Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e41, 2020
DOI:10.5902/2179460X55229
ISSN 2179-460X
Received: 16/09/20 Accepted: 16/09/20 Published: 16/09/20
Special Edition
Análise do colapso da turbulência em um canal fechado com condições transientes de temperatura superficial
Analysis of the turbulence collapse in a closed channel with surface transient temperature conditions
Luis Fernando Camponogara I
Cristhian HilbertoKirinus II
Danilo Nogueira Lemes Junior III
Felipe Pereira Lamaizon IV
Maicon Fonseca Andrades V
Felipe DenardinCosta VI
I Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: lfcamponogara@gmail.com.
II Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: cristhiankirinus@hotmail.com.
III Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: danilo.nogueira.lemes@gmail.com.
IV Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: felipelamaizon@gmail.com.
V Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: maicon.andrades@gmail.com.
VI Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: fdenardin@unipampa.edu.br.
O escoamento na Camada limite atmosférica noturna, durante o regime de escoamento muito estável da camada limite (VSBL), é particularmente complexo devido à supressão quase que completa da turbulência do escoamento e seu ressurgimento na forma de “explosões” intermitentes de turbulência. A ocorrência de intermitência no escoamento na camada limite estável (CLE) pode estar associado a fenômenos externos ao escoamento, como jatos de baixos níveis e fenômenos ondulatórios. Entretanto, trabalhos recentes sugerem que a intermitência pode ser um modo natural do regime da VSBL, quando o escoamento está laminarizando. Assim, o presente trabalho tem como objetivo simular uma situação de aumento contínuo da estratificação do escoamento, através da redução contínua da temperatura superficial do escoamento em um canal fechado. As simulações numéricas foram realizadas utilizando simulações de grandes turbilhões (LES), com o software livre de fluidodinâmica computacional OpenFOAM. Os resultados indicam que a medida que o gradiente de temperatura aumenta, entre a superfície e o topo do domínio vertical, a turbulência na camada limite junto à superfície é reduzida e um jato é gerado no escoamento. Ademais, a medida que a temperatura superficial decresce eventos intermitentes surgem no escoamento.
Palavras-chave: CFD; Intermitência; LES; Turbulência.
NumericalFlow at the nocturnal atmospheric boundary layer, during the very stable flow regime (VSBL), is complex due to the almost complete suppression of the flow turbulence and its resurgence in the form of intermittent bursts of turbulence. The occurrence of intermittent flow in the stable boundary layer (SBL) may be associated with external flow phenomena such as low-level jets and wave phenomena. However, recent work suggests that intermittency may be a natural mode of VSBL, regimen when the flow is laminarizing. Thus, the present work aims to simulate a situation of the continuous increase of the stratification of the flow by continuously reducing the surface temperature of the flow in a closed channel. Numerical simulations were performed using large eddy simulation (LES), with a free software of computational fluid dynamics OpenFOAM. The results indicate that as the temperature gradient increases between the surface and the top of the vertical domain, the boundary layer turbulence near the surface is reduced and a jet is generated in the flow. In addition, as surface temperature decreases, intermittent events arise in the runoff.
Keywords: CFD; Intermittency; LES; Turbulence.
1 Introdução
Os escoamentos podem ser classificados em turbulentos, laminares e de transição, porém quando tratamos de escoamentos atmosféricos esses são classificados majoritariamente como turbulentos (STULL, 1988). O escoamento na Camada limite atmosférica noturna, por sua vez pode ser classificado em regimes de escoamento muito estável (VSBL, do inglês very stable boundary layer) e fracamente estável (SBL, do inglês stable boundary layer). O regime VSBL é particularmente complexo devido à supressão quase que completa da turbulência do escoamento e seu ressurgimento na forma de “explosões” o que é chamado de intermitencia global (MAHRT; VICKERS, 2006; SUN et al., 2012; WIEL; MOENE; JONKER, 2012; ACEVEDO et al., 2016).
A ocorrência da intermitência de escoamento dentro da camada limite estável (CLE) pode estar associado a fenômenos externos ao escoamento, como por exemplo jatos de baixos níveis e fenômenos ondulatórios (KANG; BELUŠIC; SMITH-MILES, 2015). Entretanto, alguns trabalhos recentes trazem a hipótese de que a intermitência pode ser um modo natural do regime da VSBL, quando o escoamento encontra-se laminarizando (ACEVEDO; COSTA; DEGRAZIA, 2012).
