Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e30, 2020
DOI:10.5902/2179460X53151
ISSN 2179-460X
Received: 13/08/20 Accepted: 13/08/20 Published: 28/08/20
Special Edition
Análise de mapas de recursos eólicos gerados por diferentes ferramentas numéricas para um terreno complexo
Analysis of maps of wind resources generated by different numerical tools for a complex terrain
Adaiana Francisca Gomes da Silva I
Cláudia Regina de Andrade II
Edson Luiz Zaparoli III
I Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, São José dos Campos, SP, Brasil. E-mail: adaiana@ifsp.edu.br.
II Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, SP, Brasil. E-mail: claudia@ita.br.
III Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, SP, Brasil. E-mail: claudia@ita.br.
O objetivo deste trabalho é comparar a caracterização dos ventos de escala local por diferentes técnicas de modelagem numérica da atmosfera. Foram comparados quatro métodos para simular o escoamento sobre um terreno complexo, sejam: CFD RANS com k-ε e k-ω (WindSim), simples conservação de massa (WindMap) e um modelo de mesoescala refinado (SiteWind). Estas são ferramentas frequentemente utilizadas na indústria do vento, e por este motivo foram selecionadas. Neste terreno, foram utilizados dados medidos em cinco mastros meteorológicos ao longo de períodos que compreenderam entre 1,5 a 2 anos. Para garantir uma análise livre de tendências, configurações equivalentes foram usadas nos modelos de microescala, sob as condições de regime permanente, escoamento incompressível e estratificação neutra da atmosfera. Diferenças não desprezíveis foram encontradas na distribuição espacial dos ventos simulados pelos diferentes modelos. Qualitativamente, esta discordância dificulta a tomada de decisões. Os cinco mastros meteorológicos dentro da área considerada são importantes para o ajuste e checagem dos modelos, mas não são suficientes para afirmar categoricamente a superioridade de acurácia de um modelo em detrimento dos demais. Entretanto, estas observações forneceram um indicativo de que o modelo de mesoescala refinado foi capaz de melhor representar a aceleração do vento na região de estudo.
Palavras-chave: Energia eólica; Modelos de escoamento atmosférico; Modelos de micro e mesoescala.
The objective of the present work is to compare the characterization of the local scale winds through different techniques of numerical modeling of the atmosphere. We compared four numerical methods to simulate the flow over a complex terrain, namely: CFD RANS with k-ε and k-ω (WindSim), simple mass conserving (WindMap), and refined mesoscale (SiteWind). The mentioned tools are very frequently utilized in the wind industry, and for this reason they have been selected. In this terrain, we had data availability from five meteorological masts during measurement periods that comprised 1.5 to 2 years. To ensure a free tendency analysis, equivalent settings have been used in the microscale models, with steady state, incompressible flow and neutrally stratified atmosphere conditions. Non-negligible differences are found on the spatial distribution of the winds simulated by the different models. Qualitatively, this disagreement hampers the decision-making. The five meteorological masts inside the area are important for adjusting and for checking the model, but they are not enough to categorically claim the superiority of accuracy of one model over the others. Nonetheless, these measurements provide us an indicative that the refined mesoscale model was able to better represent the wind acceleration in the studied region.
Keywords: Wind energy; Wind flow models; Micro and mesoscale models.
1 Introdução
A crescente demanda por geração de energia elétrica e a busca pelo aproveitamento de fontes limpas para tal, diante da limitação dos recursos hídricos, fazem com que os recursos renováveis sejam objeto de pesquisa cada vez mais relevante. Citam-se o vento, o Sol, a biomassa, as ondas, dentre outros. O vento, especificamente, é o objeto de estudo deste trabalho.
O mapeamento do vento é de máxima importância em várias aplicações da energia eólica devido à sua disponibilidade irregular, tanto espacial quanto sazonalmente (KUMAR et al., 2016). Para justificar o investimento da construção de novos parques eólicos e garantir alta produtividade, estes devem ser instalados em locais de alto potencial eólico, ou seja, que apresentem ventos fortes e persistentes. A escolha de um local inadequado pode refletir diretamente na rentabilidade do projeto e fracasso do investimento. Por isso, é essencial determinar onde estão os recursos abundantes, entender suas características e verificar sua qualidade.
