Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria v.42, ed. esp.: meteorologia, e11, 2020
DOI:10.5902/2179460X55312
ISSN 2179-460X
Received: 22/09/20 Accepted: 22/09/20 Published: 30/09/20
Variabilidade Climática Clima e Oceano
Influência dos padrões PDO e AMO na temperatura do ar do Brasil durante o inverno austral
Influence of the PDO and AMO patterns on the air temperature in Brazil during the austral winter
Douglas da Silva Lindemann I
Rose Ane Pereira de Freitas II
I Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil. E-mail: douglasdasilva.lindemann@gmail.com.
II Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil. E-mail: rosefreitas78@gmail.com.
Anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) favorecem o surgimento de modos de variabilidade climática, que podem ser transferidos pelas teleconexões atmosféricas para diferentes regiões do globo. O presente estudo procurou identificar influências da Oscilação Decadal do Pacífico (PDO) e da Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO) sobre a temperatura do ar no Brasil, durante o período de 1901 a 2012. Foi constatado que os períodos negativos da PDO e AMO (1901-2012) exercem maior influência sobre as regiões Sul e Norte do Brasil. Quando estes modos de variabilidade estão em fases opostas (1901-1927), interferem principalmente na região Sul do Brasil. Por outro lado, quando a PDO está na fase negativa e a AMO está passando da fase positiva para negativa (1944-1975), a região Norte do Brasil é mais influenciada.
Palavras-chave: Variabilidade climática; TSM; Teleconexões; PDO; AMO.
Anomalies of sea surface temperature (SST) favor the emergence of climatic variability modes, which can be transferred by atmospheric teleconnections to different regions of the globe. The present study sought to identify influences of the Pacific Decadal Oscillation (PDO) and the Atlantic Multidecadal Oscillation (AMO) on the air temperature in Brazil, during the period from 1901 to 2012. It was found that the negative periods of the PDO and AMO (1901-2012) have a greater influence on the South and North regions of Brazil. When these modes of variability are in opposite phases (1901-1927), they mainly interfere in the southern region of Brazil. On the other hand, when the PDO is in the negative phase and the AMO is moving from the positive to the negative phase (1944-1975), the northern region of Brazil is more influenced.
Keywords: Climatic variability; SST; Teleconnections; PDO; AMO.
1 Introdução
Os modos de variabilidade climática oriundos de anomalias da temperatura da superfície do mar (TSM) criam padrões que influenciam diretamente a atmosfera terrestre. Estes padrões não ficam limitados sobre as regiões de anomalias da TSM, são transferidos para regiões remotas pelas teleconexões atmosféricas e desta forma interferindo no padrão climático de outras regiões (GARREAUD et al. 2009).
Estas anomalias são transportadas no tempo e espaço pelas teleconexões do sistema climático que podem ser úteis para uma melhor compreensão de eventos anômalos em regiões remotas (CARVALHO et al. 2005; GARREAUD et al. 2009). Por sua vez, as oscilações das variáveis climáticas sobre os continentes podem ser induzidas e seu sinal amplificado por forçantes locais, ou por eventos remotos.
Em décadas recentes foram observadas tendências de aumento da temperatura do ar global (ZHAI et al. 2018) e na América do Sul este padrão também é observado. Diferentes autores também encontraram tendências de aumento da temperatura do ar e seus extremos, em diferentes períodos sazonais e para as médias anuais sobre o Sudeste brasileiro, utilizando diferentes fontes de dados, como modelos climáticos globais, reanálises e dados observados em estações meteorológicas (SOARES et al. 2016; LINDEMANN et al. 2019). No entanto, esta tendência de aumento da temperatura do ar não fica restrita ao Sudeste brasileiro, Wu e Polvani (2017) também observaram anomalias positivas sobre diferentes regiões da América do Sul, concordando com os resultados anteriores de Collins et al. (2009).
