Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 43, e92, 2021

DOI: 10.5902/2179460X63306

ISSN 2179460X63306

Recebido: 29/11/2020 • Aceito: 09/10/2021 • Publicado: 08/12/2021

Ensino

Letramento científico e percepções populares: uma análise sobre conhecimentos de Ciência e pseudociência

Scientific literacy and popular perceptions: an analysis about the knowledge of Science and pseudoscience

Mairon Melo MachadoI

Gustavo Medeiros da SilvaII

Leandro Goya FontellaIII

I Doutor em Ciências , Instituto Federal Farroupilha, São Borja, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-0511-119 – mairon.machado@iffarroupilha.edu.br

II Mestrando em Educação Matemática e Ensino de Física, Instituto Federal Farroupilha, São Borja, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-3900-9040 – gustavo.medeiroz.7@gmail.com

III Mestre em História, Instituto Federal Farroupilha, São Borja, RS, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-0276-3613 – leandro.fontella@iffarroupilha.edu.br

RESUMO

Uma análise a respeito do conhecimento e crença em tópicos de pseudociência foi realizada na cidade de São Borja, Rio Grande do Sul, Brasil. A pesquisa aborda uma discussão conceitual sobre o que é Ciência, pseudociência, suas principais diferenças e impactos sociais no mundo contemporâneo. Foi aplicada uma entrevista estruturada com 1078 moradores da cidade, para compreender a relação dos entrevistados com tópicos pseudocientíficos, oferecendo dados quantitativos a respeito desse tema. Percebe-se que não são apenas pessoas com baixa instrução educacional que acreditam em informações falsas oriundas das mais diversas mídias, pois alguns com formação superior também creem em ideias não científicas, como a homeopatia, a astrologia, o terraplanismo, etc. Os dados são comparados com análises realizadas por diversos autores, buscando discutir formas de prevenir a população em geral e desmistificar as pseudociências. A partir deles, atividades foram realizadas com alunos de Ensino Médio e superior da cidade de São Borja, buscando enaltecer o papel do professor no processo de formação dos alunos como executores e participantes de um conhecimento científico.

Palavras-chave: Pseudociência; Divulgação Científica; Formação de professores

ABSTRACT

An analysis about knowledge and belief in pseudoscience topics was carried out in the city of São Borja, Rio Grande do Sul, Brazil. The research addresses a conceptual discussion about what is Science, Pseudoscience, its main differences and social impacts in the contemporary world. A structured interview was applied with 1078 residents, to understand the relationship of interviewed with pseudoscientific topics, providing quantitative data on this topic. It was noticed that it is not only people with low educational background who believe in false information from various media. People with higher level education also end up believing in unscientific ideas, such as homeopathy, astrology, terraplanism, among others. The data are compared with analyzes by various authors, seeking to discuss ways to prevent the general population so that fewer and demystify pseudosciences. From those data, activities were made with High School and Graduate students at São Borja, seeking to highlight the role of the teacher in the process of training students as performers and participants in scientific knowledge.

Keywords: Pseudoscience; Scientific Divulgation; Teacher formation

1 INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos são exemplos de aplicabilidade do desenvolvimento científico e, devido a isto, constituem-se como uma grande ferramenta de auxílio na divulgação de notícias, artigos e conhecimento sobre ciências. Também possibilitam a autores que se debruçam em ideias pseudocientíficas compartilhar falácias, tais como tópicos de cura quântica, previsões baseadas em astros, defesa da Terra Plana ou proliferação de ideias conspiratórias de movimentos antivacina.

Os problemas da crença em tópicos pseudocientíficos podem acarretar questões mais graves do que apenas acreditar em signos, como recentemente abordado por autores dentro e fora do Brasil (KNOBEL, 2008; ORSI, 2016; PILATI, 2018). Verifica-se na área da medicina, por exemplo, que o governo brasileiro disponibilizou no ano de 2017, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), “R$ 17,2 bilhões para o programa que financia práticas pseudocientíficas, mais de 4 vezes o orçamento de todo o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações” (UM BASTA, 2018).

Em tempos de pandemia, a médica americana Stella Immanuel elogiou a hidroxicloroquina e disse que as máscaras faciais não são necessárias para interromper a transmissão do novo coronavírus (OLEWE, 2020), tornando-se um referencial para o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como uma forma de contrariar indicações da Organização Mundial da Saúde. Nessa linha, uma recente pesquisa realizada pela Morning Consult mostrou que 85% dos americanos apoiadores do atual presidente, Joe Biden, disseram que se vacinaram ou pretendem se vacinar, enquanto apenas 60% dos apoiadores de Trump confirmaram que se vacinaram. Ainda, dos dez estados americanos com menores taxas de vacinação, apenas um não votou em Donald Trump nas eleições de 2020 (LAUGHLIN, 2021).

O Brasil chegou a ocupar o segundo lugar em número de mortes da COVID-19 e o terceiro em número de casos em todo o mundo, conforme dados de 17 de janeiro de 2021. Segundo Hallal (2021), a população brasileira representa 2,7% da população mundial, e caso o Brasil tivesse a mesma representação, o número de mortes seria em torno de 56 mil pessoas. Porém, até a data de 21 de janeiro de 2020, mais de 210 mil pessoas haviam falecido devido a COVID-19. “Em outras palavras, 156582 vidas foram perdidas por causa do mau desempenho brasileiro no enfrentamento da pandemia” (HALLAL, 2021). Em seu artigo, Hallal defende que teorias negacionistas advindas do governo federal brasileiro contribuíram para que o país infelizmente chegasse nesse ponto.

