados | Metodologia | Visualização [de dados (infográfico, fluxograma, tabela, gráfico)] | Escrita – primeira redação | Escrita – revisão e edição
2 – Gustavo Willy Nagel
Engenheiro Hídrico, Doutorando em Recursos Hídricos
https://orcid.org/0000-0002-8060-0772 • gustavoonagel@gmail.com
Contribuição: Conceituação | Curadoria de dados | Metodologia | Visualização [de dados (infográfico, fluxograma, tabela, gráfico)] | Escrita – primeira redação | Escrita – revisão e edição
3 – Maíra Martim de Moura
Engenheira Civil, Doutoranda em Recursos Hídricos
https://orcid.org/0000-0001-6618-2327 • martimdemoura@gmail.com
Contribuição: Conceituação | Curadoria de dados | Metodologia | Escrita – revisão e edição
How to quote this article
VARGAS, M. M.; NAGEL, G. W.; MOURA, M. M. Riscos de inundação em bacias regularizadas: Estudo de caso da cheia do rio Mondego, Portugal. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 44, exx, 2022. DOI 10.5902/2179460X63586. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179460X63586.