Recentemente muitos estudos vêm sendo realizados na tentativa de reproduzir os fenômenos observados na CLE através de modelos numéricos, como por exemplo (OHYA; NAKAMURA; UCHIDA, 2008; WIEL et al., 2012; HE; BASU, 2015; DONDA et al., 2015). O presente trabalho tem como objetivo realizar uma simulação numérica de um canal fechado sobre o aumento contínuo da estratificação do escoamento. A estratificação se deu devido a redução da temperatura da superfície inferior do domínio. Com o aumento continuo de estratificação busca-se mapear o que ocorre na transição do escoamento.
2 Metodologia
Para a confecção do presente artigo, foi utilizado como fluido o ar atmosférico em uma temperatura de 300 K. Conforme dito por White (2010), pode ser também considerado como incompressível se a sua velocidade não ultrapassar o valor de 0,3 Ma. Para realizar-se o estudo foi adotada a velocidade de 1,5 m s-1, a mesma é menor que 0,3 Ma. Sucedendo assim, as propriedades termo-físicas do fluido podem ser classificadas como incompressíveis, conforme listado na tabela 1.
Tabela 1 – Propriedades termo-fisicas do ar atmosférico a 300 K
[K] |
[kg m-3] |
[kJ kg-1 ºC-1] |
[kg m-1 s-1] |
[m² s-1] |
[W m-1 ºC-1] |
[m² s-1] |
|
300 |
1,1774 |
1,0057 |
1,8462 |
15,69 |
0,02624 |
0,2216 |
0,708 |
Onde, é a temperatura, a densidade do fluido, o calor específico a pressão constante, a viscosidade dinâmica, a viscosidade cinemática, a condutividade térmica, a difusividade térmica e o número de Prandtl.
Para a realização do estudo, utilizou-se o software CFD (do inglês, Computational Fluid Dynamics) OpenFOAM. O OpenFOAM possui seu código aberto, além de um conjunto de ferramentas de pré e pós processamento. Para a elaboração do trabalho foi utilizado o solver buoyantPimpleFoam o qual é adequado para resolver problemas de escoamentos compressíveis, transientes, turbulentos e com transferência de calor. O solver resolve as equações de conservação da massa (equação (1)), conservação de momento (equação (2)) e conservação de energia (equação (3)) através do método dos volumes finitos e o método numérico adotado para realizar a integração das equações no tempo foi o backward de segunda ordem.
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(1) |
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(2) |
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(3) |
Onde é o campo de velocidade, é densidade, pressão estática, aceleração da gravidade, é a soma da viscosidade molecular e turbulenta e o é o tensor taxa de deformação definido pela equação 4.
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(4) |
A implementação das equações foi realizada através do algoritmo PIMPLE, o qual é uma combinação entre os algoritmos PISO (Pressure Implicit with Splitting of Operators) e SIMPLE (Semi- Implicit Method for Pressure Linked Equations). Uma das vantagens em se utilizar o Algoritmo PIMPLE, segundo Holzmann (2016) é que o mesmo permite a estabilidade da solução numérica mesmo com elevados números de Courant () (equação (5)). Porém como critério de segurança optou-se por utilizar um e para que essa condição fosse satisfeita o passo de tempo passou a ser ajustável ao longo da simulação.
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(5) |
O domínio computacional (Figura 1) possui 2,5 m1 m1 m, sendo essas distâncias expressas em (x, y, z), respectivamente. A malha apresenta 62 divisões na direção do escoamento 50 divisões na direção vertical ao escoamento 25 divisões na direção transversal ao escoamento.
Figura 1 – Domínio computacional utilizado na simulação
O modelo de turbulência adotado foi o LES (do inglês, large eddy simulation). Esse modelo calcula os grandes turbilhões e modela os pequenos através de um filtro de sub-grade (SSG, do inglês sub-grid scale). Os turbilhões passam a ser considerados pequenos quando os mesmo possuem a mesma dimensão da malha. O modelo SSG adotado é o oneEqEddy, o qual usa uma equação de equilíbrio para modelar a energia cinética turbulenta da SGS. Segundo Penttinen, Yasari e Nilsson (2011), a viscosidade do turbilhão é modelada de maneira similar ao modelo de Smagorinsky, mas nesse modelo é adicionada uma equação de transporte para a energia cinética turbulenta da SGS, equação (6).
