Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, ed. esp.: meteorologia, e16, 2020

DOI:10.5902/2179460X55317

ISSN 2179-460X

Received: 22/09/20   Accepted: 22/09/20  Published: 30/09/20

 

 

Variabilidade Climática Clima e Oceano

 

Identificação de episódios de ondas de calor e de frio atmosféricas na região central do litoral catarinense

 

Identification of episodes of atmospheric heat waves and cold spells in the central region of the Santa Catarina coast

 

Monalisa Steil I

Carlos Medeiros Ineu Júnior II

Cristiane Rosa III

Gabriela Lamim IV

Gabriel Serrato de Mendonça Silva V

Mário Francisco Leal de Quadro VI

 

I Instituto Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: monalisasteil@gmail.com.

II Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: ineu.jr@gmail.com.

III Instituto Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: cristianerosa.ea@gmail.com.

IV Instituto Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: gabrielalamim.ea@gmail.com.

V Instituto Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: gabrielsmsilva@gmail.com.

VI Instituto Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: mquadro95@gmail.com.

 

 

RESUMO

Eventos extremos como as ondas de calor (Heatwaves – HWs) ou ondas de frio (Cold-spells – CSs) podem causar prejuízos à saúde humana, às atividades produtivas como agricultura e pecuária, bem como causar impactos ambientais diversos. Diante disso, o objetivo desse estudo é identificar a variabilidade da ocorrência, duração e intensidade média das HWS e CSs atmosféricas na parte central do litoral de Santa Catarina, entre os anos de 1982 a 2017. Para a detecção de HWs e CSs na atmosfera, foram calculadas as anomalias dos dados de temperatura atmosférica em relação à normal climatológica, através do cálculo dos percentis 90 e 10 para HWs e CSs, respectivamente. Considerou-se a persistência mínima de cinco dias de valores anômalos de temperatura em relação à média climatológica diária. Neste trabalho foram utilizados dados de reanálise, do projeto Era-Interim, e os cálculos foram computados pelo pacote ‘‘RmarineHeatWaves’’. Com base nos cálculos e análises realizados, verificou-se a ocorrência desses eventos extremos na respectiva região, com diferentes períodos de duração e intensidade. Observou-se um maior número de casos de ondas de calor a partir dos anos 2000, corroborando com estudos realizados anteriormente. A onda de calor (frio) com maior duração ocorreu em abril de 2016 (julho de 2000).

Palavras-chave: Eventos extremos; Ondas de calor; Ondas de frio.

 

 

ABSTRACT

Extreme events such as heat waves (HWs) or cold spells (CSs) can cause damage to human health, to productive activities such as agriculture and livestock, as well as causing various environmental impacts. Therefore, the aim of this study is to identify the variability of the occurrence, duration and intensity mean of atmospheric HWS and CSs in the central part of the Santa Catarina coast from 1982 to 2017. For the detection of HWs and CSs in the atmosphere, the anomalies of the atmospheric temperature data were calculated in relation to the climatological normal, by calculating the 90th and 10th percentiles for HWs and CSs, respectively. The minimum persistence of five days of anomalous temperature values in relation to the daily climatological average was considered. In this work, reanalysis data from the Era-Interim project were used, and the calculations were computed by the ‘‘RmarineHeatWaves’’ package. Based on the calculations and analyzes done, the occurrence of this extreme events in the respective region was checked, with different periods of duration. A greater number of cases of HWs have been observed since the 2000s, corroborating with previous studies. The longest-lasting HW (CS) was seen in April 2016 (July 2000).

Keywords: Extreme events; Heat waves; Cold Spells.

 

 

1 Introdução

A temperatura do ar é influenciada por fatores climáticos como a latitude, altitude, maritimidade e continentalidade (FIRPO; SANSIGOLO; ASSIS, 2012). Além destes, mudanças nos padrões de circulação atmosférica alteram o deslocamento das massas de ar e, consequentemente, a temperatura do ar. MARENGO (2007) mostra que alguns modelos globais de clima projetam para o futuro possíveis mudanças na frequência e intensidade de eventos extremos climáticos: ondas de calor e ondas de frio, chuvas, secas, furacões e ciclones. Logo, observar se estes eventos extremos estão de fato ocorrendo com maior frequência e intensidade, poderá contribuir para uma previsibilidade de condições adversas do clima no futuro.