Estas variações anômalas de temperatura estão normalmente associadas às variações de TSM em regiões remotas. Os estudos sobre as teleconexões em sua maioria exploram as influências do Oceano Pacífico Equatorial, devido às alterações entre as fases positivas (El Niño) e negativas (La Niña) do fenômeno El Niño Oscilação Sul - ENOS (COLLINS et al. 2009; CORDEIRO et al. 2016). No entanto, estudos que passaram a considerar influências de outras regiões oceânicas sobre o clima do Brasil começaram a ser desenvolvidos, possibilitando análises de séries temporais maiores e constatação de padrões oceânicos de menor frequência, como a Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO, Atlantic Multidecadal Oscillation) e a Oscilação Decadal do Pacífico (PDO, Pacific Decadal Oscillation) (ANDREOLI e KAYANO, 2005; CHIESSI et al. 2009; JONES e CARVALHO, 2018; LINDEMANN et al. 2019).
A AMO é um modo de variabilidade climática de baixa frequência, devido à oscilação decadal da TSM, onde sua fase positiva é caracterizada pelo aquecimento anômalo do Oceano Atlântico Norte, associado com um resfriamento do Atlântico Equatorial, com um período de oscilação de 60 a 80 anos (KNIGHT et al. 2006). Uma forma de calcular a AMO pode ser feita através da primeira Função Ortogonal Empírica (EOF, Empirical Orthogonal Functions, TIMMERMANN et al. 1998; MONAHAN et al. 2009; JONES e CARVALHO, 2018) da TSM global sem o ENOS e, de acordo com Timmermann et al. (1998), possivelmente a AMO esteja também associada com a variabilidade na circulação termohalina do Atlântico e o transporte de gelo marinho oriundo do Oceano Ártico.
Normalmente há confusão entre os dois padrões AMO e NAO (North Atlantic Oscillation), pois ambos ocorrem no oceano Atlântico Norte e podem apresentar variabilidades na escala multidecal. No entanto, são fenômenos de naturezas diferentes: a NAO é uma variabilidade atmosférica, com uma estrutura dipolar entre as regiões norte e subtropical do Oceano Atlântico Norte, enquanto que a AMO é uma variabilidade oceânica (principalmente relacionado à TSM) entre os trópicos e a Groenlândia (MYOUNG et al. 2015). De acordo com Peings e Magnusdottir (2014) a AMO e a NAO exercem influência uma sobre a outra, com uma polaridade oposta, ou seja, a fase positiva da AMO resulta em maior número de fases negativas da NAO.
Diferentes fases da AMO podem influenciar regiões do Brasil de formas diferentes; durante sua fase negativa é observada uma redução da precipitação na região Nordeste do Brasil (KNIGHT et al. 2006), além de um aumento da temperatura do ar durante o período de verão austral (LINDEMANN et al. 2019). Além do Nordeste, Lindemann et al. (2019) também indicaram aumento (redução) da temperatura do ar na região da Bacia do Prata (Sudeste e Centro-Oeste do Brasil) durante o verão austral.
No Oceano Pacífico Norte, Mantua et al. (1997) também determinaram um modo de variabilidade de baixa frequência, os autores definiram que a PDO é a principal componente na variabilidade mensal da TSM do Oceano Pacífico Norte (ao norte de 20° N), com um comportamento semelhante ao ENOS, mas que varia em uma escala de tempo muito mais longa. A PDO pode permanecer na mesma fase por 20 a 30 anos, enquanto que os ciclos do ENOS normalmente duram apenas alguns meses. Paralelamente ao fenômeno ENOS, as fases extremas da PDO foram classificadas como quentes ou frias, conforme definido pelas anomalias da TSM nas regiões nordeste e tropical do Oceano Pacífico. A PDO pode ser definida pelo padrão principal da EOF das anomalias de TSM na bacia do Pacífico Norte. As anomalias da TSM são obtidas removendo o ciclo anual climatológico e a anomalia de TSM da média global dos dados em cada ponto da grade (MANTUA et al., 1997).