Dentro da camada-limite superficial, abaixo da qual encontra-se o topo dos aerogeradores, os ventos sofrem influência das condições topográficas locais: relevo, rugosidade e obstáculos (PETERSEN et al., 1998). Esta é a camada de maior mistura vertical das variáveis atmosféricas e, por consequência, também mais turbulenta. Por isso, antes de um parque entrar em operação propriamente, existe um longo processo de desenvolvimento de seu projeto que se inicia com alguns anos de antecedência. A última etapa do projeto consiste no mapeamento em alta resolução da distribuição local dos ventos (influenciados pela topografia) e no processo de micrositing, quando pode-se prever a produção anual de energia através da adequação das turbinas eólicas às circunstâncias da região. Porém, geralmente requer grande parte do tempo do desenvolvimento do projeto, sendo um dos desafios atuais encontrar formas de reduzir este tempo sem comprometer a qualidade dos resultados. Esta é a motivação do presente estudo.
Atualmente, a modelagem numérica é a principal ferramenta utilizada para o estudo do escoamento local. Uma vez que a atmosfera contém movimentos em escalas que variam desde aproximadamente 1 mm até milhares de quilômetros, os modelos são construídos de formas distintas para representar os sistemas nas suas diferentes escalas (PETERSEN et al., 1998; MURTHY e RAHI, 2017). Isto tem sido facilitado pelos avanços no desenvolvimento da modelagem numérica e dos próprios computadores. Contudo, várias hipóteses precisam ser assumidas devido à complexa natureza não-linear das equações, que podem ser simplificadas de acordo com o problema a ser representado. Frequentemente, há um compromisso entre tempo e custo computacional, e entre física e complexidade de geometria. Em muitos casos, tratamentos em regime permanente são adequados para resolver o escoamento em média temporal e estimar estatísticas de turbulência. Diferentes abordagens numéricas têm sido empregadas, como modelos linearizados (incluindo conservação de massa) e CFD (Computational Fluid Dynamics). Este último pode apresentar diferentes classificações como RANS (Reynolds Averaged Navier-Stokes) e LES (Large Eddy Simulation), de acordo com a modelagem da turbulência. Na indústria do vento, modelos de microescala têm sido cada vez mais utilizados para resolver escoamento estacionário e obter mapas tridimensionais dos recursos eólicos (AYOTTE, 2008; RASOULI e HANGAN, 2013; ALBANI e IBRAHIM, 2014; CASTELLANI et al., 2015; DHUNNY et al., 2017).
É crescente o número de parques eólicos construídos em regiões montanhosas, e as ferramentas atuais ainda tendem a ser falhas na simulação de terrenos complexos. Modelos não são uma representação fidedigna do problema real e, inevitavelmente, as incertezas estão presentes em todos os resultados, em função das hipóteses e/ou simplificações empregadas. Devido à sua simplicidade, modelos de conservação de massa são geralmente indicados para simulação do escoamento sobre terrenos de relevo suave. Nestas condições, modelos linearizados têm se mostrado tão capazes quanto os outros de reproduzir os campos de vento em camadas-limites atmosféricas neutras, apesar de seu baixo custo computacional (AYOTTE, 2008; GASSET et al., 2012). Por outro lado, modelos dinâmicos como CFD, tanto em micro quanto em mesoescala, são geralmente tratados como adequados para mapear o vento em terrenos complexos devido ao seu maior detalhamento e captura dos efeitos não-lineares induzidos pela topografia no escoamento (BITSUAMLAK et al., 2004; BECHMANN et al., 2011; RASOULI e HANGAN, 2013; DHUNNY et al., 2017). Contudo, apesar de, na maioria dos casos, os códigos CFD apresentarem melhores resultados do que os modelos simplificados, isto não é na totalidade.