A Organização Mundial de Meteorologia (OMM), através do índice Heat Wave Duration Index (HWDI), define ondas de calor como uma sequência de mais de cinco dias em que a temperatura máxima diária fica pelo menos 5°C acima da média climatológica. RUSTICUCCI e VARGAS (2001) tratam as ondas calor (Heatwaves – HWs) e ondas de frio (Cold-spells – CSs) como uma sequência diária de anomalias de temperaturas positivas (negativas).  Diante disso, três parâmetros são considerados: (i) o comprimento ou persistência (número de dias ininterruptos da anomalia, sendo o mesmo sinal); (ii)  o valor máximo (anomalia positiva) ou mínimo (anomalia negativa) e (iii) a “intensidade” (média de anomalias do evento).

As HWs e CSs são muitas vezes associadas a impactos ambientais, econômicos e sociais. Entre os impactos ambientais, muitos animais não resistem a variações abruptas ou a manutenção prolongada de temperaturas anômalas, outros realizam a migração deslocando-se para outras regiões com condições de sobrevivência mais adequadas. Além deste, os incêndios florestais ficam mais propensos de ocorrerem. Como exemplo de impacto econômico, na agricultura muitas safras não se desenvolvem e o preço dos produtos aumenta consideravelmente, assim como existem interferências no consumo de energia e atividades comerciais. Por fim, em relação aos aspectos sociais, cita-se o desenvolvimento de problemas de saúde e redução do bem-estar da população (GEIRINHAS, 2016; FIRPO, 2008; BITENCOURT et al., 2016).

A ocorrência de eventos de ondas de frio vem sendo identificada desde o fim do século XIX através de estatísticas de produção de café nas plantações no Sul do Brasil. Em alguns estudos realizados na Região, foram verificados que a quantidade de ondas de frio diminuiu com o tempo, mais isso não garante que a qualquer momento uma onda forte de frio não possa afetar a Região Sul. Independentemente de haver menos penetração de sistemas frontais, as temperaturas na região durante o inverno apresentam uma tendência de elevação (MARENGO, 2007). O pico de intensidade de uma onda de calor/frio não é necessariamente o dia mais quente (ou frio) de um determinado ano, pois o valor é comparado para um dado de anomalia diária de determinado local e os impactos de vários dias anômalos podem ser mais agravantes à saúde dos seres vivos do que as temperaturas extremas em um único dia.

De acordo com SELMO et al. (2016) as ondas de calor que afetam a Terra são associadas à ocorrência de bloqueios atmosféricos. Estes sistemas meteorológicos alteram os padrões de circulação atmosférica causando interrupção no escoamento zonal e, consequentemente, a persistência de sistemas de alta pressão. Deste modo, ocorrem anomalias de precipitação e temperatura, alterando a condição meteorológica em determinadas regiões (OLIVEIRA, 2011; MENDES et al., 2005).  

O crescimento das cidades tende a contribuir em diversas alterações no clima local, por exemplo, a substituição do pavimento natural por impermeável e a remoção de vegetação podem influenciar em eventos como aumento de ondas de calor, precipitação e ocorrência de ilhas de calor urbano (MILLS et al., 2010; SANTAMOURIS, 2015). A mudança na paisagem favorece a ocorrência das ilhas de calor urbanas, áreas urbanas com temperaturas mais elevadas que as áreas rurais vizinhas, devido aos materiais de construção absorverem e reterem maior calor do sol, quando comparado aos materiais naturais presentes em áreas que não sofreram processo de urbanização (ROMERO et al., 2020). 