Trabalhos sobre a PDO e a AMO vem demonstrando a influência desses padrões principalmente na variabilidade da precipitação, temperatura do ar e no comportamento dos jatos de baixos níveis sobre o Brasil e América do Sul (ANDREOLI e KAYANO, 2005; CHIESSI et al. 2009; GARREAUD et al. 2009; JACQUES-COPER e GARREAUD, 2014; JONES e CARVALHO, 2018; KAYANO e SETZER, 2018; LINDEMANN et al. 2019). Desta forma, tendo em vista que a interferência da PDO e da AMO sobre a temperatura do ar e seus extremos (média, mínima e máxima) do Brasil ainda é pouco estudada pela literatura, o objetivo deste trabalho é identificar como a PDO e a AMO podem interferir na variabilidade natural (sem interferência antrópica) da temperatura do ar no Brasil durante o período de inverno austral (Junho, Julho e Agosto - JJA).
2 Metodologia
Os dados mensais de temperatura média, mínima e máxima do ar usados neste estudo são provenientes do Global Meteorological Forcing Dataset for land surface modeling, do Terrestrial Hydrology Research Group, pertencente a Princenton University. Os dados de temperatura iniciam em janeiro de 1901 e se estendem até dezembro de 2012, com 0.5° de resolução. O conjunto de dados é construído combinando dados globais baseados em observação e reanálises. No caso da temperatura do ar, o conjunto gerado é resultado da combinação dos dados do National Centers for Environmental Prediction–National Center for Atmospheric Research (NCEP–NCAR), com os dados do Climatic Research Unit (CRU), que posteriormente são interpolados diretamente com dados observacionais de estações (SHEFFIELD et al. 2006). O produto final fornece um conjunto de dados globalmente consistente e de longo prazo de variáveis meteorológicas próximas à superfície, que podem ser usadas para direcionar modelos hidrológicos para o estudo da variabilidade sazonal e inter-anual e para a avaliação de modelos acoplados (SHEFFIELD et al. 2006; CHANEY et al. 2015).
Os dados dos índices PDO e AMO foram obtidos juntamente ao Earth System Research Laboratory (ESRL) do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA).
Como a intenção é trabalhar com a variabilidade climática natural, ou seja, sem a influência no sistema climático do aumento da concentração de CO2 na atmosfera de forma antrópica, removeu-se a tendência dos conjuntos de dados da temperatura do ar. Além disso, calculou-se a correlação de Pearson (para significância de 90% e 95%) entre os dados de temperatura do ar nas regiões estabelecidas e os índices PDO e AMO.
As correlações foram realizadas para a série completa (1901-2012) e também subdividida em períodos em que a PDO e a AMO se encontram em fases positivas e negativas. Como as correlações foram significativas principalmente durante os períodos em que os modos estavam em fases negativas, foram determinados três períodos: AMONEG1 (1901-1927), AMONEG2 (1964-1996) e PDONEG (1944-1975). Além disso, foram eleitas quatro sub-regiões no Brasil, com a finalidade de aprimorar as análises: sulBR (60° W – 50° W; 35° S – 25° S), centralBR (55° W – 45° W; 20° S – 10° S), norteBR (55° W – 45° W; 10° S – 0°) e boxNorte (60° W – 45° W; 15° S – 5° S). Apesar de algumas sub-regiões escolhidas se sobreporem, foi considerado o critério de escolha de regiões com maiores correlações, visto que estas regiões variam conforme o período e modo de variabilidade em análise.
3 Resultados e Discussão
Conforme mencionado na Metodologia, correlações foram aplicadas entre os modos de variabilidade climática e a temperatura do ar, e desta forma foram identificadas regiões com correlações significativas. Essas regiões foram selecionadas e subdivididas, para uma análise mais detalhada e para diferentes fases dos modos de variabilidade climática (Tabelas 1 e 2). Após a identificação das regiões em que a AMO e a PDO influenciam, foram calculadas as diferenças entre a média da temperatura do ar daquele período em específico (AMONEG1, AMONEG2 e PDONEG) com a média da temperatura do ar durante todo o período (1901-2012), conforme as Figuras 1, 3 e 4, e que serão detalhadas mais a frente.