1.1 Motivação e Objetivos
A motivação do presente trabalho está no crescente desenvolvimento do setor de energia eólica, particularmente no Brasil, e na necessidade de se obter estimativas acuradas em projetos de parques eólicos, especialmente em regiões de topografia complexa.
Como objetivo geral, pretende-se avaliar diferentes ferramentas de projetos de parques eólicos, comparando os mapas de recursos eólicos gerados pelos diferentes métodos numéricos. Foram utilizadas duas ferramentas específicas: o software comercial WindSim, cuja plataforma se baseia no código Phoenics (CFD); e o software OpenWind, o qual inclui o modelo WindMap e pode também importar mapas de vento obtidos com outros modelos de circulação atmosférica. Os objetivos específicos são:
• Comparar os resultados obtidos por modelos que empregam diferentes abordagens: (i) CFD RANS, (ii) conservação de massa e (iii) modelagem de mesoescala posteriormente refinado por conservação de massa;
• Investigar o comportamento destes modelos em um terreno de topografia bastante complexa e distinta, localizado no Estado da Bahia.
2 Formulação matemática
Uma breve descrição das metodologias numéricas empregadas pelos modelos de escoamento utilizados neste estudo é apresentada a seguir. Um equacionamento mais aprofundado pode ser encontrado em Silva (2017).
2.1 Modelos de conservação de massa
Os modelos do tipo conservação de massa resolvem somente uma das equações físicas do movimento para simular o escoamento de vento tridimensional dependente do terreno: a equação da continuidade (Equação 1). Estes modelos não incluem equações dinâmicas, ou seja, não calculam a aceleração do movimento e, logo, não consideram a evolução da camada-limite planetária. A ideia é simplesmente alcançar um campo de velocidades livre de divergências, partindo de observações diretas.
|
O procedimento numérico é baseado em uma solução inicial obtida por extrapolação de observações de vento tomadas em um ou mais pontos dentro do domínio de simulação a todos os pontos de grade, gerando um campo de vento inicial (“first guess”, U0). Neste procedimento, a medida próxima à superfície é extrapolada verticalmente até o topo da camada-limite para definir a velocidade àquela altura, assumindo um perfil aproximado pela lei da potência. Não existe uma estrutura vertical da malha computacional. Em seguida, a velocidade de fricção u*, definida na lei logarítmica, é calculada em todos os demais pontos de grade do domínio, considerando que a velocidade calculada anteriormente é constante em todos os pontos, obedecendo à aproximação do vento geostrófico. Tendo-se as novas velocidades de fricção, a velocidade do vento próximo à superfície pode então ser estimada em todo o domínio utilizando-se a lei da potência novamente.
No próximo passo, U0 é alterado de acordo com as interferências causadas pelos obstáculos do terreno local, resultando no campo de vento ajustado U, o qual é forçado a ser livre de divergências e a satisfazer o princípio físico da conservação da massa.
A diferença entre U e U0 deve ser tão pequena quanto possível, desde que U obedeça à conservação da massa. (SHERMAN, 1978; BENGTSSON, 2015)
A ferramenta WindMap, neste trabalho utilizada através da interface do software OpenWind, desenvolvido pela AWS Truepower, é baseada no código de análise objetiva NOABL (Numerical Objective Analysis of Boundary Layer), desenvolvido no Reino Unido no final da década de 70, e posteriormente aperfeiçoado para levar em conta o crescimento de uma camada-limite interna devido a mudanças abruptas na rugosidade superficial (BROWER, 1999).
2.2 Modelos CFD
CFD consiste na solução numérica de equações diferenciais parciais (EDP’s) não lineares que representam um campo de escoamento físico. Através de um esquema de discretização, o domínio de solução contínuo é transformado em um problema discreto com um número finito de pontos nodais. As EDP’s são então integradas sobre a grade computacional e transformadas em um sistema de equações algébricas, que são resolvidas iterativamente até que uma solução convergente seja obtida de acordo com critérios pré-estabelecidos (VERSTEEG e MALALASEKERA, 2007).