Ainda sobre a pandemia, surgiram os defensores de medicações comprovadamente ineficazes no combate ao coronavírus. Um exemplo é a realizada pelo prefeito de Itajaí, Santa Catarina, que entre outros, defendeu a cânfora, a ivermectina e a aplicação de ozônio no reto, e anunciou que adotou a cloroquina para o tratamento da COVID 19, mesmos com estudos indicando que pessoas submetidas ao tratamento não tiveram benefícios - mas experimentaram maior risco à saúde (SPAUTZ, 2020).

Nos últimos anos houve um crescimento de correntes negacionistas em diversas áreas do conhecimento. Há aqueles que defendem o criacionismo, questionando a teoria evolucionista de Darwin sem responsabilidade. Outros negam a eficácia das vacinas no combate a doenças que, outrora extintas no Brasil (como Sarampo), agora retornam por falta de vacinação (PEREIRA, 2019). Também há movimentos na área da Física, formados por sujeitos dispostos a defender ideias como a Terra Plana e o Geocentrismo, questões já elucidadas pela Ciência, porém questionadas por pseudocientistas. Todo esse processo de negação é impulsionado por alguns fatores:

Identificação de “conspirações” [...] uso de “especialistas falsos”, muito sobre “notícias falsas”, tão na moda hoje em dia [...] uso seletivo da literatura científica para desacreditar todo um campo de pesquisa [...] geração de expectativas impossíveis sobre o que a pesquisa científica pode produzir [...] uso de representações inadequadas dos fatos, falácias da lógica, analogias falsas, entre outros (SANCHEZ-MENDIOLA, 2017, p.2 tradução do autor).

Diante desse cenário, é necessário voltar-se para os espaços formais e não formais de ensino, locais onde grande parte dessas falsas ideias científicas se proliferam, a fim de se pensar maneiras de transformá-los em locais de informação e de divulgação científica. Conforme Sanchez-Mendiola (2017), não se pode mais concentrar publicações apenas nos espaços científicos, na literatura, na academia. É muito importante que seja feito um esforço sistematizado para que o conhecimento, obtido através de uma metodologia rigorosa, transcenda para a sociedade, a fim de que, verdadeiramente, se fale sobre uma “sociedade científica”.

Este esforço vem sendo realizado pela ampliação do espaço universitário em cidades onde o acesso à educação superior era vago há alguns anos, junto com diversos projetos de extensão desenvolvidos nos Institutos Federais e Universidades do país. Especialmente no Brasil, a maior parte da Ciência é financiada com dinheiro público, fazendo assim com que todo o trabalho acadêmico tenha a necessidade de apresentar resultados relevantes à sociedade que sustenta a pesquisa. Ainda, a fim de diminuir esse espaço e opor-se às ideias falsas, Sanchez-Mendiola diz que é necessário que a parte dos cientistas que não defendem essas falácias desçam das suas “torres de Marfim” e venham discutir, debater, trazer resultados, divulgar Ciência para a comunidade não versada em conhecimento científico, diminuindo, assim, a distância entre a produção de conhecimento nas academias e na sociedade (2017).

Para este estudo, realizou-se uma pesquisa no município de São Borja, Rio Grande do Sul, Brasil, com o objetivo de investigar o conhecimento dos moradores desta cidade sobre pseudociência e suas crenças na falsa Ciência. Os dados foram coletados através de uma entrevista estruturada, e analisados por meio de comparações com pesquisas realizadas em outras localidades, relacionadas com a idade e o grau de escolaridade, bem como foram identificadas as teorias pseudocientíficas mais aceitas pela comunidade e as mais rejeitadas.

A partir dos dados obtidos, os autores realizaram uma série de práticas de divulgação científica desenvolvidas com alunos de nível médio e superior no Instituto Federal Farroupilha – Campus São Borja (IFFar-SB). Essas atividades tiveram como base a ideia de subsunçores e aprendizagem significativa de Moreira (2011), e partiram do pressuposto de que é mais provável que uma pessoa que não sabe como a Ciência e o método científico funcionam seja convencido por ideias falsas (SAGAN, 2017). Na sequência, apresenta-se a pesquisa, através da coleta e análise dos dados, passando então para as propostas de práticas de divulgação científica e as considerações finais sobre o trabalho.

2 A COLETA DE DADOS

A pesquisa foi realizada entre os meses de julho e setembro de 2019, no município de São Borja, que fica localizado na fronteira oeste do Estado do Rio Grande do Sul – Brasil. A cidade possui duas universidades públicasI e o Instituto Federal Farroupilha (IFFar). A cidade possui uma população de 61.671 habitantes. (IGBE, 2010). A pesquisa possui nível de confiança de 95% e margem de erro amostral de, aproximadamente, 3 pontos percentuais para mais ou para menos. Essas informações foram obtidas com o auxílio de cálculo amostral, com amostra selecionada de forma aleatória, através da entrevista estruturada com 1078 (mil e setenta e oito) moradores da cidade com 12 anos ou mais.

A técnica de pesquisa escolhida para coleta de dados - entrevista – é um método que “consiste no desenvolvimento de precisão, focalização, fidedignidade e validade de um certo ato social como a conversação” (GOODE; HATT, 1969 apud LAKATOS; MARCONI, 2013, p. 81). Ela “tem como objetivo principal a obtenção de informações do entrevistado, sobre determinado assunto” (LAKATOS; MARCONI, 2013, p. 81) – estruturada que é “aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido. As perguntas […] são predeterminadas” (LAKATOS; MARCONI, 2013, p. 82) de forma a obter respostas às mesmas perguntas, possibilitando “que todas elas sejam comparadas com o mesmo conjunto de perguntas, e que as diferenças devem refletir diferenças entre os respondentes e não diferenças nas perguntas.” (LODI, 1974 apud LAKATOS; MARCONI, 2013, p.82). Portanto, trata-se de uma entrevista estruturada, com o intuito de captar as percepções da população a respeito do conhecimento e crença em pseudociências. Algumas perguntas foram transcritas de outros trabalhos encontrados (GARCIA, 2019; PRACONTAL, 2004), a fim de possibilitar a comparação dos dados analisados com as mesmas.