A correlação entre o índice AMO com os valores de temperatura do ar média, mínima e máxima – Tmed, Tmin e Tmax, respectivamente – para o período de 1901 a 2012, durante o inverno austral, indicam correlações positivas significativas (a 95%) para as regiões sul (sulBR) e norte (norteBR e boxNorte) (Tabela 1). Enquanto isso, a região central do Brasil (centralBR) não indicou correlação entre as temperaturas e a AMO.
Por sua vez, a correlação entre PDO e as temperaturas do ar apresentam correlações significativas a 90% entre PDO e Tmed para as regiões sulBR, centralBR e boxNorte. O padrão observado da correlação entre a PDO e a Tmed é identificado em relação à Tmin, no entanto, a significância com a PDO aumentou para 95% nas regiões centralBR e boxNorte, apenas a região sulBR se manteve em 90%. Por fim, a correlação da PDO com a Tmax da região centralBR indicou significância de 95%, e de 90% para as demais regiões em análise.
Tabela 1 – Correlação entre as áreas selecionadas no Brasil e os índices climáticos (1901-2012)
|
sulBR |
centralBR |
norteBR |
boxNorte |
AMO - Tmed |
0,27** |
0,01 |
0,35** |
0,22** |
AMO - Tmin |
0,23** |
0,03 |
0,35** |
0,22** |
AMO - Tmax |
0,32** |
0,03 |
0,37** |
0,23** |
PDO - Tmed |
0,18* |
0,19* |
0,16 |
0,17* |
PDO - Tmin |
0,17* |
0,21** |
0,14 |
0,23** |
PDO - Tmax |
0,17* |
0,22** |
0,16* |
0,18* |
Valores em negrito com (*) = significância a 90%; valores em negrito com (**) = significância a 95%.
No entanto, ao realizar avaliações em séries longas, determinados padrões podem ser omitidos, portanto, a série original foi dividida em partes – com as fases positiva e negativa dos índices – para realizar a correlação com as temperaturas do ar. Constatou-se que as correlações significativas foram obtidas principalmente durante as fases negativas dos índices e as temperaturas. Desta forma, foram analisadas três séries: AMONEG1 (1901-1927), AMONEG2 (1964-1996) e PDONEG (1944-1975).
Na Figura 1 (assim como nas Figuras 3 e 4) são apresentadas a diferença entre a média da temperatura durante a fase dos períodos (AMONEG1, AMONEG2 e PDONEG) e a média da temperatura da série completa (1901-2012). Desta forma é possível verificar como a temperatura do ar durante o inverno austral se comporta durante o período negativo dos modos de variabilidade em diferentes regiões do Brasil.
De acordo com a Tabela 2 e a Figura 1a (retângulo preto), correlações significativas (90%) são observadas entre a AMONEG1 e a Tmed na região sulBR. Esta é a única região que apresenta correlações significativas durante este período, isso indica que as demais regiões em análise (centralBR, norteBR e boxNorte) não estão associadas à AMO, apesar das anomalias positivas significativas da Tmed. Uma provável causa destas anomalias pode está associada com fatores locais ou outras forçantes que atuam em escala de tempo inferior às analisadas neste estudo.
As anomalias negativas observadas sobre o sulBR podem estar associadas à intensificação dos jatos de baixos níveis, que transportam umidade da região equatorial em direção ao sul do Brasil durante a fase negativa da AMO (JONES e CARVALHO, 2018), condição que contribui para o aumento da nebulosidade na região e, consequentemente, para que as temperaturas do ar fiquem abaixo da média. Tal condição pode favorecer para que a Tmed não tenha valores tão discrepantes, pois o período de AMONEG1 é um dos que apresentam o maior número de eventos El Niño (o outro é o PDONEG, Figura 2). Esta condição é favorável para que ocorra precipitações e nebulosidades acima da média que, consequentemente, colaboram para que a temperatura do ar apresente anomalias negativas.