(6) |
Onde o primeiro termo do lado esquerdo, descreve a mudança da energia cinética turbulenta em relação ao tempo dentro da SGS, o segundo termo do lado esquerdo, descreve convecção e o terceiro a difusão, o primeiro termo do lado direito, representa o decaimento e é calculado segundo a Eq. (7), enquanto o segundo termo do lado direito, corresponde a dissipação da turbulência.
(7) |
As condições de contorno adotadas para a simulação foi a de não escorregamento nas paredes superior e inferior e cíclica nas laterais além da entrada e saída. A simulação decorreu por 7200 s com a temperatura constante e igual a 300 K, após esse período inicial de 2h observou-se que a turbulência encontrava-se completamente desenvolvida e aplicou-se uma função (equação (8)) de decaimento da temperatura da superfície inferior. Para aplicar essa função utilizou-se um repositório do OpenFOAM chamado swka4Foam, também conhecido como "canivete Suíço". Após aplicar essa função a simulação transcorreu por mais 9h e 30min obtendo um total 41400 s. Os dados de temperatura, velocidade do vento nas três componentes e TKE foram coletadas no centro do domínio e as alturas foram variadas em 30 níveis diferentes, sendo esses variados de 0,02 em 0,02 m até 0,5 m e depois de 0,1 em 0,1 até 0,9 m e o ultimo ponto estando a 0,95 m.
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(8) |
Onde é a temperatura na superfície e t é o tempo da simulação em s. Através da equação (8) a temperatura decai a uma taxa constante de 1 K a cada 1800 s.
3 Resultados e Discussão
Após o término da simulação, analisaram-se as séries temporais, porque elas mostram o comportamento do fluído ao longo do tempo. Na Figura 2, é possível observar a série temporal da velocidade na direção do escoamento (), para os níveis: 0,02 (em preto), 0,04 (em vermelho), 0,06 (em verde), 0,1 (em azul) e 0,26 m (em azul claro), sendo essas distancias a partir da superfície inferior.
Consta-se que após a linha cinza (quando iniciou o resfriamento), houve uma redução nas flutuações. Note também que após esse período os fenômenos de intermitência surgiram no escoamento, observa-se ainda um decaimento de forma abrupta nas flutuações da velocidade. Esse fenômeno coincide com o período de formação de um jato de baixo nível 18000 s, nesse mesmo período observa-se que há um desacoplamento nas camadas do fluído mais próximas a superfície. Acevedo, Costa e Degrazia (2012) mostram que a transição dos escoamentos se da de forma abrupta.
Após a análise da série temporal, foi analisado o perfil médio de velocidade na direção do escoamento (Figura 3). Todos os perfis foram realizados com médias de 1h, com exceção do perfil com 6h e 2 min, o qual ocorre na metade da formação do jato (linha azul clara). Observa-se que a formação do jato se da de forma repentina, ou seja, com pouca variação temporal. A partir desse perfil é possível observar que o jato atinge a sua velocidade máxima na altura de 0,26 m e que a partir de 0,36 m o escoamento passa a possuir os seus níveis acoplados. Dentro do jato a turbulência é gerada unicamente pelos forçantes mecânicos.
Figura 2 – Serie temporal da velocidade na direção do escoamento
O comportamento da camada limite pode ser observado no perfil médio de temperatura normalizado (Figura 4). O perfil de temperatura foi normalizado pela temperatura da superfície () a qual variava com função de decaimento e a temperatura do topo () que foi mantida constante e igual a 300 K. Observa-se que a partir da formação do jato (6h e 2min), que ocorre devido à turbulência nos níveis mais baixos ser suprimida pela estratificação, o ar frio que antes era transportado para os níveis mais altos do domínio fica restrito à parte inferior do domínio, dando origem à uma camada limite muito estável (Figura 4).
