Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e1, 2020

DOI:10.5902/2179460X45215

ISSN 2179-460X

Received: 27/05/20  Accepted: 27/05/20  Published: 28/08/20

 

by-nc-sa 


Special Edition

 

Interceptação em uma floresta ripária secundária urbana em Santarém- PA, Amazônia, Brasil

 

Interception in an urban secondary riparian forest in Santarém-PA, Amazônia, Brazil

 

Milena Míria Nobre Campos I

Mírian Santos de Sousa I

Bruno de Oliveira Ribeiro I           

Leidiane Leão de Oliveira II

 

Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, PA, Brasil. E-mail: milenanobre055@gmail.com.

Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, PA, Brasil. E-mail: miriansantos1203@gmail.com.

Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém- PA, Brasil. E-mail: 73oliveira.ribeiro@gmail.com.

II Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas –ICTA, UFOPA. E-mail: leidianeoli@gmail.com.

 

 

RESUMO

A interceptação da chuva pelas árvores de floresta ripária desempenha um papel importante no ecossistema urbano Amazônico. Afeta todos processos hidrológicos, bem como a redistribuição espacial e temporal da umidade. O objetivo deste estudo foi avaliar a interceptação pluviométrica em área de floresta ripária urbana na nascente do igarapé Irurá, Santarém-PA. O monitoramento da precipitação em área aberta e precipitação em área interna ocorreu com o uso de pluviômetros do tipo Ville de Paris e calhas pluviométricas. O escoamento pelo tronco foi monitorado dentro de uma parcela de 10 m x 10 m. Durante o período do estudo foi contabilizado para a precipitação acima do dossel 2.659,6 mm de chuva, 89,3% alcançou o piso florestal como precipitação interna e apenas 0,5% como escoamento pelo tronco das árvores. As árvores da floresta ripária secundária urbana da nascente do igarapé Irurá interceptaram 272 mm, ou seja, 10,2% da precipitação total, representando importante papel para a hidrologia da área, tanto por possibilitar que um volume elevado de água retorne para a atmosfera, como por minimizar o aumento do escoamento superficial urbano. Neste estudo foi possível quantificar e qualificar o importante papel das componentes para a recarga de água subterrânea da nascente urbana.

Palavras-chave: Microbacia; Áreas úmidas; Irurá.

 

 

ABSTRACT

The interception of rain by riparian forest trees plays an important role in the urban Amazon ecosystem. It affects all hydrological processes, as well as the spatial and temporal redistribution of moisture. The aim of this study was to evaluate rainfall interception in an area of urban riparian forest at the source of the Irurá stream, Santarém-PA. The monitoring of precipitation in the open area and precipitation in the internal area occurred with the use of Ville de Paris type rain gauges and gutters. Runoff through the trunk was monitored within a 10 m x 10 m plot. During the study period, 2,659.6 mm of rain was accounted for rainfall above the canopy, 89.3% reached the forest floor as internal precipitation and only 0.5% as runoff through the tree trunk. The trees of the urban secondary riparian forest from the source of the Irurá stream intercepted 272 mm, that is, 10.2% of the total precipitation, representing an important role for the hydrology of the area, both because it allows a high volume of water to return to the atmosphere, as by minimizing the increase in urban runoff. In this study it was possible to quantify and qualify the important role of the components for the recharge of groundwater from the urban spring.

Keywords: Microbasin; Wet areas; Irura.

 

 

1 INTRODUÇÃO

A interceptação da chuva pelas árvores de floresta ripária desempenha um papel importante no ecossistema urbano Amazônico. Afeta todos processos hidrológicos, bem como a redistribuição espacial e temporal da umidade (XIAO; MCPHERSON, 2002). A realização de estudos na Amazônia envolvendo microbacias urbanas e seus aspectos florestais, permitem entender o ecossistema como um todo incluindo o comportamento do ciclo hidrológico, que assume papel importante para o equilíbrio da Floresta Amazônica, por ser essencial para a reposição de nutrientes, clima e manutenção florestal. Para tanto, esses estudos fornecem informações necessárias para compreender o funcionamento do sistema, garantindo o manejo adequado e o equilíbrio do meio (SALATI; ABSY; VICTORIA, 2000). 