Nas simulações de CFD, as equações que expressam os princípios físicos de conservação de massa, quantidade de movimento (equação de Navier-Stokes) e energia podem ser resolvidas para simular as características do campo de vento (velocidade, pressão e temperatura). Estes modelos geram um campo de vento básico considerando apenas as perturbações do terreno local e condições de contorno padrões na entrada do domínio. Desta forma, os resultados CFD precisam ser posteriormente ajustados a medidas tomadas dentro da região considerada. Isto é feito obedecendo aos speed-up’s estimados no campo de vento básico, transferindo o vento medido em um ou mais mastros por ponderação (interpolação) com o inverso das distâncias para qualquer outra posição dentro do domínio.
Códigos de CFD RANS tiveram um extensivo desenvolvimento nas décadas de 70 e 80, e são considerados por alguns autores como a mais promissora ferramenta científica de simulação computacional, e até mesmo o estado-da-arte em modelagem do escoamento (BECHMANN et al., 2011). Neste trabalho, os cálculos foram realizados através da ferramenta comercial WindSim, versão 7.0. Desenvolvido na Noruega na década de 90 e baseado no código de CFD Phoenics (CHAM), consiste em um pacote de ferramentas de projeto, como micrositing e otimização de configuração do parque. O escoamento médio é resolvido no WindSim através dos princípios físicos de conservação de massa (Equação 1, representando a vazão líquida de massa atravessando as fronteiras do volume de controle) e de momentum (Equação 2, baseada na 2ª Lei de Newton para escoamento de fluidos).
|
(2) |
Através da hipótese de Boussinesq, as
tensões turbulentas de Reynolds se relacionam às variáveis médias de velocidade
através da viscosidade turbulenta (Equação 3):
|
(3) |
Resolvidas as variáveis médias, a turbulência precisa ser parametrizada através de algum modelo de turbulência (esquema de fechamento). Para uma descrição mais detalhada dos modelos de turbulência adotados (k-ε e k-ω), referir-se a Silva (2017).
2.3 Modelagem de mesoescala refinado
No presente trabalho, foi utilizado o produto do sistema SiteWind (AWS TRUEPOWER, 2012). Neste sistema, inicialmente tem-se campos de vento sobre uma grade de 400 x 400 m de resolução horizontal, simulados pelo modelo de mesoescala MASS (Mesoscale Atmospheric Simulation System). Este é um modelo compressível, não-hidrostático, e inicializado com dados globais de reanálise do NCEP/NCAR, de onde são selecionados 366 dias representativos (BROWER, 1999; GASSET et al., 2012). Em seguida, é realizado um downscaling de seu campo de vento à topografia local através do modelo WindMap, alcançando 50 m de resolução horizontal.
No procedimento de downscaling, o campo resultante do modelo de mesoescala é inserido no WindMap como first guess. Ou seja, a condição inicial do WindMap, neste caso, é a saída do mesoescala, ao invés de ser baseada em dados observados. O processo do WindMap então continua com os dados de terreno em alta resolução, gerando um campo de vento refinado a 50 x 50 m. Como a modelagem não possui nenhuma referência de medidas locais, o campo de vento resultante deve ser posteriormente ajustado às observações.
3 Dados e Métodos
3.1 Descrição do terreno e dos dados observados
A área de estudo localiza-se na região nordeste brasileira, no Estado da Bahia, sendo parte do complexo da Serra Geral do Espinhaço, a sudoeste do Lago de Sobradinho, bem próximo à divisa com o Estado do Piauí (Figura 1a).
Como se pode observar no mapa de elevações (Figura 1b), existe uma extensa cadeia elevada na direção norte-sul que se destaca na paisagem, apresentando diferenças de altitude de até aproximadamente 400 m entre o topo e a base plana. Simulações numéricas de alta resolução mostram inclinações maiores que 60º em suas encostas íngremes, enquanto terrenos consideravelmente planos se estendem por dezenas de quilômetros em ambos os lados. Não existem mudanças abruptas no comprimento da rugosidade superficial (cobertura de vegetação). Portanto, o relevo é a principal fonte de perturbação ao escoamento.