 O estudo realizado por GRIMM e TOGATLIAN (2002) demonstra que “há notáveis diferenças entre a frequência de ocorrência de eventos severos frios e quentes durante os anos de El Niño e La Niña”. Normalmente os eventos de ondas de calor estão associados a bloqueios atmosféricos, que são formados a partir da presença de anticiclones estacionários, responsáveis pela incidência de ar quente e úmido da região tropical, os quais favorecem a ocorrência de anomalias quentes persistentes em determinadas regiões (RUSTICUCCI; VARGAS, 1995).

 Considerando o risco de ocorrência de variações sazonais de temperatura e seus impactos em diversos setores, bem como a possibilidade do aumento de casos de ondas de calor devido às mudanças climáticas, o objetivo desse estudo é detectar a variabilidade da ocorrência, duração e intensidade média das ondas de calor e de frio na parte central do litoral de Santa Catarina, entre os anos de 1982 a 2017.

 

 

2 Metodologia

2.1 Área de estudo

A região selecionada para este estudo (Figura 1) corresponde ao município de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, e a área costeira em seu entorno, que inclui diversas praias importantes que contribuem para economia local através de turismo, produção pesqueira e movimentação portuária. De acordo com NUNES (2008), nas últimas décadas observou-se grande atividade migratória para essa região, havendo uma potencial atração por fixar moradia junto às praias importantes e a capital, contribuindo para o crescimento populacional. O clima do litoral, influenciado pela maritimidade, possui pouca variação da amplitude térmica diária, quando comparado ao interior do Estado. Sendo este um dos motivos que impulsiona a vinda de turistas, principalmente nos meses de verão, e, além disso, mantém a tendência de crescimento migratório nesse local.

 

Figura 1 – Área de Estudo: região central do litoral catarinense

 

2.2. Dados e métodos utilizados

Para este trabalho foram utilizados dados diários da temperatura do ar à 2m, obtidos do projeto ERA-Interim da página do ECMWF (European Centre for Medium-Range Weather Forecast; http://apps.ecmwf.int/datasets/data/interim-fulldaily/levtype=sfc/). Esse projeto disponibiliza os dados a cada 6 horas, com resolução espacial de 0.125º, disponível desde 1979 até o presente (DEE et al., 2011). Estes dados de reanálise estão representados em uma grade de 1º x 1º de latitude-longitude e o período analisado corresponde a 1982-2017.

A metodologia empregada aqui para a identificação dos casos de ondas de calor/frio atmosféricas segue o estudo desenvolvido por HOBDAY et al. (2016), que investiga casos de ondas de calor marinhas. A Figura 2a mostra que os valores limites são definidos com base no percentil 90 para ondas de calor (e o percentil 10 para as ondas de frio). Estes valores percentuais variam ao longo do ano (linha tracejada), assim como a média climatológica (linha contínua) (Fig. 2b). Por fim, a figura 2c mostra que os picos de calor de curta duração, com menos de cinco dias, não são considerados HWs. A intensidade média do evento (imean) corresponde ao círculo aberto. A ilustração adaptada indica outras métricas não abordadas neste estudo: intensidade máxima (imax ); taxa de aumento de temperatura (ronset) e diminuição (rdecline) durante o evento e a soma das intensidades diárias em sombreado (icum ). Os dias de início e de fim das HWs são representados por ts e te respectivamente. Os cálculos que envolvem as ondas de calor e de frio, no presente estudo, foram obtidos do pacote ‘‘RmarineHeatWaves’’ (HOBDAY et al., 2016) na plataforma R (R CORE TEAM, 2017).

 

Figura 2 – Esquema de métricas usadas para definir uma onda de calor.

Fonte: Adaptada de HOBDAY et al. (2016).

Busca-se entre os quatro eventos de ondas de calor e frio mais duradouros, ao menos um caso que tenha sido destacado por meio de estudos científicos já realizados ou boletim de Centros de Pesquisa. Além disso, realizou-se uma consulta junto a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), por meio do endereço eletrônico: http://origin.cpc.ncep.noaa.gov/products/analysis_monitoring/ensostuff/ONI_v5.php, com o objetivo de verificar a possível relação com anos de ocorrência dos fenômenos El Niño e La Niña. A tabela 1 apresenta os anos de El Niño e La Niña, visando o estabelecimento da relação entre a variabilidade das ondas de calor e frio e os eventos climáticos.