2.1 Aplicação da pesquisa

Aplicou-se a entrevista de forma aleatória em dias e captação dos entrevistados. Os únicos dados pessoais levantados foram a idade e a escolaridade, de forma que nome e demais dados pessoais eram irrelevantes e não foram levantados. As respostas foram registradas na plataforma online Google Forms, ferramenta escolhida para permitir aos autores uma maior agilidade durante a abordagem aos entrevistados. Apenas com um celular e acesso à Internet, foi possível inserir todas as respostas diretamente na “nuvemII”, não sendo necessário o uso de papel. Esse instrumento também disponibiliza os dados em forma de uma tabela, o que acaba otimizando o processo. A análise dos dados traz uma abordagem quantitativa.

O levantamento foi tabulado de forma que as respostas dos entrevistados foram comparadas entre si, usando um procedimento controlado e estruturado de coleta de dados mediante condições de controle. A todos os participantes da pesquisa leu-se o termo de consentimento de livre participação, e todos que participaram concordaram com ele. Foram entrevistadas 1078 pessoas com 12 anos ou mais, entre os meses de julho e setembro de 2019.

Para a análise dos dados coletados optou-se pelo método comparativo. Segundo FACHIN (2001) este método consiste em investigar coisas ou fatos e explicá-los segundo suas semelhanças e suas diferenças. Permite a análise de dados concretos e a dedução de semelhanças e divergências de elementos constantes, abstratos e gerais, propiciando investigações de caráter indireto. As escolhas para a comparação deste estudo foram eleitas por determinação de sua importância e estão interligadas por assuntos comuns. A análise de dados foi feita conforme a ordem das perguntas, com uma análise geral, análise por idade, e, quando necessário, análise pela escolaridade (essas informações foram comparadas entre si e com outras pesquisas já realizadas).

Estes assuntos não se limitam à descrição, mas sim, da intencionalidade de expor fatos relacionados à temática do artigo referendada anteriormente na descrição da pesquisa. Ao eleger a comparabilidade como método para a sistematização destas observações, faz-se necessário destacar os elementos observados, a saber: a) Dados das entrevistas e b) Artigos científicos. A partir dos dados coletados, categorizou-se as respostas dos participantes comparando-as com artigos científicos, no intuito de produzir as condições de análises.

3 RESULTADOS

Na primeira pergunta buscou-se saber sobre o conhecimento do termo “pseudociência”, com as respostas apresentadas no gráfico 1, por idade e total dos participantes. Constata-se que apenas um em cada quatro são borjenses conhece o significado do termo, com a menor taxa, de 15%, sendo justamente na faixa de idade escolar (dos 12 aos 17 anos), o que demonstra que esses sujeitos, mesmo inseridos em um ambiente escolar, não estão tendo acesso a esse tipo de informação. O índice mais positivo encontra-se na população com idade entre 30 e 44 anos, sendo de 34%. Para 45 anos ou mais, o índice foi de 21%, e de 18 a 29 anos, de 29%, ambos próximos à média geral.

Gráfico 1 – Você sabe o que significa o termo pseudociência? Por idade, em %

Fonte: Autores

Também foi feita a comparação com a escolaridade dos entrevistados, conforme gráfico 2. Observa-se o maior índice de conhecedores do termo entre o grupo que já possui nível superior completo, onde uma a cada duas pessoas possui conhecimento sobre o assunto. Outros índices acima da média são encontrados no Mestrado completo (40%), Doutorado completo e incompleto (33%) e na Especialização (35%). No entanto, 100% dos que indicaram possuir o Ensino Fundamental (EF) incompleto declararam não conhecer o termo pseudociência. Para Ensino Médio incompleto (15%), Ensino Médio completo (21%), Especialização incompleta (25%) e Mestrado incompleto (25%) os índices estão dentro do esperado.

Gráfico 2 – Você sabe o que significa pseudociência? Por escolaridade, em %

Fonte: Autores

Foi pedido aos que indicaram conhecer sobre pseudociência que citassem exemplos, e 77% deles o fizeram. Dentre as mais citadas aparecem Astrologia (39%), Terraplanismo (30%) e Homeopatia (24%). Dentre outras respostas, estão: vacina causa autismo; misticismo; marxismo; ufologia e criacionismo. Todavia, duas respostas chamaram a atenção: “Big bang, buracos negros, evolução” e “Ciência Política”, a primeira por se tratarem de teorias científicas já comprovadas e a segunda por ser uma área consagrada das Ciências.

Para verificar se os entrevistados saberiam dizer a diferença entre Astrologia e Astronomia, foi feita a pergunta: “Qual das opções abaixo está relacionado com o estudo da Astronomia?”. Eles puderam escolher entre as opções: “estudo e prática de prever e revelar a influência dos astros no destino dos homens, nos acontecimentos terrestres e nos fenômenos atmosféricos” – uma descrição da Astrologia – “estudo da constituição e o movimento dos astros, suas posições relativas e as leis dos seus movimentos” – uma descrição de Astronomia. Nos resultados, 22% associaram a descrição incorreta e 78% à correta. Na comparação entre as idades, o valor em todas as idades foi, dentro da margem de erro, igual aos 78% obtidos com a comparação total, enquanto que, quando comparado pela escolaridade, os índices de quem possuí a partir de Ensino Médio completo foram maiores que 80%. Porém, para o Ensino Médio incompleto e níveis inferiores, a taxa de indicação correta é de 70%. Verificou-se que, quanto maior o nível de escolaridade, maior o índice de associação correta, atingindo 100% de acerto com níveis de mestrado ou doutorado.