Figura 1 – Localização da região de estudo (a), mapa de elevação (b) e destaque do domínio de simulação com os cinco mastros meteorológicos utilizados (c), mostrando as velocidades médias do vento observadas em cada mastro
•
Para o ajustamento dos modelos, foram utilizados dados de velocidade e direção do vento medidos em cinco torres anemométricas, disponibilizados pela Casa dos Ventos Energias Renováveis S/A. A distância em linha reta entre as torres varia de aproximadamente 2,5 km a 5 km, de forma que se dispõe de uma grande densidade de instrumentação. A localização de cada torre encontra-se indicada no detalhe da Figura 1c. Anemômetros foram instalados a três diferentes alturas (80, 100 e 120 m) e medidores de direção (wind vanes) a 100 e 120 m. Os períodos de medição compreenderam entre 1 a 2 anos, nos anos de 2015 e 2016.
O conjunto completo dos dados foi sujeito a uma análise de qualidade antes de ser aplicado nos modelos. A filtragem das amostras úteis resultou num mínimo de 87% de dados válidos em um dos instrumentos de um mastro e, em média, 97% em todos os demais.
Na Figura 2 são mostradas as rosas-dos-ventos representativas das séries observadas nos dois mastros indicados por pontos brancos na Fig. 1c, a 80 m de altura. Fica evidente a forte predominância de ventos incidentes de leste-sudeste (principalmente leste) no regime de ventos da região, o que é típico em regiões afetadas pelos ventos alísios.
Os dados medidos pelo conjunto de mastros existentes na região, que se estendem para além do limitado domínio computacional utilizado, indicam a ocorrência de uma aceleração dos ventos na borda oeste da elevação.
Figura 2 – Representação estatística dos ventos observados nas posições indicadas na Fig. 1c
3.2 Metodologia das simulações numéricas
Os dados de relevo foram obtidos do SRTM com resolução espacial de 1” de arco (aproximadamente 30 m na latitude local). Com a mesma resolução de 30 m, os valores para a altura de rugosidade (z0) foram obtidos da base de dados GlobeLand30 (GLC30).
O domínio computacional estende-se 20 x 20 km na horizontal, centrado na posição 10,45º de latitude sul e 43,39º de longitude oeste (Fig. 1c). Após estudo de independência de grade para os modelos de microescala (SILVA, 2017), o espaçamento horizontal adotado foi de 50 m.
Dentre as ferramentas utilizadas, o modelo CFD é o que permite maior liberdade de configurações por parte do usuário. No WindSim, foi utilizada a opção de refinamento horizontal da malha sobre toda a extensão da cadeia elevada. Assim, o espaçamento variou de 50 até aproximadamente 150 m nas células adjacentes às bordas, totalizando 5,5 milhões de células para 45 níveis verticais. O método de solução adotado foi o GCV, com critério de convergência de 5 x 10-4 para o decaimento dos resíduos monitorados ou máximo de 3000 iterações. A velocidade do vento acima da camada-limite (vento geostrófico) foi definida em 10 m/s.
Em ambas abordagens de microescala aqui utilizadas, são assumidas condições de regime permanente, escoamento incompressível e estratificação neutra da atmosfera. As simulações foram repetidas para 12 setores uniformemente distribuídos e os resultados extraídos a 80 m de altura acima do nível do solo, altura típica da maioria dos aerogeradores utilizados nos parques eólicos brasileiros.
Com relação ao modelo de mesoescala, foi utilizado um produto pronto, cujas características foram descritas na Seção 2.3 deste documento.
3.2.1 Ajustamento dos campos de vento às observações
Foi explanado na Seção 2.1 que os dados observados são incorporados diretamente ao processo de cálculo no WindMap, ou seja, o “ajustamento” está implícito no método.
Já o método de CFD não considera dados observados durante seu processo de cálculo (Seção 2.2). O campo resultante do processo iterativo consiste de um mapa de speed-up’s, o qual precisa ser pós-processado para ser ajustado à realidade local. Isto foi executado no próprio programa WindSim, dando origem ao mapa tridimensional de recursos eólicos a 80 m de altura.
