Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria v.42, ed. esp.: meteorologia, e5, 2020
DOI:10.5902/2179460X55305
ISSN 2179-460X
Received: 22/09/20 Accepted: 22/09/20 Published: 30/09/20
Previsão de Curto e Curtíssimo Prazo
Estudo numérico e observacional de um evento de diminuição da coluna total de ozônio de origem tropical no Sul do Brasil
Numerical and observational study of an event of decrease in the total ozone column of tropical origin in Southern Brazil
Lissette Guzmán I
Vagner Anabor II
Luiz Angelo Steffenel III
Damaris Kirsch Pinheiro IV
I Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: lissette19901109@gmail.com.
II Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: vanabor@gmail.com.
III Université de Reims Champagne Ardenne, Reims, França. E-mail: luiz-angelo.steffenel@univ-reims.fr.
IV Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: damariskp@gmail.com.
Um evento de diminuição do 11% da coluna total de ozônio sobre o Sul do Brasil foi analisado a partir de dados observacionais e simulações numéricas. Os campos meteorológicos resultantes da simulação, não mostraram a presença dos jatos subtropical ou polar sobre a região de estudo. As sondagem reais e simuladas evidenciaram o ressecamento en altos e baixos níveis troposféricos, apontando a intrusão de ar estratosférico. As reanálises do ERA-5 mostraram a manutenção de uma região baixos valores de coluna total de ozônio em latitudes tropicais e seu avanço sobre a região de estudo, antes e durante o evento de depleção. As retro-trajetórias isentrópicas de parcelas de ar em diferentes níveis, calculada com o Modelo de Trajetória Integrada Híbrida Lagrangiana de Partícula Única (HYSPLIT), confirmaram o transporte zonal com componente da região tropical sobre o sul do Brasil. Foi identificada a combinação de uma região de circulação ciclônica no nível isentrópico estratosférico de 850 K e de uma intensa circulação anticiclônica no nível troposférico de 440 K sobre a região de depleção da coluna total de ozônio, causantes do levantamento da tropopausa e do transporte horizontal de ar rico em ozônio para fora da coluna.
Palavras-chave: Coluna total de ozônio; Intrusão estratosférica; Depleção de ozônio; Transporte tropical.
A depletion event of 11% of the total ozone column over South Brazil was analyzed from observational data and numerical simulations. The meteorological fields resulting from the simulation did not show the presence of subtropical or polar jets over the study region. The real and simulated soundings showed the dryness at high and low tropospheric levels, pointing a stratospheric intrusion. The total ozone column values from ERA-5 reanalyses showed the maintenance of a region with low total ozone values in tropical latitudes and its advance over the study region, before and during the depletion event. The isentropic retro-trajectories of air parcels at different levels, obtained with the Hybrid Single Lagrangian Integrated Trajectory Model (HYSPLIT), confirmed the zonal transport from the tropical region over Southern Brazil. A combination of a cyclonic circulation at the 850 K stratospheric isentropic level and an intense anticyclonic circulation at the 440 K tropospheric level, over the depletion region, was identified as responsible for the tropopause lift and horizontal transport of ozone-rich air out of the column.
Keywords: Total ozone column; Stratospheric intrusion; Ozone depletion; Tropical transport.
1 Introdução
O gás ozônio é produto de reações químicas que acontecem na estratosfera tropical sob a ação da radiação solar ultravioleta (Salby, 1996). Cerca de 90% do conteúdo de ozônio da atmosfera concentra-se na estratosfera, entre 15 e 35 km de altitude (London, 1985), na região conhecida como Camada de Ozônio. Embora a formação do ozônio aconteça fundamentalmente na região tropical, a distribuição global de ozônio, com maiores concentrações nas regiões polares, é consequência da circulação global estratosférica de massa, conhecida como Circulação Brewer-Dobson (M. B. Dobson et al., 1929; W. Brewer, 1949; Stohl et al., 2003). O ar da troposfera entra na estratosfera nos trópicos, move-se em direção ao polo de inverno, voltando à troposfera em latitudes médias e polares, nas denominadas intrusões estratosféricas (Akritidis et al., 2018). As dobras da tropopausa, geralmente vinculadas ao ramo descendente da circulação transversa (na entrada) dos jatos subtropical e polar, são consideradas o mecanismo principal para a ocorrência desses eventos de Troca Estratosfera-Troposfera (TET) (Stohl et al., 2003). Em algumas situações, a intrusão de ar estratosférico na tropopausa é capaz de transportar massas de ar com alto teor de ozônio para o interior da troposfera, incrementando a concentração desse gás, porém, os eventos TET no Hemisfério Sul podem também estar associados à intrusão de massas de ar com baixo conteúdo de ozônio (Oliveira, 2016).