Gráfico 3 – Qual das opções abaixo está relacionada com o estudo da Astronomia? em %

Fonte: Autores

Com relação à Astrologia, perguntou-se “Você acredita que os corpos celestes podem prover informações sobre o comportamento de uma pessoa?”, as respostas indicam que 34% da população crê em astrologia, na influência dos astros sobre a vida das pessoas. Esse índice é menor do que o encontrado na França, nos anos 90. Segundo Pracontal (2004), dois sociólogos, Guy Michelat e Daniel Boy, comentaram sobre uma pesquisa que indicou que 46% dos entrevistados acreditavam na Astrologia. Todavia, quando se analisam os dados comparando as idades, percebe-se que a taxa de crença entre os mais novos (de 12 a 17 anos) é 20% menor que dentre os que apresentam mais de 45 anos. Os entrevistados de 18 a 44 anos, mantiveram-se na média da idade. No entanto, comparando-se os dados obtidos de que, na média, 35% dos adultos são borjenses acreditam em Astrologia, com os dados trazidos por Campion (2016) de que “as pesquisas do instituto Gallup sugerem que aproximadamente 25% dos adultos nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França acreditam em Astrologia” (apud VYSE, 2019), percebe-se que no município há um índice bem mais elevado de aceitação.

Ainda assim, quando se compara os dados dos jovens de 12 a 17 anos com a faixa etária entre 18 e 29 anos, constata-se que é de 25%, um valor abaixo dos 30% apresentados pelo estudo Pew (VYSE, 2019). Esse estudo fala sobre a preocupação com o aumento do índice de jovens que acreditam na Astrologia, indicando que “esse nível cai a cada faixa etária subsequente. Apenas 18% das pessoas de 65 anos ou mais endossaram a astrologia” (VYSE, 2019), porém, em São Borja, acontece o fenômeno oposto: quanto mais velho o sujeito, mais aumenta sua crença em Astrologia, chegado à taxa de 45% após os 45 anos.

Gráfico 4 –Você acredita que os corpos celestes podem prover informações sobre o comportamento de uma pessoa? Por idade, em %

Fonte: Autores

Acerca da frequência com que consultam o horóscopo, foram disponibilizadas quatro opções: nunca; raramente; semanalmente; e diariamente. Dentre a população total, 40% afirmaram nunca consultar seu horóscopo, enquanto 41% disseram consultar raramente. Apenas 12% consultam semanalmente, e 7% diariamente. Na sequência, apenas 40% afirmam não consultar o horóscopo, ou seja, 60% da população, mesmo que não creiam, acabam por ter essa prática. E o maior número é entre os jovens, o que acaba por corroborar os dados trazidos por Vyse (2019). Aqui, percebe-se que 65% dos jovens entre 12 e 17 anos consultam seu horóscopo, sendo os que recorrem de forma semanal às previsões astrais uma taxa de 10%, e diária de 12%. Ainda pode-se perceber que, por mais que os idosos digam que creem mais em Astrologia, o número dos que afirmam consultar diária e semanalmente é de 5% em ambas as frequências, o que indica que talvez apenas digam acreditar, mas não se importem muito com as previsões.

Gráfico 5 – Com que frequência você consulta seu signo no horóscopo? Por idade, em %

Fonte: Autores

Ainda sobre a Astrologia, sondou-se a respeito de como as previsões holísticas influenciam na vida das pessoas, perguntando-se a elas se já haviam tomado decisões baseadas no que diziam as previsões astrológicas. Os resultados estão no Gráfico 6. Neles, 17% dos entrevistados já tomaram algum tipo de decisão baseada nos astros. O índice maior foi na faixa de 12 a 17 anos, com uma taxa de 21%, enquanto entre os que possuem mais de 45 anos apenas 5% já fizeram algo por sugestão dos signos. Os adultos de 18 a 44 anos mantiveram-se na média. Indagou-se para estes que já seguiram suas previsões astrais se lembravam de alguma situação que gostariam de compartilhar. Dentre as respostas, surgiram circunstâncias como: realizar negócios financeiros e trabalho - “mais dedicação ao trabalho quando o horóscopo falou que estaria bom para trabalhar”, “quando dizia que era propício aos negócios, investi no negócio do meu marido”; coisas do dia a dia como “tomar banho”, “namoro” e “cor da roupa de determinado dia”, “agir como o horóscopo recomenda, pois mesmo que não seja verdade, eu fico motivado a ir e fazer tal coisa”. São situações rotineiras, em que o fator psicológico de “vou fazer algo por que meu signo disse que hoje eu estava propenso a ter sucesso nisso” acaba por motivar o sujeito, que busca na pseudociência uma forma de encontrar aquilo que deseja, movido pela tendência de acreditar no que se quer acreditar. (PILATI, 2018).

Gráfico 6 – Você já tomou decisões baseados no que dizia em previsões astrais (signos, horóscopo)? Por idade, em %

Fonte: Autores

Interpelou-se sobre a questão “você acha possível adivinhar o futuro com baralhos, numerologia, leitura de mãos?”, com resultados apresentados no Gráfico 7. No total, 27% dos indivíduos declaram crer na adivinhação, sendo alarmante o índice de 43% na faixa de 12 a 17 anos. Entre os adultos, nas faixas de 18 a 29 anos e 30 a 44 anos, a taxa ficou dentro da média geral, e entre os maiores de 45 anos, apenas 5% acreditam na adivinhação.