 

 Tabela 1 – Anos de El Niño (La Niña): Em vermelho (azul) os anos considerados mais intensos e duradouros

Evento

Anos (algarismos finais)

El Niño

82, 86, 87, 88, 91, 92, 94, 95, 97, 98,02, 03, 04, 05, 07, 09, 10, 14, 15,16

La Niña

83, 84, 88, 89, 95, 96, 98, 99, 00, 01, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 16, 17

 

Fonte: Adaptado da NOAA.

 

 

3 Resultados e discussões

3.1 Ondas de calor

Os resultados obtidos a partir do pacote ‘‘RmarineHeatWaves’’ são apresentados nesta seção. A figura 3 mostra que nos anos de 2005, 2014, 2015 e 2016 foram registrados os eventos com maior duração, com 17, 18, 17 e 22 dias, respectivamente. A ocorrência de ondas de calor é observada desde os primeiros anos do período de estudo, porém a partir de 2002 que passam a ser mais frequentes e duradouras. Ao dividir a série ao meio, percebe-se que no período de 1982 a 2000 foram registrados 17 episódios e a partir do ano 2000 este número evoluiu para 29 episódios.

Este resultado corrobora o trabalho de BITENCOURT et al. (2016), que afirmam que o Brasil tem sido atingido por um número consideravelmente maior de ondas de calor a partir do ano 2000. Entretanto, o período entre janeiro de 2010 e janeiro de 2014 é marcado pela não ocorrência de nenhum evento de ondas de calor. Tal fato pode ser explicado por não haver influência da atividade do El Niño (de 2011 a janeiro de 2014), sendo que este fenômeno climático contribui para o acontecimento de ondas de calor no Sul do Brasil. Os quatro eventos mais duradouros aconteceram em anos de El Niño. Em 2015 (ano de El Niño forte) ocorreram quatro episódios de ondas de calor. Porém, percebe-se que em outros anos de El Niño forte (1997,1998 e 2016) ocorreu apenas um episódio por ano. 

Os eventos de maior duração ocorreram em janeiro/fevereiro de 2014 e abril de 2016. Alves et al. (2016) estudaram a forte onda de calor ocorrida em janeiro de 2014 em Santa Catarina e relataram que esta onda de calor foi histórica para o Estado. Esta onda de calor foi associada a um bloqueio atmosférico que influenciou na penetração de frentes frias, fazendo com que a Região Sul fosse afetada por massas de ar quentes e secas, redução da precipitação e altas temperaturas. O estudo de SELMO et al. (2016) evidenciou um evento de onda de calor em abril de 2016 sobre o município de Florianópolis - SC, com base nos dados da estação meteorológica do INMET (código OMM: 83897), e constatou 16 dias com anomalia de temperatura acima de 5°C. Os cálculos do presente trabalho indicam 22 dias, porém vale ressaltar que a metodologia considera apenas a sequência de dias com temperatura anômala. Na figura 3 são destacadas as ondas de calor que fazem parte dos estudos de ALVES et. al (2016) e SELMO et. al (2016). A figura 4 ilustra o evento de abril de 2016 (área preenchida na cor vermelha).

 

Figura 3 – Ocorrência e duração das ondas de calor na área central do litoral de SC entre os anos de 1982 e 2017. Cada traço apresentado corresponde a um evento de onda de calor, totalizando 46 eventos. O eixo y representa duração em dias de cada episódio de onda de calor e o eixo x corresponde às datas de início ao longo dos anos. Os traços destacados com círculos preenchidos na ponta correspondem aos anos de 2005, 2014, 2015 e 2016 que foram os de evento com maior duração (com 17, 18, 17 e 22 dias, respectivamente)

Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

Figura 4 – Onda de calor ocorrida na região de estudo em Abril de 2016 (área preenchida na cor vermelha). Início: dia 05/07/2016 e término: 26/04/2016

Fonte: Elaborado pelo próprio autor. 