Uma grande destruição do ozônio estratosférico sobre a Antártica durante a primavera austral foi inicialmente observada por Farman et al. (1985). Essa região, com valores da coluna total de ozônio inferiores a 220 UD (Unidades Dobson), o denominado Buraco de Ozônio Antártico (BOA), pode afetar diretamente regiões de latitudes médias como o Sul do Chile e da Argentina, causando abruptas diminuições da coluna total de ozônio (CTO) e um consequente aumento da radiação ultravioleta (UV) que chega à superfície (Guarnieri et al., 2004; Casiccia et al., 2008; Laat et al., 2010). O vórtice estratosférico polar, durante os meses do inverno, atua como uma barreira para o transporte estratosférico de massas de ar, da zona do buraco para fora da região polar. Com a chegada da primavera, o aquecimento devido ao retorno da radiação solar e aumento da atividade de ondas planetárias, fazem o vórtice começar a ficar instável. Com o vórtice polar perturbado e a eventual ruptura do mesmo, massas de ar pobres em ozônio são ejetadas da região polar e podem chegar até latitudes médias, em forma de filamentos (Marchand et al., 2005; Bittencourt et al., 2018; Bresciani et al., 2018; Peres et al., 2019; Orte et al., 2019). Esse fenômeno é conhecido como Efeito Secundário do Buraco de Ozônio Antártico e Kirchhoff et al. (1996) foram os primeiros a observar sua influência sobre o Sul do Brasil.
Ao tempo que uma tendência à recuperação do BOA tem sido observada a partir da diminuição da emissão dos clorofluorcar- bonetos (CFCs) (Solomon et al., 2016; Fu et al., 2019), estudos recentes indicam uma aceleração da circulação Brewer-Dobson em resposta às mudanças climáticas, que ajudaria na recuperação do BOA, porém, diminuiria o tempo de residência do ozônio na região tropical, favorecendo ainda mais a redução da coluna total de ozônio nessa região do globo.
Bittencourt et al. (2018) identificaram 34 eventos de diminuição da coluna total de ozônio sobre São Martinho da Serra (SMS), no sul do Brasil, no período 2006-2016, a partir de dados de reanálises do ERA-Interim, sendo 68 % dos casos identificados aconteceram após a passagem de sistemas frontais e em 91 % dos eventos houve presença da corrente de jato. Os trabalhos desenvolvidos na América do Sul, tem analisado as condições sinóticas e dinâmicas dos eventos de diminuição da CTO com maior interesse nos de origem polar, mas a dinâmica dos eventos de depleção de origem tropical ou a combinação do transporte de massas de ar dessa região tem sido pouco estudada, diferentemente de outras regiões do HS (Semane et al., 2006; Morel et al., 2005).
Uma análise preliminar da coluna total de ozônio, calculada a partir dos dados do ERA-5, mostrou a existência de uma região com valores inferiores de 260 UD (Figura 1), entre os 15o S e 30o S, antes (23-24/08/2016) da depleção de 11 % da CTO sobre o Sul do Brasil, no evento do 25/08/2016 apontada por Bittencourt (2018), abrindo espaço para questionamentos sobre a origem das massas com baixo teor de ozônio causantes da depleção.
Figura 1 – Coluna total de ozônio (UD), das 12Z do 23/08/2016 e das 00Z e 12Z do 24/08/2016
O presente trabalho pretende identificar os mecanismos dinâmicos responsáveis pela diminuição da CTO sobre o Sul do Brasil, no evento do 25/08/2016. Os autores consideram que a partir da modelagem de maior resolução com o modelo WRF (Weather Research and Forecasting) e da análise dos dados observacionais disponíveis, seja possível identificar estruturas dinâmicas de menor escala ou padrões nos escoamentos estratosféricos-troposféricos que levaram à diminuição da CTO, que bem pudera ter uma origem ou aporte da região tropical, com o objetivo de melhorar a previsão desses eventos.
2 Metodologia
A simulação do evento foi realizada com o modelo WRF V.3.9.1.1 (Skamarock et al., 2008), compilado utilizando a opção de coordenada vertical do tipo híbrida. Foi desenhado um domínio de 24 km de resolução horizontal que abrangeu o território da América do Sul e parte dos oceanos Pacífico e Atlântico, e a pressão no topo do modelo foi definida em 10 hPa, estabelecendo 40 níveis verticais. Empregaram-se condições iniciais e de contorno do NCEP FNL (NWS, 2000), com resolução de 1o e atualização das condições de contorno cada 6 h. As parametrizações físicas empregadas na simulação incluíram o esquema de microfísica de Lin (Lin et al., 1983), Yonsei University (Hong et al., 2006) na parametrização de camada limite planetária e parametrização convectiva de Kain–Fritsch (Kain, 2004). A integração do modelo abrangeu um período de 72 h com saídas a cada 3 h, e foi inicializada no dia anterior ao evento (24/08/2016) às 00Z, para evitar a coincidência do tempo de spin-up do modelo com o período de observação do evento.