Tabela 2 – Correlação entre as áreas selecionadas no Brasil e os índices climáticos para diferentes períodos: AMONEG1 (1901-1927), AMONEG2 (1964-1996) e PDONEG (1944-1975)
|
sulBR |
centralBR |
norteBR |
boxNorte |
AMONEG1 - Tmed |
0,36* |
0,13 |
0,08 |
0,12 |
AMONEG1 - Tmin |
0,35* |
0,15 |
0,10 |
0,13 |
AMONEG1 - Tmax |
0,35* |
0,15 |
0,10 |
0,13 |
AMONEG2 - Tmed |
-0,07 |
0,17 |
0,70** |
0,65** |
AMONEG2 - Tmin |
-0,09 |
0,28 |
0,66** |
0,68** |
AMONEG2 - Tmax |
0,00 |
0,20 |
0,69** |
0,67** |
PDONEG - Tmed |
0,39** |
0,38** |
0,44** |
0,46** |
PDONEG - Tmin |
0,32* |
0,37** |
0,43** |
0,48** |
PDONEG - Tmax |
0,42** |
0,38** |
0,43** |
0,42** |
Valores em negrito com (*) = significância a 90%; valores em negrito com (**) = significância a 95%.
As anomalias de Tmax (Figura 1b) e Tmin (Figura 1c) acompanham o comportamento espacial da Tmed, com anomalias positivas predominando na região central do Brasil, com valores variando de 0.1 a 0.5 °C. As principais diferenças da Tmax em relação a Tmed estão localizadas sobre a região nordeste e norte do Amazonas. Por outro lado, sobre parte das regiões Sul as anomalias negativas da Tmax são maiores quando comparadas com a Tmed e Tmin, indicando que durante este período as Tmax podem não ter alcançado valores muito extremos, principalmente sobre a região Oeste dos três estados do Sul do Brasil. Se a Tmax apresenta um padrão com temperaturas abaixo da média para as região Sul, a Tmin indica um comportamento mais atenuado, com anomalias de temperaturas próximas à Tmed.
Figura 1 – Diferenças entre os períodos escolhidos e a média das temperaturas (tendência removida) para o período considerado como a AMONEG1 (1901-1927): a) Tmed, b) Tmax e c) Tmin. Retângulo preto é referente à região sulBR, retângulo verde a centralBR, retângulo vermelho ao norteBR e retângulo azul ao boxNorte. Regiões pontilhadas são significativas a 95%
De acordo com o índice Niño 3.4 obtido através do Physical Sciences Laboratory, no período de 1901 a 1927 ocorreu um predomínio de condições Neutras (44%) no Oceano Pacífico Tropical (Figura 2), seguido por 30% de casos de La Niña e 26% de eventos de El Niño. Com a condição de neutralidade prevalecendo também no Pacífico Norte, associado com a fase negativa da AMO espera-se uma redução ainda maior da nebulosidade sobre a região central do Brasil, enquanto que a região Sul pode apresentar um padrão de aumento de nebulosidade e consequentemente anomalias negativas de temperatura do ar, conforme citado anteriormente.
Figura 2 – Números de eventos de El Niño (EN), La Niña (LN) e Neutro (NEU) durante os períodos AMONEG1 (1901-1927), AMONEG2 (1964-1996) e PDONEG (1944-1975) durante o trimestre JJA
Durante o segundo período de anomalias negativas da AMO (AMONEG2), significativas correlações (95%) são constatadas na região norte do Brasil (norteBR e boxNorte), proporcionando anomalias negativas da temperatura (Figura 3). As correlações significativas que foram observadas na região sulBR durante o período AMONEG1 (Tabela 2) não se fazem presentes, que podem ser justificadas pela alteração de sinal da PDO (passando da fase negativa para positiva) e um maior predomínio de eventos de La Niña e Neutros no oceano Pacífico Tropical (Figura 2).