Por último, o ajustamento do campo adquirido pelo SiteWind aos dados dos mastros meteorológicos disponíveis foi feito através do OpenWind. Daqui em diante, o campo do SiteWind será referido simplesmente como o “mesoescala”, para evitar confusão com o outro modelo.
4 Resultados e Discussões
Os modelos CFD RANS, mesoescala e conservação de massa, em suas distintas naturezas, mostraram diferenças não desprezíveis com relação à representação do campo de velocidades horizontais do vento sobre a região de estudo, como se pode verificar através da Figura 3. Os campos de vento apresentados encontram-se já na forma ajustada às observações.
Uma primeira análise visual e qualitativa revela uma característica bem peculiar nos campos de CFD em detrimento dos demais. Nos campos de CFD, é possível identificar o efeito do transporte da quantidade de movimento na direção predominante do vento (de leste para oeste) e os efeitos de sombra, ou diga-se esteira, causados pela orografia local após a passagem do escoamento pela faixa elevada central. Os campos obtidos com os modelos de turbulência k-ε e k-ω foram muito semelhantes, apenas com pequenas diferenças nas magnitudes das velocidades.
Outra diferença relevante está nas áreas baixas de planícies, onde o modelo de mesoescala estimou velocidades mais baixas do que os demais modelos, principalmente do lado leste do domínio. A maior discrepância se deu em comparação com as representações feitas por CFD, as quais mostraram velocidades altas na entrada lateral do domínio.
Focando a análise sobre a área elevada do terreno, observa-se que a diferença mais perceptível foi novamente entre os campos resultantes do CFD e do mesoescala. O primeiro, com ambas as técnicas de modelagem da turbulência (imagens superiores da Fig. 3), capturou os ventos mais fortes localizados sobre a metade leste da cadeia elevada e também em algumas extremidades salientes de sua borda oeste, com velocidades um pouco mais baixas. Já o campo simulado por abordagem de mesoescala mostra os ventos mais fortes bastante concentrados ao longo de quase toda a borda oeste, com magnitudes de velocidades alcançando o limite da escala, de 10 m/s. Há também uma área diferenciada localizada próximo ao limite norte do domínio de simulação, no lado leste da elevação. No que tange ao terceiro modelo, que emprega a técnica de conservação de massa, mais simplificada, os resultados mostraram uma mescla das características observadas com os dois modelos anteriores.
Figura 3 – Campos de velocidade horizontal do vento a 80 m de altura para os quatro diferentes modelos numéricos estudados. As linhas representam as curvas de relevo e os pontos são as posições dos mastros. A escala à direita é válida para todas as imagens
Além disto, foram observadas algumas zonas de baixa velocidade na base da escarpa leste, onde o escoamento vindo desta direção colide com o paredão íngreme, implicando em desaceleração. Este aspecto foi capturado em melhor definição pelos modelos de microescala, o que indica a vantagem da maior resolução espacial da malha computacional na representação dos efeitos do relevo sobre o campo de vento local.
Características marcantes também foram observadas ao longo da base da escarpa oeste e em suas fendas íngremes. Considerando os ventos predominantes de leste, podemos ver que o modelo CFD capturou uma redução brusca da velocidade do vento após a descida pela escarpa, o que sugere, possivelmente, a ocorrência de uma súbita mudança de pressão e o fenômeno de recirculação. A desaceleração do escoamento logo após a passagem pela elevação foi atenuada pelo modelo de conservação de massa e praticamente inexistente na representação de mesoescala. A elevação geográfica exerce uma influência aerodinâmica sob a forma de uma obstrução natural ao fluxo. Após superar o obstáculo, ocorre então a redução da velocidade do escoamento com consequente perda de energia cinética. Com isso, parte do escoamento não consegue acompanhar a corrente livre e entra em um movimento circulatório na base do desnível, devido aos gradientes adversos de pressão. Porém, a modelagem de tais vórtices só é possível com a aplicação do princípio de conservação da quantidade de movimento. Isso explica por que, embora também seja um modelo de microescala, o modelo de simples conservação de massa não representou tão detalhadamente a perda e recuperação da velocidade do vento na região pós-escarpa, assim como nas declividades, em comparação com as características finas que o método CFD mostrou-se capaz de reproduzir. Tais rotações e outros desvios de trajetória podem ser visualizados pelos traços de partículas mostrados na Figura 4, confirmando a hipótese de recirculação na base da escarpa oeste.