A partir dos resultados da simulação foram gerados mapas de pressão ao nível médio do mar, altura geopotencial e vorticidade relativa em 500 hPa e linhas de corrente e magnitude do vento em vários níveis troposféricos e estratosféricos. Os campos de vorticidade potencial (VP) em níveis isentrópicos de interesse, foram calculados a partir das saídas das simulações. Foram plotados perfis verticais dos campos meteorológicos, na latitude e longitude de São Martinho da Serra ( 29.5o S, 53.8o O), e foram gerados perfis de sondagens para o ponto de grade mais próximo de SMS, posteriormente comparados com as sondagens reais lançadas na base aérea de Santa Maria (tomadas da Wyoming University, http://weather.uwyo.edu/upperair/sounding.html).
A retro-trajetória (de 96 h anteriores ao evento) das massas de ar em 23, 20 e 17 km de altitude, foi calculada com o modelo HYSPLIT (Stein et al., 2016). Os valores da coluna total de ozônio foram obtidos das reanálises do ERA-5 (Service, 2019), com resolução espacial de 31 km. As imagens de vapor da água realçado, do canal 3 do satélite GOES-13 foram tomadas do CPTEC/DSA (CPTEC/INPE, 2019).
3 Resultados e discussão
Os campos meteorológicos resultantes da simulação do caso de estudo são mostrados nas Figuras 2 e 3. Na Figura 2 foram representadas: linhas de corrente e magnitude do vento em 30 hPa e omega em 50 hPa (contornos de 0.1 Pa/s) (a, b,c), linhas de corrente e magnitude do vento em 50 hPa e omega em 100 hPa (contornos de 0.1 Pa/s) (d,e,f) e linhas de corrente e magnitude do vento em 100 hPa e omega em 200 hPa (contornos de 0.1 Pa/s) (h,i,j), das 00Z e 12Z do 25/08/2016 e das 00Z do 26/08/2016. A representação do escoamento predominante e as magnitudes do vento desses três níveis isobáricos da baixa estratosfera e alta troposfera, associado ao comportamento de omega em níveis inferiores, ilustra a conexão existente entre eles e o escoamento predominantemente anticiclônico sobre a região sul do Brasil, durante todo o evento. A magnitude do vento com característica de jato, ao sul de 45oS, durante todo o dia 25/08/2016 e mais intenso nos níveis de 30 hPa e 50 hPa, fornece evidências sobre a presencia de um jato estratosférico ou vórtice polar, que atua como uma barreira dinâmica para evitar o transporte de massas da região do BOA sobre latitudes médias. No nível de 100 hPa, a interação do escoamento de região tropical com a cordilheira, provocou um aumento dos movimentos subsidentes à sotavento dos Andes, caracterizados por valores positivos de omega em 200 hPa.
Figura 2 – Campos meteorológicos simulados: (a, b,c) linhas de corrente e magnitude do vento em 30 hPa e omega em 50 hPa (contornos de 0.1 Pa/s), (d,e,f) linhas de corrente e magnitude do vento em 50 hPa e omega em 100 hPa (contornos de 0.1 Pa/s) e (h,i,j) linhas de corrente e magnitude do vento em 100 hPa e omega em 200 hPa (contornos de 0.1 Pa/s), das 00Z e 12Z do 25/08/2016 e das 00Z do 26/08/2016
Figura 3 – Campos meteorológicos simulados: (a, b, c) linhas de corrente e jato em 200 hPa e omega em 500 hPa (contornos de 0.1 Pa/s), (d, e, f) vorticidade relativa em 500 hPa e (g, h, i) pressão ao nível médio do mar, das 00Z e 12Z do 25/08/2016 e das 00Z do 26/08/2016
A representação dos campos meteorológicos troposféricos da Figura 3 foi semelhante ao descrito por Bittencourt (2018). No dia 25/08/2016 às 00Z, no nível de 200 hPa (Figura 3 (a)) o jato subtropical encontrava-se sobre o sul da Argentina, sem afetar diretamente a região Sul do Brasil. No nível de 500 hPa (Figura 3 (d)), valores positivos de vorticidade relativa, favoráveis para os movimentos descendentes foram observados sobre a região central do Rio Grande do Sul (RS). Em superfície (Figura 3 (g)), a influência da borda do sistema de alta pressão com centro no oceano, favoreceu o escoamento de região norte. Às 12Z do próprio dia a condição em altos níveis foi semelhante sobre o RS (Figura 3 (b)). Em níveis médios, a região favorável para os movimentos subsidentes deslocou-se para o leste (Figura 3 (e)), ao tempo que em superfície o sistema de alta pressão dominou a condição do tempo (Figura 3 (h)). Uma intensificação e aproximação do jato, assim como o avanço sobre a região de estudo de áreas predominantemente subsidentes em 500 hPa (Figura 3 (c)), foram observados no dia 26.