Estudos que investiguem o ciclo hidrológico regional são necessários para o entendimento e contribuição das componentes do ciclo hidrológico no ambiente. Existem dois tipos de direção de fluxos nos processos hidrológicos: vertical e horizontal, sendo precipitação e evapotranspiração e, escoamento e infiltração, respectivamente (TUCCI, 2004; ALBUQUERQUE, 2010). Dentre os principais processos hidrológicos, a interceptação representa uma parcela significativa do consumo total de água por uma cobertura vegetal, desde modo é importante ressaltar que a vegetação tem papel fundamental em todo o ciclo hidrológico (LIMA, 2008; ALBURQUERQUE, 2010; OLIVEIRA, 2007).

O processo de interceptação da água da chuva faz parte das três formas de como a precipitação se distribui na cobertura vegetal, sendo esta, a água retida pela parte aérea do vegetal retornando para a atmosfera por meio da evaporação (TUCCI, 2004; ALVES, 2015). As outras formas de distribuição são: o escoamento pelo tronco, caracterizado por constituir a parcela da chuva que atinge o solo através dos componentes da planta, e a precipitação interna, definida por chegar ao solo diretamente pelos espaços entre as plantas e pelo gotejamento da cobertura vegetal (SALATI; ABSY; VICTORIA, 2000). A precipitação efetiva é definida pela junção destes dois últimos processos. Para quantificar a interceptação se faz necessário obter a diferença entre a precipitação em dossel aberto e a precipitação efetiva (TONELLO et al., 2014).

O objetivo do presente estudo foi quantificar a interceptação da água da chuva em floresta ripária de uma nascente hidrográfica urbana, em uma área de preservação permanente da microbacia urbana do Irurá em Santarém-PA. Os processos que envolvem a interação floresta-interceptação influenciam diretamente nos aspectos microclimáticos da região e no balanço hídrico local.

 

 

2 Metodologia

2.1 Área experimental

A floresta ripária onde o estudo foi realizado, localiza-se no município de Santarém, na região Oeste do Pará. A área de estudo é uma floresta secundária, de domínio particular com preservação notável a partir da paisagem. O experimento foi realizado no platô à 30 metros da nascente, em uma parcela de 10 m x 10 m tendo como coordenadas geográficas 02º30’08.1”S e 054º45’02.8” W, além da área adjacente ao terreno (Figura 1).

 

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo (quadrado branco) localizada na floresta ripária do lado esquerdo da nascente do igarapé do Irurá, Santarém-PA

Fonte: Arquivo pessoal.

O munícipio de Santarém situa-se na mesorregião do baixo Amazonas, no estado do Pará, no Norte do Brasil. O município tem sua sede político-administrativa localizada à margem direita do rio Tapajós, na confluência com o rio Amazonas, e conta, hoje, com uma população de 294.580 habitantes (IBGE, 2018).

Quanto aos aspectos climáticos, a temperatura do ar é sempre elevada, com variação térmica anual inferior a 5°C e precipitação média anual em torno de 1820 mm (COSTA et al., 2013). A umidade relativa do ar apresenta valores superiores a 80% em quase todos os meses do ano. As estações chuvosas coincidem com os meses de dezembro a junho e as menos chuvosas, com os meses de julho a novembro. A cidade de Santarém pode ser classificada climaticamente, segundo Köppen, como de clima tropical chuvoso, com pequena amplitude térmica anual e precipitação média mensal superior a 60 mm, ou seja, tipo Ami (COSTA et al., 2013).

 

2.2 Precipitação interna

Inicialmente, o experimento foi realizado a partir do método que consiste em duas calhas que possuem maior área de captação para medir a Precipitação Interna (PI), constituída por material de PVC, com comprimento de 1,5 m e a tampa de 7 cm de diâmetro cada, instaladas à 30 metros da margem do córrego. As calhas foram suspensas e fixas em dois cavaletes de madeira à altura de 1 metro do solo, perfurada e acoplada a um funil que permitiu por uma mangueira a passagem da água para um pluviolog da marca RainWise® modelo RainLog 2.0, sendo medido e registrado os dados em milímetros através de um Data Logger.