Ao analisar as variações espaciais, observa-se um amplo predomínio de anomalias negativas sobre o Brasil (Figuras 3a, 3b e 3c), principalmente na região considerada como norteBR. As principais diferenças na Tmax e Tmin, em relação a Tmed, ocorrem na região Norte do Brasil, com a Tmax com um predomínio de anomalias negativas também na região Sudeste do Brasil, enquanto que a Tmin indica uma área menor com anomalias negativas.
Apesar dos dois períodos analisados até o momento serem de anomalias negativas da AMO, as mesmas apresentam resultados distintos, enquanto a AMONEG1 influencia nas temperaturas do sulBR, a AMONEG2 interfere no padrão de temperaturas na região norte do Brasil. Uma possível explicação para este comportamento pode estar associada ao padrão da PDO e do ENOS, pois durante o período da AMONEG1 o oceano Pacífico Tropical apresenta condições neutras de TSM. Ainda de acordo com Vishnu et al. (2017), a PDO indicou períodos quente e frio durante 1900 a 1930, no entanto, essas fases foram muito curtas e fracas, quando comparadas com os períodos seguintes.
Posteriormente, durante a AMONEG2, a PDO está no período de transição de dois períodos com maior intensidade, passando da fase negativa para positiva, além de ocorrer um predomínio da fase negativa (La Niña) do ENOS. De acordo com a Figura 2, 44% dos anos durante o período de 1964 a 1996 sofreram a influência de La Niña durante o trimestre JJA, seguido por 40% de eventos com neutralidade e apenas 16% com eventos de El Niño.
Figura 3 – Assim como a Figura 1, mas para o período considerado como AMONEG2 (1964-1996): a) Tmed, b) Tmax e c) Tmin. Retângulo preto é referente à região sulBR, retângulo verde a centralBR, retângulo vermelho ao norteBR e retângulo azul ao boxNorte. Regiões pontilhadas são significativas a 95%
De acordo com a literatura, as condições de La Niña favorecem para que ocorra uma redução na precipitação sobre o sul do Brasil durante JJA (GRIMM; FERRAZ; GOMES, 1998; SCHOSSLER et al. 2018), consequentemente, também ocorre uma redução da nebulosidade que implicará em Tmin ainda mais baixas (Figura 3c) durante o período de inverno austral. Verifica-se também que a Tmax (Figura 3b) também se mantém abaixo da média durante este intervalo.
O terceiro período de análise compreende o período entre 1944 a 1975, onde ocorre um predomínio da fase negativa da PDO, associado com as condições de neutralidade e de La Niña no oceano Pacífico Tropical (Figura 2). Enquanto o Pacífico Norte e Tropical indicam um predomínio anômalo da TSM, a AMO muda de fase no oceano Atlântico Norte, passando da fase positiva em direção a fase negativa.
A influência da PDO na Tmed do Brasil durante JJA é observado na Figura 4a e Tabela 2, com correlações significativas (95%) nas quatro regiões em análise, com os maiores valores de correlações nas regiões norteBR e boxNorte. De acordo com a Figura 4a ocorre um predomínio de anomalias negativas de Tmed sobre a região central do Brasil, abrangendo parte das regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e sudeste do Norte. Em contrapartida, anomalias positivas de Tmed são verificadas sobre o Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e sudoeste da região Norte. Este mesmo padrão foi observado para as condições de Tmax (Figura 4b) e Tmin (Figura 4c), ressaltando que nas regiões noroeste do Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina as anomalias de Tmax são significantes durante este período.