Gráfico 7 – Você acha possível adivinhar o futuro com baralhos, numerologia, leitura de mãos? Por idade, em %

Fonte: Autores

Os entrevistados foram questionados na sequência se já fizeram tratamento homeopático. O índice total é de 21%, aproximadamente um em cada cinco são borjenses já fez esse tratamento alternativo. Entretanto, afere-se a partir do gráfico 8 que existe uma discrepância entre os que possuem menos de 30 anos, sendo a média de 13% para essa faixa etária enquanto que a média para quem possui mais de 30 anos é de 44%. Considerando apenas os adolescentes, de 12 a 17 anos, apenas 6% já fizeram esse tratamento. Muitos dentro dessa faixa de idade, quando entrevistados, afirmaram desconhecer o termo homeopatia, não sabendo do que se tratava. A homeopatia é um tratamento pseudocientífico que está impregnado no Sistema Único de Saúde (SUS), e também está sendo ensinado em universidades públicas. Através desses investimentos, tratamentos ditos por “alternativos” e que não possuem validação científica estão ganhando espaço na esfera pública, com aplicações provenientes do governo para falsa ciência. (EDITORIAL, 2019; ORSI, 2018).

Gráfico 8 – Você já fez tratamento homeopático? Por idade, em %

Fonte: Autores

O gráfico 9 não se refere diretamente a uma pseudociência, no entanto, como as respostas demonstram, há confusão e equívocos com relação às ondas eletromagnéticas e se são ou não prejudiciais. Para 53% dos são borjenses, as ondas eletromagnéticas emitidas pelos micro-ondas, celulares, rádios e wi-fi são prejudiciais à saúde, com uma crença positiva de 70% nas pessoas com mais de 30 anos, e, embora ainda abaixo da média, com 43% e 49%, respectivamente entre os jovens de 18 a 29 anos e 12 a 17 anos. Levando em consideração a escolaridade, o menor índice de crença ocorre entre aqueles com especialização, tendo uma ocorrência de apenas 25%, nível superior completo com 45% e nível médio incompleto com 47%. As maiores ocorrências estão entre os mais bem graduados, sendo de 60% para mestres e 100% entre os doutores.

Gráfico 9 – Você acha que as ondas eletromagnéticas emitidas pelos micro-ondas, celulares, rádios e wi-fi são prejudiciais à saúde? Por idade, em %

Fonte: Autores

Solicitou-se que justificassem sua resposta para a questão acima, e algumas concepções surgiram. Dentre os que responderam sim, a justificativa mais comum foi a de que existem estudos que comprovam o malefício, mas não citaram nenhum deles. Outra associação recorrente foi a das ondas eletromagnéticas como sendo a causa de depressão. Dentre as respostas, destacaram-se algumas: indica especulação, (não tenho certeza, mas deve ser): “Pois atravessa o corpo, deve causar alguma modificação”. Invoca o poder da Ciência: “a Ciência indica que contém algo radioativo que causa câncer”. Ataca alguma inovação com falsas comprovações: “Sim, porque degrada o meio ambiente e já foi comprovado, principalmente a nova inovação 5g”.

Dentre as afirmações negativas, muitos afirmaram utilizar essas tecnologias há muito tempo e não sentir nada de prejudicial à sua saúde, outros citaram o fato das radiações serem insignificantes para lesar a saúde. Destaca-se uma fala sobre testes e metodologias científicas, com um resultado aceito pela comunidade científica: caso tais ondas causem algum dano considerável ou notório à saúde, devem haver múltiplas pesquisas de múltiplas fontes confirmando resultados próximos e/ou com dados condizentes, incluindo testes cegos e duplamente cegos. Porém, atualmente têm-se poucas pesquisas que resultaram em algum tipo de dado anormal ou significativo em relação saúde x exposição a ondas de rádios e eletromagnéticas (celulares, micro-ondas, rádios e wi-fi). As ondas eletromagnéticas em questão não são prejudiciais à saúde pois estão na faixa de ondas não-ionizantes, ou seja, sua frequência é baixa, e a energia de radiação emitida é pequena, por isso os estudos apontam que elas não afetam a saúde, e também por esse motivo, não são capazes de causar uma explosão em um posto de gasolina. (YAMASHITA, 2018).

A Terra plana é uma pseudociência que tem muitos seguidores que utilizam das plataformas digitais, como por exemplo Youtube, para se expandir e angariar adeptos. No Brasil, uma pesquisa feita em 2019 pelo Datafolha (GARCIA, 2019) aponta que 7% da população brasileira crê que o formato da Terra seja chato, o que corrobora os dados obtidos em São Borja, que revelam que 7% da comunidade acredita na Terra plana. Conforme dados dispostos no gráfico 10, constata-se que na cidade, os terraplanistas dispõe-se da seguinte maneira: de 12 a 17 anos apenas 1%, de 18 a 29 anos, 5%, de 30 a 44 anos esse valor dobra, indo a 11%, e com 45 anos ou mais, o índice de terraplanistas é de 18%, percebe-se então que no município, os mais idosos são aqueles que mais duvidam do formato esférico do planeta.