Após alguns meses, houve uma adaptação do método, substituindo os registradores automáticos por recipientes de polietileno de 20 litros (Figura 2), armazenando a quantidade de PI a ser medida mensalmente.

 

Figura 2 – Nascente do igarapé Irurá, instalação das Calhas pluviométricas (A) e do pluviômetro de Ville de Paris (B) para o monitoramento da PI

 

Fonte: Arquivo pessoal.

 

2.3 Escoamento pelos troncos

Na medição do escoamento pelo tronco, utilizou-se a mesma parcela da avaliação da PI, na área do platô medindo 10 m de comprimento por 10 m de largura com as calhas no centro. Para a seleção das árvores, cada árvore deveria medir mais de 5 cm de Diâmetro na Altura do Peito (DAP), que em Circunferência Acima do Peito (CAP) é igual a aproximadamente a 16 cm, totalizando 15 árvores.

Foram sorteadas 10 árvores, nas quais receberam os coletores, seguindo o critério de significância da vegetação presente. Através da função de distribuição de frequência, os coletores foram instalados criteriosamente a um metro do solo nos troncos das árvores sorteadas. Seguindo o método de Giglio& Kobiyama (2013), as mangueiras instaladas em cada árvore tinham formato espiral, com ângulo aproximado de 45° com comprimento equivalente a uma volta e meia ao tronco, permitindo a condução da água escoada até aos recipientes de 20 litros de armazenamento (Figura 3) e posteriormente era medido com o uso de uma proveta de 2000 ml.

 

Figura 3 – Método utilizado para avaliar o escoamento pelo tronco

 

Uma imagem contendo ao ar livre, cerca, grama, azul

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Arquivo pessoal.

Para calcular o escoamento pelo tronco (ESC) após a coleta de dados utilizou-se equação 1:

ESC = (Ve ÷ Pc) × (Pca ÷ At)

(1)

ESC- unidade de medida em milímetros. 

Ve- é o volume total escoado pelos troncos em litros.

Pc- o perímetro em metros das árvores com coletores.

Pca- o perímetro total dos caules de todas as árvores contabilizadas na área em metros At- a área total em metros quadrados.

 

2.4 Precipitação em aberto

Para monitoramento da precipitação em área aberta foi instalada, na área adjacente à floresta calhas pluviométricas, obedecendo ao protocolo descrito no trabalho de Pimentel (2016) que orienta que as calhas podem ser constituídas por material de PVC, com comprimento de 1,5 m e as tampas laterais de 15 cm de diâmetro. As calhas foram suspensas e fixas em hastes de madeira à altura de 1,5 metro do solo. Em cada calha e também no pluviômetro, foram conectadas mangueiras de polietileno, (1 pol. x 2mm), que conduz a água captada pelo equipamento até um recipiente, (galão de água mineral em acrílico), esse recipiente tem capacidade para 20 litros. As calhas da área aberta possuem um conjunto de seis galões, totalizando um armazenamento de 120 litros. A precipitação em área aberta também foi monitorada por um pluviômetro da marca Ville de Paris cuja área de captação é de 400 cm2 (Figura 4).

 

Figura 4 – Pluviômetro Ville de Paris instalado na área aberta da nascente do igarapé Irurá

"" 

Fonte: Arquivo pessoal.

Distante (em linha reta) 3,24 km da área de estudo, nas coordenadas -2.502572° de latitude e -54.720279° de longitude, encontra-se a Estação Meteorológica de Santarém do Instituto Nacional de Meteorologia, localizada na BR-163 (8º Batalhão do Exército de Construção – BEC). 

A estação meteorológica é composta de uma unidade de memória central (data logger), ligada a vários sensores dos parâmetros meteorológicos (precipitação, temperatura, pressão atmosférica, etc.) que integra os valores observados minuto a minuto e os disponibiliza em http://www.inmet.gov.br. Dessa forma, a precipitação em área aberta foi monitorada continuamente tanto pela estação automática, como pelo pluviômetro, num período mensal.