Figura 4 – Caminho das partículas simuladas por CFD sobre a região pós-escarpa ao sul do domínio. Escoamento incidente de leste
Em termos qualitativos, a discordância na representação do escoamento local pelos modelos dificulta uma tomada de decisão. Quando se tem diferentes amostras de simulações (previsão por ensemble) e a maioria delas converge para resultados semelhantes, pode-se ter uma maior confiança de que a simulação está retratando a realidade. No entanto, diante dos resultados divergentes obtidos com a amostra de simulações utilizada, fica difícil afirmar qual, ou mesmo se, alguma delas representa a condição real de forma mais acurada. Se o parque eólico for pequeno, é possível usar somente as semelhanças dos modelos, mas a região ficaria subaproveitada. De acordo com os dados dos mastros meteorológicos disponíveis, há um indicativo de que o modelo de mesoescala esteja representando melhor a aceleração dos ventos causada pelo obstáculo topográfico. Contudo, não dispomos de maiores informações para afirmar que a representação esteja correta como um todo na maior parte do domínio computacional. Isto torna crítica a determinação de qual seria a distribuição mais adequada das turbinas no local.
5 Conclusão
Este estudo realizou a comparação de diferentes ferramentas numéricas para a simulação do escoamento atmosférico em um terreno complexo, localizado no Nordeste do Brasil, onde as características topográficas se somam à dinâmica dos ventos alísios e a uma possível forçante térmica.
As simulações do escoamento mostraram diferenças não desprezíveis na representação da distribuição espacial dos ventos estimada pelos diferentes métodos numéricos: conservação de massa, CFD e mesoescala refinado. Os dois modelos de turbulência empregados com CFD RANS, k-ε e k-ω, apresentaram resultados muito semelhantes. A suposta forçante térmica ao escoamento neste local pode ser a principal razão para as discrepâncias encontradas entre os resultados dos modelos.
Focando-se a análise sobre a parte elevada do terreno, as áreas de ventos mais fortes encontradas através das modelagens via CFD localizaram-se em direção oposta àquelas identificadas através do modelo de mesoescala. Já o modelo de conservação de massa apresentou um campo de vento com características mistas dos anteriores.
Assim, projetos de parques eólicos desenvolvidos para esta região a partir dos diferentes métodos numéricos utilizados resultariam em diferentes distribuições de turbinas (micrositing).
Com o número de torres de medição utilizado neste estudo, era esperado que os resultados de todos os modelos fossem próximos. Verificou-se, porém, que a densidade de torres ainda não é suficiente para a convergência de resultados. Se o modelo não resolver corretamente as características complexas do vento local, como fenômenos térmicos, por exemplo, é possível que nem mesmo uma grande densidade de torres seja efetiva para corrigir (ajustar) o campo de vento simulado.
Não é plausível afirmar categoricamente qual dos modelos simulou melhor as condições reais tendo-se “somente” cinco pontos de observação, sem maiores informações para certificar que a representação esteja correta como um todo na maior parte do domínio computacional. Todavia, estes cinco pontos fornecem um indicativo de que o modelo de mesoescala refinado tenha representado mais fielmente o comportamento de aceleração dos ventos em direção à borda oeste da cadeia elevada.
Agradecimentos
À Casa dos Ventos Energias Renováveis pela permissão de acesso e publicação dos dados de vento.
Referências
ALBANI, A.; IBRAHIM, M. Z. An assessment of wind energy potential for selected sites in Malaysia using feed-in Tariff Criteria. Wind Engineering, v. 38, n. 3, p. 249–259, 2014.