Figura 4 – Imagens de vapor da água (a, c, e) e coluna total de ozônio (b, d, f), das 00Z e 12Z do 25/08/2016 e das 00Z do 26/08/2016
Nas imagens de vapor da água do GOES 13 da Figura 4 uma região mais ressecada (em preto), indicativa de uma intrusão estratosférica (Akritidis et al., 2018), foi identificada desde o norte do Chile passando pelo norte da Argentina no primeiro tempo analisado (Figura 4 (a)), que depois deslocou-se para leste, afetando o RS no restante do dia 25 (Figuras 4 (c) e 4 (e)). As regiões com menor conteúdo de vapor da água coincidiram com as regiões de cor verde (Figura 4 (b)), com menores valores da coluna total de ozônio (< 260 UD) da região tropical, estendendo-se até latitudes médias sobre o Sul do Brasil e Uruguai. Essas são evidências de que a diminuição da CTO identificada nesse caso de estudo foi acompanhada pela intrusão na troposfera de massas de ar com menor conteúdo de vapor da água e de ozônio, procedentes da região tropical. A inspeção do campo da CTO, especialmente da região do BOA e sua comparação com a posição do jato ou vórtice estratosférico nos níveis de 30 e 50 hPa, reforçam a ideia de que este último limitava o transporte meridional de massas pobres em ozônio, de latitudes altas para latitudes médias e tropicais.
Figura 5 – Sondagens observadas (a, c, e) e simuladas (b, d, f), das 00Z e 12Z do 25/08/2016 e das 00Z do 26/08/2016
As sondagens atmosféricas reais e as resultantes da simulação na Figura 5, presentaram evidências de uma intrusão do ar estratosférico (Akritidis et al., 2018), mostrando a descida da tropopausa dos 250 hPa até 300 hPa, com uma camada mais úmida em níveis médios e um padrão de subsidência próximo dos 850 hPa, marcado pela inversão da temperatura e a diminuição acentuada da temperatura de ponto de orvalho, indicando o forte ressecamento também nessa camada. A comparação das sondagens observadas e simuladas, servem para avaliar positivamente o resultado da simulação numérica e sua boa representação da situação meteorológica estudada.
A análise da vorticidade potencial em níveis isentrópicos revelou uma região com curvatura ciclônica do escoamento na superfície isentrópica de 850 K ao norte e oeste da região de estudo (Figura 6), coincidente com a região pobre em ozônio entre os 15o S e 30o S. Nos níveis de 600 K e 850 K as linhas de corrente indicativas do transporte isentrópico, obtidas da simulação, tiveram origem na região de máximo de coluna total de ozônio das Figuras 3 e 6 (b,d,f), entre 40o S e 50o S, a oeste de 70o O, que em lugar de contribuir com a depleção da coluna, sugere um maior transporte de ozônio do sul para a região de estudo, nesses níveis. No nível de 440 K foi identificada uma intensa circulação anticiclônica com uma confluência do escoamento de origem tropical sobre a região de estudo, nos tempos analisados (Figura 6). Essa combinação de uma anomalia ciclônica estratosférica e uma anomalia anticiclônica troposférica, como discutido por James e Peters (2002), provoca um forte levantamento da tropopausa e o transporte horizontal de ar rico em ozônio para fora da coluna, ajudando a explicar o evento de depleção observado. Essa combinação de sistemas foi identificada por James e Peters (2002) como responsável pela formação de pequenos buracos na camada de ozônio, sobre algumas regiões da Europa.
Figura 6 – Vorticidade potencial (em UVP) em níveis isentrópicos de 850 K (a, b, c), 600 K (d, e, f) e 440 K (g, h, i), das 00Z e 12Z do 25/08/2016 e das 00Z do 26/08/2016
As retro-trajetórias de 96 h (Figura 7) obtidas com o modelo HYSPLIT das massas de ar sobre o Sul do Brasil correspondentes às 06Z, 12Z e 18Z do 25/08/2016, confirmam a hipótese de que durante o evento de depleção aconteceu transporte isentrópico zonal de massas de ar de origem tropical, de parcelas nos níveis de 17, 20 e 23 km de altitude (correspondente aos níveis isobáricos de 30, 50 e 90 hPa, aproximadamente).