Gráfico 10 – Na sua opinião, a terra é plana? Por idade, em %

Fonte: Autores

Foram feitas comparações com pesquisas de outras localidades e com dados cruzados entre si, constatando-se que alguns dados estão numa faixa próxima da média obtida por outras pesquisas (como por exemplo o número de terraplanistas, que em São Borja é de cerca de 7% da população, aproximadamente 4317 pessoas). Por fim, alguns outros dados cruzados obtiveram uma diferença perceptível, como o fato de que, no município, o índice de respostas positivas para a crença em astrologia no público com 45 anos ou mais foi maior do que com os jovens entre 12 e 30 anos, fato que é contrário ao que indicam outras pesquisas.

Fez-se ainda algumas correlações entre conhecer o termo pseudociência e acreditar em algum tópico pseudocientífico. Na tabela 1, os dados analisados correspondem, em %, aqueles que responderam “Sim” para saber o significado do termo pseudociência e "Sim” para as demais perguntas e os que responderam, “Não” para a primeira e “Sim” para as demais perguntas.

Tabela 1 – Percepção sobre pseudociências

Você sabe o que significa o termo pseudociência?

Sim

Não

Você acredita que os corpos celestes podem prover informações sobre o comportamento de uma pessoa? “Sim”

30%

36%

Você já tomou decisões baseados no que dizia em previsões astrais (signos, horóscopo)? “Sim”

14%

18%

Você acha possível adivinhar o futuro com baralhos, numerologia, leitura de mãos? “Sim”

27%

27%

Você acha que as ondas eletromagnéticas emitidas pelos micro-ondas, celulares, rádios e wi-fi são prejudiciais à saúde? “Sim”

37%

58%

Na sua opinião, o sol gira em torno da terra? “Sim”. Na sua opinião, a terra é plana? “Sim”

1%

6%

Fonte: Autores

Segundo Sagan, “se comunicarmos apenas as descobertas e os produtos da ciência [...] sem ensinar o seu método crítico, como a pessoa média poderá distinguir a ciência da pseudociência? As duas são então apresentadas como afirmativas sem fundamentos” (SAGAN, 2006, p.40). Tal afirmação está em acordo com a tabela 1, já que o índice dos que afirmaram conhecer o significado da falsa ciência e ainda assim acreditam nela é, no limite da margem de erro, o mesmo daqueles que declararam desconhecer o termo e crer em tópicos pseudocientíficos. Percebe-se que, em grande parte das relações, dentro da margem de erro, o fato de saber o que significa pseudociência não é relevante para crer ou não em uma ideia pseudocientífica.

Como forma de corroborar essa questão e demonstrar a necessidade de maior divulgação científica, apresenta-se essa problemática de que não basta ter-se o conhecimento do produto final obtido pela Ciência, mas sim há necessidade de se pensar e refletir sobre a produção científica a fim de não se dar crédito às pseudociências. Por isso, verifica-se como exemplo desses estudos uma pesquisa realizada no Brasil em 2014 pelo Instituto Abramundo para medir o Índice de Letramento Científico (ILC) da população brasileira. Embora não exista uma “definição universal” a respeito do conceito de ILC, a pesquisa adotou por modelo a definição que entende esse índice como “um contínuo que abrange desde habilidades e conhecimentos elementares até processos cognitivos mais complexos relativos à linguagem escrita” (GOMES, 2015, p. 56-60). Em outras palavras, a capacidade dos entrevistados conseguirem estabelecer relações entre o seu conhecimento científico e informações diárias, como por exemplo, saber ler e interpretar uma conta de água ou eletricidade.

Os resultados obtidos no Brasil foram classificados em 4 níveis, com 1 sendo o mais baixo. Eles demonstram que o nível de quase 65% da população metropolitana entre 14 e 50 anos, com mais de quatro anos de estudos é considerado no máximo, rudimentar (nível 2). Os dados são mais alarmantes quando dizem respeito ao senso crítico e à capacidade de aplicação no dia a dia, pois 79% das pessoas, além de não conseguirem entender os termos científicos que leem, também são incapazes de aplicar isso em situações cotidianas, como ler um manual de instruções para usar um aparelho doméstico. Também verificou-se que apenas 8% dos entrevistados busca artigos acadêmicos no campo da Ciência como fonte de informação para temas de natureza científica. (GOMES, 2015).

4 O PAPEL DA ESCOLA NO COMBATE ÀS PSEUDOCIÊNCIAS

Os dados analisados demonstram a necessidade de se voltar para uma educação emancipadora, que possibilite aos sujeitos uma maior capacidade de entendimento científico. Para tanto, os autores propuseram uma análise sobre o papel da escola e do Professor como um divulgador científico, através de uma oficina de experimentação desenvolvida no Instituto Federal Farroupilha - Campus São Borja, com turmas do Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio, bem como uma palestra sobre Ciência e pseudociência para os cursos de Licenciatura em Física e Licenciatura em Matemática da mesma instituição.

Segundo Sagan (2006), a missão da divulgação científica é de todos aqueles que gostam da Ciência e que ficam encantados com suas novas descobertas. Em especial, Sagan coloca essa responsabilidade sobre os cientistas, que erram ao acreditar que o público a quem falam “é demasiado ignorante [...] para compreender a Ciência, que [...] a divulgação é fundamentalmente uma causa perdida, ou até que essa tentativa equivale a confraternizar com o inimigo, quando não a francamente coabitar com ele” (SAGAN, 2006, p.379), e aos governantes, que através da comunidade escolar, devem proporcionar aos alunos de escolas públicas uma maior qualidade de material didático e maior tempo em sala de aula para o ensino de disciplinas como Ciências, História e Matemática. O professor torna-se, muitas vezes, o primeiro divulgador científico com quem os estudantes têm contato (SAGAN, 2006). Partindo dessa premissa, e da afirmação do próprio Sagan de que as melhores maneiras de se divulgar Ciência são livros didáticos, aulas e seminários bem estruturados e o uso favorável das tecnologias, pois elas possibilitam “ruminar a informação, seguir o próprio ritmo, rever as partes mais difíceis, comparar os textos, compreender em profundidade” (SAGAN, 2006, p. 379). É do docente a função de auxiliar os discentes em sua alfabetização científica, a fim de que possam desenvolver-se plenamente como cidadãos conscientes, alfabetizados em todos os mais amplos sentidos.