Segundo Andreoli e Kayano (2005) e Garreaud et al. (2009) alterações no regime climático sobre as regiões sul e norte do Brasil são consistentes com a mudança na polaridade da PDO, mas não podem ser atribuídas exclusivamente à variabilidade da PDO, porque os eventos El Niño se tornaram menos frequentes e intensos durante este período. Este comportamento é verificado na Figura 2, onde os eventos El Niño representam apenas 21% dos casos durante o período de 1944 a 1975, enquanto isso, os eventos de La Niña e Neutro representam 33% e 46%, respectivamente.
Figura 4 – Assim como a Figura 1, mas para o período considerado como PDONEG (1944-1975): a) Tmed, b) Tmax e c) Tmin. Retângulo preto é referente à região sulBR, retângulo verde a centralBR, retângulo vermelho ao norteBR e retângulo azul ao boxNorte. Regiões pontilhadas são significativas a 95%
Ainda de acordo com Andreoli e Kayano (2005) a PDO atua como um modulador de baixa frequência da variabilidade relacionada ao ENOS e atua como uma “interferência construtiva” nas anomalias de chuva durante a La Niña que tendem a ser mais fortes naqueles episódios que ocorreram durante a fase fria da PDO, o que pode justificar as anomalias positivas de Tmed (negativas) sobre a região sulBR (norteBR e boxNorte).
Além dos padrões observados nas regiões Tropical e Norte do oceano Pacífico, que favorecem para que ocorram condições mais secas (úmidas) no sul (norte) do Brasil, justificando as anomalias positivas (negativas) de temperatura do ar, também ocorre uma mudança de fase da AMO, passando da fase positiva para negativa. Lindemann et al. (2019) verificaram a interferência da AMO sobre a temperatura do ar e seus extremos na América do Sul durante o período de verão austral (Dezembro, Janeiro e Fevereiro, DJF). Os autores mostraram que padrões de aumento de nebulosidade na região central do Brasil, em paralelo com a ausência na região sul, são esperados pelo fato que durante a fase positiva da AMO ocorre um aumento da nebulosidade sobre a região correspondente à formação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), além de um deslocamento mais para norte da Zona de Convergência Intertropical, fazendo com que a temperatura do ar fique com menores valores.
Apesar da avaliação de Lindemann et al. (2019) se concentrar durante o verão, os resultados são semelhantes ao presente estudo que analisa o período de inverno, um indicativo de que: i) modos de variabilidade de baixa frequência podem interferir em diferentes períodos e ii) durante a fase positiva da AMO pode ocorrer uma antecipação da ZCAS sobre o Brasil. No entanto, esta é uma análise que está fora do escopo deste trabalho, mas que poderá servir de incentivo para análises futuras.
4 Conclusões
A análise da influência de determinados modos de variabilidade climática sobre o regime climático de uma região requer que distintas análises sejam aplicadas. Ao analisar oscilações de baixa frequência, um conjunto de fatores devem ser considerados. No presente estudo ficou constatado que a AMO e a PDO interferem na temperatura do ar em determinadas regiões do Brasil durante o inverno austral (JJA), para o período de 1901 a 2012, principalmente nas regiões sul e norte do país. Também ficou claro que durante os períodos de anomalias negativas dos índices, a influência é maior sobre a temperatura do ar.
Enquanto o padrão dominante de anomalias negativas (neutra) da AMO (PDO) é estabelecido, a influência ocorre exclusivamente sobre a região Sul do Brasil (sulBR). Por outro lado, quando o padrão de anomalia negativa da PDO é predominante, e a AMO está passando da fase positiva para a negativa, a interferência por sua vez ocorre com maior relevância sobre a região norte do Brasil (norteBR e boxNorte).
Trabalhos futuros sobre o comportamento da circulação atmosférica durante as diferentes fases destes modos de variabilidade climática se fazem necessários, para o entendimento de como tais sinais são transmitidos do Hemisfério Norte até as diferentes regiões do Brasil.
Agradecimentos
Trabalho executado com recursos do projeto nº. 23110.044318/2018-98 do Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES.
Referências
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