AWS TRUEPOWER. Description of the MesoMap System. Albany, 2012. 4 p. Disponível em: https://www.awstruepower.com/assets/Description-of-the-MesoMap-System1.pdf. Acesso em: 8 out. 2019.
AYOTTE, K. W. Computational modelling for wind energy assessment. Journal of Wind Engineering & Industrial Aerodynamics, v. 96, n. 10-11, p. 1571–1590, 2008.
BECHMANN, A.; SØRENSEN, N.N.; BERG, J.; MANN, J.; RÉTHORÉ, P.-E. The Bolund Experiment, part II: blind comparison of microscale flow models. Boundary-Layer Meteorology, v. 141, n. 2, p. 245-271, 2011.
BENGTSSON, J. Turbulence wind flow modeling in complex terrain. 2015. 27 f. Tese (Doutorado em Mecânica Aplicada) - Chalmers University of Technology, Gothenburg.
BITSUAMLAK, G. T.; STATHOPOULOS, T.; ASCE, F.; BÉDARD, C. Numerical evaluation of wind flow over complex terrain: review. Journal of Aerospace Engineering, v. 17, n. 4, p. 135–145, 2004.
BLOCKEN, B.; HOUT, A.; DEKKER, J.; WEILER, O. CFD simulation of wind flow over natural complex terrain: case study with validation by field measurements for Ria de Ferrol, Galicia, Spain. Journal of Wind Engineering & Industrial Aerodynamics, v. 147, p. 43–57, 2015.
BROWER, M. C. Validation of the WindMap Program and Development of MesoMap. In: AMERICAN WIND ENERGY ASSOCIATION WINDPOWER CONFERENCE, 1999, Washington, DC. Proceedings… [S.l.:s.n], 1999.
CASTELLANI, F.; ASTOLFI, D.; BURLANDO, M.; TERZI, L. Numerical modelling for wind farm operational assessment in complex terrain. Journal of Wind Engineering & Industrial Aerodynamics, v. 147, p. 320–329, 2015.
DHUNNY, A. Z.; LOLLCHUND, M. R.; RUGHOOPUTH, S. D. D. V. Wind energy evaluation for a highly complex terrain using Computational Fluid Dynamics (CFD). Renewable Energy, v. 101, p. 1-9, 2017.
GASSET, N.; LANDRY, M.; GAGNON, Y. A Comparison of wind flow models for wind resource assessment in wind energy applications. Energies, v. 5, n. 12, p. 4288–4322, 2012.
KUMAR, Y.; RINGENBERG, J.; DEPURU, S. S.; DEVABHAKTUNI, V. K.; LEE, J. W.; NIKOLAIDIS, E.; BRETT, A.; AFJEH, A. Wind energy: trends and enabling technologies. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 53, p. 209-224, 2016.
MURTHY, K. S. R.; RAHI, O. P. A comprehensive review of wind resource assessment. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 72, p. 1320-1342, 2017.
PETERSEN, E. L.; MORTENSEN, N. G.; LANDBERG, L.; HÙJSTRUP, J.; FRANK, H. P. Wind power meteorology. Part I: climate and turbulence. Wind Energy, v. 1, n. 1, p. 2-22, 1998.
RASOULI, A.; HANGAN, H. Microscale computational fluid dynamics simulation for wind mapping over complex topographic terrains. ASME Journal of Solar Energy Engineering, v. 135, n. 4, p. 1-18, 2013.
SHERMAN, C. A. A mass-consistent model for wind fields over complex terrain. Journal of Applied Meteorology, v. 17, p. 312-319, 1978.
SILVA, A. F. G. Estimativa de geração de energia eólica utilizando diferentes ferramentas numéricas. 2017. 148 f. Tese (Doutorado em Engenharia Aeronáutica e Mecânica) — Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, 2017.
VERSTEEG, H. K.; MALALASEKERA, W. An introduction to computational fluid dynamics: the finite volume method. 2. ed. Harlow: Pearson Education, 2007. 503 p.