A intensidade média (°C) das ondas de calor pode ser visualizada na Figura 5. Os casos mais intensos ocorrem nos anos de 1994, 1997, 2005 e 2015, que são anos com o fenômeno El Niño. Porém não é possível afirmar que as ondas de calor estão mais intensas no decorrer dos anos. LUO E LAU (2018) estudaram o impacto dos eventos de El Niño e La Niña na ocorrência de ondas de calor na China. Em seu trabalho, eles constataram que os eventos de El Niño aumentam significativamente a frequência, duração e amplitude de HWs em todo o país. As HWs ganham destaque durante os verões após os episódios maduros de El Niño, com aumento da ocorrência e número de dias de HWs, bem como duração prolongada e amplitude (intensidade) elevada em tais eventos. Além disso, esses efeitos de amplificação são substancialmente mais fortes para episódios mais intensos e mais longos de ondas de calor. BERLATO e FONTANA (2003) estudaram a ocorrência de ondas de calor e sua relação com eventos de El Niño sobre o Rio Grande do Sul. Em seu trabalho, eles concluíram que o fenômeno El Niño afeta diretamente no comportamento das temperaturas e, consequentemente, nas anomalias. Durante eventos de El Niño, há forte tendência das temperaturas médias e mínimas serem superiores às dos anos neutros no outono e início do inverno. BERLATO e FONTANA (2003) também concluíram em seu trabalho que nos meses sob a influência de eventos de El Niño fortes, como ocorreu nos anos de 1982 e 1997, não foi verificada nenhuma ocorrência de ondas de frio.

 

Figura 5 – Intensidade média (°C) das ondas de calor ocorridas de 1982 a 2017 na região de Florianópolis - SC. Cada traço representa a data de início de uma onda de calor. Os traços com a ponta preenchida são os quatro eventos com maior intensidade média: 1994, 1997, 2005 e 2015

 

3.2 Ondas de Frio

A Figura 6 indica a duração das ondas de frio (em dias) entre 1982 e 2017. Cada traço apresentado corresponde a um evento de onda de frio, totalizando 28 eventos. A partir de 2001 houve 11 eventos de ondas de frio. Percebe-se que os períodos em que as ondas de frio não ocorreram, parecem estar relacionados à não ocorrência da La Niña, mas isso não significa que não podem acontecer em anos neutros ou de El Niño. Como exemplo, em abril de 2016 houve uma forte onda de calor e na sequência uma onda de frio no mesmo mês, sendo este ano marcado pela transição de um El Niño forte (que estaria agindo no mês de abril) para uma La Niña (final do ano). A duração da maioria dos eventos é de 5-6 dias, com exceções de alguns que perduram por mais dias. É possível observar que a maior duração encontrada foi em julho de 2000 (16 dias). Em seguida, são registrados eventos com duração de 9 dias nos anos de 1988 e 2016.

A área em azul na figura 7 ilustra a onda de frio que ocorreu no mês de Julho do ano 2000. A menor temperatura do evento foi registrada no segundo dia (14/07/2000). Neste período a atuação de anticiclones sobre a região de estudo (figura não mostrada) favoreceram a incursão de uma massa de ar frio intensa na região Sul do Brasil, provocando geada e neve, explicando o declínio acentuado de temperatura. Além disso, os campos atmosféricos e oceânicos de grande escala no Oceano Pacífico mostram a presença do fenômeno La Niña.

 

Figura 6 – Ocorrência e duração das ondas de frio na área central do litoral de SC entre os anos de 1982 e 2017. Cada traço apresentado corresponde à um evento de onda de frio, totalizando 28 eventos. O eixo x apresenta os eventos ocorridos no período e o eixo y corresponde a duração em dias. Os quatro eventos de maior duração são destacados pelos círculos preenchidos e o de maior duração ocorreu em julho/2000 (16 dias).

Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

Figura 7 – Onda de frio ocorrida na região de estudo em julho do ano 2000 (área preenchida na cor azul). Início: dia 13/07/2000 e término: 28/07/2000

Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

A figura 8 indica a intensidade média (º C) das ondas de frio. Nos anos de 1984, 1999, 2011 e 2016 ocorreram as ondas de frio com maior intensidade média, sendo estes anos de atuação da La Niña. Podemos destacar também que a onda de frio de julho de 2000 além de ser a mais duradoura foi também a quinta mais intensa. LUO e LAU (2018), ao estudarem as HWs na China, também constataram que os eventos de La Niña enfraquecem significativamente as atividades de HWs no país, o que junto com outros fatores climáticos pode colaborar para a ocorrência de eventos de ondas de frio. As HWs ficam enfraquecidas durante os verões após os episódios maduros de La Niña, com redução da ocorrência e número de dias de HWs, bem como duração reduzida e amplitude reduzida para tais eventos. BERLATO e FONTANA (2003) estudaram a ocorrência de ondas de frio e sua relação com eventos de La Niña no Rio Grande do Sul. Em seu trabalho, eles concluíram que o fenômeno La Niña afeta diretamente no comportamento das temperaturas, e consequentemente nas anomalias de temperatura. A maioria dos meses do ano apresentam anomalias negativas de temperatura durante eventos de La Niña, com destaque para outubro e novembro em que as temperaturas médias mínimas ficam bem abaixo dos anos neutros. Além disso, BERLATO e FONTANA (2003) ainda constataram que durante os meses que estiveram sob a influência de eventos La Niña extremamente fortes como nos anos de 1974, 1988 e 2000, chegou-se a observar a ocorrência de 3 a 4 ondas de frio no mesmo ano.

 

Figura 8 – Intensidade média (°C) das ondas de frio ocorridas de 1982 a 2017 na região de Florianópolis - SC. Cada traço representa a data de início de uma onda de frio. Os traços com a ponta preenchida são os quatro eventos com maior intensidade média: 1984, 1999, 2011 e 2016

 

 

4 Conclusões

O presente estudo contribuiu para contabilizar os eventos de ondas de calor e de frio ocorridos na região central do litoral catarinense para o período de 1982-2017. Estes eventos são associados a condições climáticas do período em que ocorreram. As ondas de calor podem estar associadas à manutenção de bloqueios atmosféricos e as ondas de frio à passagem de sistemas frontais que podem ser respectivamente relacionadas ao El Niño e La Niña. Percebeu-se neste trabalho que uma onda de calor (frio) também ocorre na fase de La Niña (El Niño) ou anos neutros, mas são menos frequentes nestes períodos. 

Constatou-se que, a partir de 2002, ocorreu um aumento de casos de ondas de calor, corroborando com trabalhos anteriores, que identificaram esse aumento da ocorrência de eventos anômalos quentes. Seria necessária uma série histórica maior para afirmar que este aumento é relacionado a mudanças climáticas. No entanto, é importante considerar que a intensidade pode ser amplificada devido à urbanização, conforme explanado em outros estudos citados neste trabalho. Foi abordado também que houve aumento demográfico na região de estudo nas últimas décadas, indicando que a urbanização pode ser um fator que teria contribuído para o aumento das ondas de calor. Ainda sobre a intensidade, encontrou-se também relação entre a ocorrência de ondas de calor (frio) e eventos de El Niño (La Niña) na área de estudo abordada, corroborando com trabalhos anteriores que reproduziram esse mesmo estudo para outras áreas do país e do mundo.

 Portanto, trabalhos futuros que buscam tratar da previsibilidade de ondas de calor e de frio juntamente com avaliação prévia da sua amplificação local ou regional (devido a ilhas de calor ou outros fatores) se tornam necessários, pois permitem que medidas emergenciais possam ser executadas e os impactos das ondas de calor e frio minimizados. Além disso, pode-se desenvolver um estudo complementar que visa correlacionar ondas de calor com índices de bloqueio atmosférico.

 

 

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