Contemporaneamente, existe o debate sobre nível de analfabetismo científico de países, sendo realizados diversos estudos para medir esses níveis. Para Davies, um indivíduo alfabetizado cientificamente também deve possuir uma atitude científica, o indivíduo “mostrará vontade de mudar de opinião com base em novas evidências; procure toda a verdade sem preconceitos; tenha um conceito de relações de causa e efeito; crie o hábito de basear o julgamento nos fatos; e tenha a capacidade de distinguir entre fato e teoria." (NOLL; HOFF, apud MILLER, 1983).

Todavia, infelizmente, o Brasil está distante dessa realidade. De acordo com Ivanissevich (2009, p.4), o “sistema de ensino – que não oferece ao aluno o conhecimento e a crítica indispensáveis para formar seu próprio pensamento e enfrentar com êxito os problemas futuros – ainda prevalece no país”. Tal fato é agravado quando se observa a Ciência como instrumento de inclusão social da população. Essa é uma tarefa árdua, uma vez que o ensino fundamental é deficiente e a distância entre a comunidade científica e a população é enorme. Faltam professores capacitados para ensinar Ciência nas escolas. São poucos os cientistas que valorizam e reservam um tempo para divulgar suas pesquisas. Os meios de comunicação não veem a Ciência e a Educação como temas lucrativos (IVANISSEVICH, 2009, p.5).

É possível verificar algumas aproximações entre Miller, Ivanissevich e Sagan. O primeiro fala sobre analfabetismo científico, um debate necessário na formação de professores e na sociedade em geral. Ivanissevich traz dados preocupantes sobre o assunto no Brasil e Sagan considera necessário um enfoque maior na alfabetização científica da sociedade, pois, para ele, “a alfabetização é o caminho da escravidão para a liberdade. Há muitos tipos de escravidão, e muitos tipos de liberdade. Mas saber ler ainda é o caminho”. (2006, p.409).

Partindo do pressuposto da ideia de Sagan de que, mais importante do que saber manusear as tecnologias atuais, ou conhecer sobre a falsa Ciência, é saber sobre como funciona a Ciência e o método científico, os autores desenvolveram duas atividades de divulgação científica no Instituto Federal Farroupilha – Campus São Borja (IFFar-SB). Primeiro, desenvolveu-se uma oficina com os alunos do Ensino Médio (EM) na qual o objetivo principal foi fazer os alunos realizarem experimentos de Física para verificar valores de grandezas físicas conhecidas.

A oficina ocorreu no Laboratório de Física do IFFar-SB, em agosto de 2019. O público participante constituiu-se de 16 alunos do Ensino Médio Integrado da instituição, com idades entre 15 e 18 anos. A elaboração da oficina teve dois momentos: primeiro, foi apresentada uma palestra como atividade de demonstração, chamada por Taylor de Lecture Demonstration (1988, apud GASPAR; MONTEIRO, 2005, p.228). Este material teve como base teórica de aprendizagem o conceito de subsunçores, advindos da teoria da aprendizagem significativa de Ausebel (apud MOREIRA, 2011). Elaborou-se um material em slides para uma palestra dinâmica. Inicialmente, apresentou-se aos estudantes o conceito de Ciência, a importância de haver regras na Ciência, chamadas de método científico, e as diversas áreas da Ciência (de acordo com a CAPES) a fim de quebrar o paradigma de que Ciência se faz apenas nas aulas de Física, Química, Matemática ou Biologia.

Ressaltou-se que, apesar da atividade ser experimental em um Laboratório de Física, ela era específica para encontrar algumas grandezas físicas e, de forma alguma, deveriam pensar naquele exercício como a única maneira de se fazer Ciência. Destacou-se também que cada área da Ciência possui uma metodologia diferente, e, dentro das suas limitações, são amplamente aceitas no meio acadêmico.

A fim de demonstrar, analogamente, “a história real e tortuosa das grandes descobertas” (SAGAN, 2006, p.41), traçou-se uma correlação com a linha histórica do desenvolvimento da teoria geo/heliocentrista, apresentando aos participantes uma linha temporal que continha os principais cientistas e os anos em que contribuíram para a teoria acerca do heliocentrismo, aceita e comprovada, atualmente, no meio científico. Também, abordou-se a questão da pseudociência, seu significado e implicações na sociedade atual. Por fim, os alunos foram separados em 4 grupos de 4 discentes para a realização dos experimentos, seguindo um roteiro proposto para cada experimento, a fim de encontrar valores aproximados para as grandezas físicas Aceleração da Gravidade, Coeficiente de Atrito de diferentes materiais (borracha, velcro, madeira e plástico), Coeficiente de Dilatação Linear do alumínio, e Constante Elástica da Mola (usando uma mola de caderno comum e uma mola de ferro). Alguns dos grupos são apresentados na figura 4, medindo a aceleração da gravidade (esquerda) e constante elástica (direita).