O perfil vertical do fluxo turbulento de momentum (Figura 5) indica que conforme é aumentado o gradiente de temperatura menor será o seu valor. O valor do fluxo negativo para o fluido turbulento indica que as velocidades encontram-se mais altas nos níveis superiores do que nos inferiores. Além disso, ele representa que há formação de turbulência através das forças cisalhantes. Outra maneira de determinar algumas características da turbulência é através de espectros de energia. O espectro que será analisado nesse estudo é a transformada de Hilbert-Huang (HHT). Observando a HHT (Fig. 6), em vermelho o subintervalo inerciais, em verde escuro o filtro de subgrade. Dentro do sub intervalo inercial observa-se que a simulação obedece à escala Kolmogorov , linha azul.
Figura 3 – Perfis médios da velocidade na direção do escoamento adimensionalizados pela velocidade máxima no jato
Figura 4 – Perfis médios de temperatura adimensionalizados
4 Conclusão
A análise dos resultados mostrou que inicialmente (antes dos 7200 s) os níveis estavam acoplados pela presença da turbulência, e após o inicio do resfriamento houve uma redução do forçante térmico ocasionando uma redução na turbulência. Após os 18000 s observou um decaimento abrupto da turbulência gerando assim um jato de baixo nível.
Cabe-se ressaltar ainda que mesmo pelas limitações enfrentadas pela simulação em LES, os resultados que foram obtidos reproduzem de forma coerente o colapso da turbulência. O presente trabalho se encontra em fase de desenvolvimento e para trabalhos futuros se pretende acrescentar o perfil de uma camada de Ekman, em um escoamento em canal aberto, simulando uma situação mais próxima do escoamento na camada limite atmosférica. Além disso, situações de escoamentos estratificados sobre terrenos complexos também serão consideradas.
Figura 5 – Fluxo de momento
Figura 6 – Espectro de Hilbert-Huang para a velocidade a 0,26 m da superfície inferior
Agradecimentos
Os autores agradecem às agências CAPES (Coordenação de Pessoal de Nível Superior), ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) (FDC Auxílio n◦ 313022/2018−6) e à Universidade Federal do Pampa pelo suporte financeiro. As simulações numéricas foram realizadas no cluster computacional adquirido com recursos do Edital 02/2014 - PqG (Edital Pesquisador Gaúcho) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e no Servidor computacional adquirido com recursos do Edital Universal-CNPq 01/2016 (Processo n◦ 426409/2016−7).
Referências
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ACEVEDO, O. C.; MAHRT, L.; PUHALES, F. S.; COSTA, F. D.; MEDEIROS, L. E.; DEGRAZIA, G. A. Contrasting structures between the decoupled and coupled states of the stable boundary layer. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, Wiley Online Library, v. 142, n. 695, p. 693–702, 2016.
DONDA, J.; HOOIJDONK, I. V.; MOENE, A.; JONKER, H.; HEIJST, G. van; CLERCX, H.; WIEL, B. van de. Collapse of turbulence in stably stratified channel flow: a transient phenomenon. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, Wiley Online Library, v. 141, n. 691, p. 2137–2147, 2015.
HE, P.; BASU, S. Direct numerical simulation of intermittent turbulence under stably stratified conditions. Nonlinear Processes in Geophysics, Copernicus GmbH, v. 22, n. 4, p. 447–471, 2015.
HOLZMANN, T. Mathematics, numerics, derivations and OpenFOAM®. Loeben, Germany: Holzmann CFD, 2016. Disponível em: https://holzmann-cfd. Acesso em: 29 nov. 2017
KANG, Y.; BELUŠIC, D.; SMITH-MILES, K. Classes of structures in the stable atmospheric boundary layer. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, Wiley Online Library, v. 141, n. 691, p. 2057–2069, 2015.
MAHRT, L.; VICKERS, D. Extremely weak mixing in stable conditions. Boundary-layer meteorology, Springer, v. 119, n. 1, p. 19–39, 2006.
OHYA, Y.; NAKAMURA, R.; UCHIDA, T. Intermittent bursting of turbulence in a stable boundary layer with low-level jet. Boundary-layer meteorology, Springer, v. 126, n. 3, p. 349–363, 2008.
PENTTINEN, O.; YASARI, E.; NILSSON, H. A pimplefoam tutorial for channel flow, with respect to different les models. Practice Periodical on Structural Design and Construction, v. 23, n. 2, p. 1–23, 2011.
STULL, R. B. An introduction to boundary layer meteorology. [S.l.]: Springer, 1988. v. 13.
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