Figura 7 – Retro-trajetória de 96 h obtida com o modelo HYSPLIT das massas de ar sobre o Sul do Brasil correspondentes às 06Z, 12Z e 18Z do 25/08/2016
Com o objetivo de analisar a conexão entre esse nível estratosférico e a camada troposférica, foram realizados cortes meridionais dos perfis verticais na localização do observatório de SMS a partir do resultado da simulação. Na Figura 8 as linhas na cor azul representam os níveis isobáricos, as brancas os níveis isentrópicos e, em preto, as linhas de corrente (considerando apenas as componentes meridional e vertical do vento e omega multiplicada por 100). A cor rosa representa a camada troposférica e as cores amarela e roxo, a camada estratosférica, considerando critério de tropopausa dinâmica como a superfície de -2 UVP (Holton et al., 1995). Os contornos em vermelho representam as magnitudes do vento com característica de jato.
Figura 8 – Perfil vertical longitudinal em 54 O, resultante da simulação com o modelo WRF: linhas de corrente, magnitude do vento e tropopausa dinâmica, das 00Z e 12Z do 25/08/2016 e das 00Z do 26/08/2016. O ponto preto representa a latitude de SMS
Os perfil longitudinal representado na Figura 8 e sua evolução durante o período de estudo, reforçam algumas das características antes mencionadas, como a existência do intenso jato estratosférico ao sul de 40o S em conexão com o jato troposférico, com núcleo máximo no nível de 250 hPa. As inflexões da tropopausa dinâmica (sinalizada pela superfície de -2 UVP) acompanharam a posição da corrente de descida da circulação transversa do jato troposférico (ao sul do núcleo). A evolução da altura da tropopausa dinâmica sobre SMS no período estudado, resulta coerente com o mecanismo proposto neste estudo, como responsável pela diminuição da CTO no dia, especialmente às 12Z, quando uma intrusão troposférica (ascenso da tropopausa dinâmica) foi observada no nível de 100 hPa, favorecida pela intensa circulação anticiclônica nesse nível, próximo da região de estudo.
4 Conclusões
Os mecanismos dinâmicos responsáveis pela diminuição da coluna total de ozônio sobre o Sul do Brasil no dia 25 de agosto de 2016, foram identificados e analisados a partir de dados observacionais e de uma simulação numérica com o modelo WRF. Os dados de reanálise da CTO do ERA-5 mostraram a manutenção de uma região baixos valores de CTO em latitudes tropicais ao noroeste e seu avanço sobre a região de estudo, antes e durante o evento de depleção. As retro-trajetórias isentrópicas de parcelas de ar em diferentes níveis da alta troposfera e baixa estratosfera, calculada com o modelo HYSPLIT, confirmaram o transporte zonal com componente da região tropical, confirmando a influência tropical sobre evento de depleção do ozônio no centro do RS. Na análise dos campos meteorológicos troposféricos as linhas de corrente confirmaram o transporte de latitudes tropicais para a região de estudo e não foi identificada a influência dos jatos troposféricos subtropical ou polar, diretamente sobre a região de estudo. O jato estratosférico polar em conexão com o jato troposférico subtropical encontrava-se ao sul da região de estudo, agindo como uma barreira, limitando o transporte meridional de origem polar sobre a região de estudo, como mostrado nos perfis meridionais. A inspeção dos níveis isobáricos da alta estratosfera e baixa estratosfera mostrou uma intensa circulação anticiclônica sobre a região de depleção de ozônio. A análise da vorticidade potencial em níveis isentrópicos estratosféricos revelou a combinação de uma região de circulação ciclônica no nível isentrópico estratosférico de 850 K e de uma intensa circulação anticiclônica no nível troposférico de 440 K sobre a região de depleção da CTO, causantes do levantamento da tropopausa e do transporte horizontal de ar rico em ozônio para fora da coluna. Esses mecanismos dinâmicos, conjuntamente com a manutenção do transporte na alta troposfera e baixa estratosfera, de massas parcelas de ar desde regiões tropicais com baixos valores de CTO, favoreceram a diminuição da CTO na região de SMS.
Agradecimentos
Agradecemos à CAPES (processo no. 88882.428269/2019-01) e CAPES/COFECUB (processo no. 88887.145982/2017-00) pelo financiamento desta pesquisa.
Referências
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