Figura 1 – Dois grupos de alunos realizando experimentos sobre gravidade (esquerda) e constante elástica (direita)

Fonte: Autores

Os resultados obtidos foram avaliados através de um enfoque trazido por Moreira, a fim de se “buscar as evidências da aprendizagem significativa, em vez de querer determinar se ocorreu ou não” (2011, p.52). Isso aconteceu, de forma dialógica, através das falas e observações dos alunos, tendo em vista que os participantes não realizaram provas ou avaliações escritas. Contudo, os aprendizes puderam refazer os experimentos por diversas vezes, a fim de encontrarem os valores mais próximos da realidade. Um grupo encontrou um valor de 12,67 m/s² em suas medições referentes à Aceleração da Gravidade. Após instigados a refazerem seus testes, obtiveram um valor de 9,69 m/s², valor bem mais próximo do valor universal de 9,8 m/s², e que foi satisfatório tanto para eles como para os autores.

A segunda etapa consistiu na elaboração de uma palestra para alunos dos cursos de Licenciatura em Física e Licenciatura em Matemática do IFFar-SB, com 50 pessoas participantes. Durante a atividade, buscou-se uma abordagem histórica a respeito da construção do método científico. Além disso, o conceito de pseudociência foi trabalhado de forma conceitual e através de exemplos. Apresentaram-se manchetes de jornais e revistas a respeito de problemas gerados pelas crenças em pseudociências, com leis criadas a partir de senso comum, como a volta do sarampo devido à falta de vacinação, o estímulo de astrólogos para que as pessoas acreditem que o heliocentrismo é uma mentira, entre outros. Por fim, abordou-se questões históricas sobre o Geocentrismo, Terra plana e Astrologia, e um pouco de suas origens. A partir de então, foram discutidas propostas de inserção do tema em sala de aula, permitindo que os futuros professores tivessem um contato inicial com o que é fazer Ciência, e da importância, como docente, de levar para a sala de aula e para os alunos conceitos científicos com bases sólidas e aceitas na comunidade científica e escolar.

5 CONCLUSÕES

Este trabalho apresentou uma pesquisa com 1078 moradores da cidade de São Borja, a fim de verificar a crença da população deste município em tópicos pseudocientíficos. Essas informações foram coletadas através de entrevista estruturada e comparadas com pesquisas de autores como Garcia (2019), Gomes (2015), Pilati (2018), Pracontal (2004) e Vyse (2019). Dentre as constatações feitas, percebe-se que o cidadão são-borjense está dentro da média nacional e global de crença. O índice de terraplanistas na cidade é de 7%, o mesmo encontrado em pesquisa de abrangência nacional. Essa pesquisa comprova a necessidade de atividades práticas como as relatadas na segunda parte do trabalho.

As atividades buscaram explanar sobre o árduo caminho da ciência, a necessidade que cada área tem de possuir seus métodos e a alfabetização científica como forma de prevenção à difusão ao engano das pseudociências. Na oficina ministrada ao Ensino Médio, percebeu-se o anseio dos jovens por conhecimento científico, o anseio por explorar e a curiosidade para com as experiências. Os dados obtidos corroboram a necessidade da iniciativa das oficinas e outras atividades para além do espaço formal de ensino, como feiras científicas municipais ou rodas de análises de obras da literatura científica. Isso demonstra a necessidade de que o professor responsabilize-se pelo papel de divulgador científico, e busque incentivar seus alunos à busca por conhecimento científico. A capacidade dos alunos em identificar os erros durante os experimentos é um processo científico que não pode ser desprezado.

Por fim, percebe-se que divulgar a ciência e desmistificar as pseudociências é uma atividade pertinente a todos os membros ligados com educação, e com a ciência em geral, e que essa praxi deve ser mantida atualizada diariamente. Para Rocha (2000, p. 99), “uma melhor concepção sobre o conhecimento científico por parte dos professores pode significar uma melhora no ensino de ciências, uma vez que os professores são os mediadores do currículo”. Mais importante do que os valores obtidos pelos alunos, isso possibilitará de que as futuras gerações de professores, e os próprios alunos de EM, percebam que a ciência é feita a longo prazo, e percorrendo caminhos árduos até serem plenamente confiáveis.

É preciso conscientizar também os sujeitos que não fazem parte das arcádias do século XXI, mas que, apesar de inseridos na sociedade, são letrados de algum conhecimento científico, para que contribuam tanto nos ambientes não formais de ensino, quanto no seu grupo de trabalho ou na sua zona de convívio social para que auxiliem na divulgação científica. É igualmente imprescindível que os professores, de todas as áreas do conhecimento, levem esse discernimento para seus alunos em sala de aula, seja através de textos de divulgação científica, músicas, experimentos, cinema ou debates sobre tópicos científicos e não científicos, a fim de propiciar um maior alcance do assunto para tentar ir além do espaço escolar.

AGRADECIMENTOS

Um dos autores agradece a companheira Marina Mathias por auxiliar na tabulação dos dados. Os autores agradecem a Anderson de Jesus por auxiliar na organização e preparação dos roteiros para a atividade com alunos do Ensino Médio, bem como os mesmos por terem cedido suas imagens para este trabalho.

REFERÊNCIAS

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Contribuições de Autoria

1 – Mairon Melo Machado

Contribuição: Conceituação, Escrita – primeira redação, Escrita – revisão e edição

2 – Gustavo Medeiros da Silva

Contribuição: Conceituação, Metodologia, Escrita – primeira redação

3 – Leandro Goya Fontella

Contribuição: Escrita – revisão e edição


I Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)

II A computação em “nuvem” é um termo para a possibilidade de acessar arquivos e executar diferentes tarefas sem a necessidade de instalação de aplicativos, mas diretamente na rede de internet, através de empresas como Google, Amazon, entre outras.