 

2.5 Interceptação

 

A interceptação foi calculada de forma indireta, pela diferença da precipitação em aberto e a parcela de chuva drenada através das folhas e troncos, aplicando a seguinte fórmula:

𝐼 = 𝑃 − (𝑃𝑖 + 𝐸𝑆𝐶)

(2)

Onde:

I – Interceptação: fração de chuva que é evaporada diretamente da copa, não atingindo o solo.

P – Precipitação em aberto: fração de chuva que atinge o solo se nenhum obstáculo.

PI – Precipitação interna: fração de chuva que atravessa o dossel da floresta.

ESC – Escoamento pelos troncos: fração da chuva que escoa pelos troncos das árvores.

 

2.6 Análise dos dados

As variáveis precipitação acima do dossel, precipitação interna, precipitação efetiva, escoamento pelos troncos e interceptação foram analisados através de tabelas e gráficos, os quais permitiram a melhor visualização. O banco de dados, consistência, médias, totais e saídas gráficas foram realizados no software Excel do Office 365.

 

 

3 Resultados e Discussão

Durante o período em que o ocorreu o monitoramento, 03/10/17 a 20/03/19, foram obtidos dados de precipitação em área aberta (PA), precipitação interna (PI), escoamento pelo tronco (ESC), precipitação efetiva (PE) e interceptação (I), foram realizadas 17 coletas em campo, mas devido a ocorrência de falhas, como mangueira desencaixada e garrafão danificado, apenas 13 coletas foram consideradas.

Foram registrados para precipitação acima do dossel um total de 2.659,6 mm de chuva. A interceptação representou 10,2% do total precipitado e não produziu alteração significativa na precipitação interna, visto que a alta pluviosidade da região, principalmente no período chuvoso, provoca rápida saturação do dossel florestal. A precipitação efetiva foi de 2.387,6 mm, equivalente a 89,8% da precipitação total, quando fracionada o valor total obtido para precipitação interna foi de 2.375,6 mm, representando 89,3% da precipitação incidente monitorada. O escoamento pelo tronco foi de 12 mm, correspondendo a 0,5% da precipitação total (Tabela 1). 

 

Tabela 1Dados de precipitação em área aberta (PA), precipitação interna (PI), escoamento pelo tronco (ESC), precipitação efetiva (PE) e interceptação (I); valores obtidos no local de estudo (nascente do igarapé Irurá)

Período

PA (mm)

PI (mm)

(%)

ESC (mm)

(%)

PE (mm)

(%)

I (mm)

(%)

03/10 a 08/11/17

80,8

64,5

79,8

0,6

0,7

65,1

80,5

15,7

19,5

08/11 a 24/11/17

0

0

0

0

0

0

0

0

0

24/11 a 15/12/17

108,2

90,1

83,3

0,8

0,7

90,9

84,0

17,3

16,0

15/12 a 09/01/18

187,0

98,8

52,8

0,8

0,4

99,6

53,2

87,4

46,8

09/01 a 16/03/18

371,4

297,4

80,1

2,6

0,7

300,0

80,8

71,4

19,2

16/03 a 16/04/18

439,2

421,1

95,9

2,0

0,5

423,1

96,3

16,1

3,7

16/06 a 16/07/18

113,5

135,5

119,4

0,0

0,0

135,6

119,4

-22,1

-19,4

16/07 a 16/08/18

138,5

138,0

99,7

0,0

0,0

138,1

99,7

0,4

0,3

16/08 a 17/09/18

147,5

107,5

72,9

0,5

0,3

108,0

73,2

39,5

26,8

17/09 a 15/10/18

0

0

0

0

0

0

0

0

0

14/12 a 17/01/19

318,0

313,5

98,6

1,1

0,3

314,6

98,9

3,4

1,1

17/01 a 20/02/19

352,5

451,3

128,0

2,3

0,6

453,5

128,7

-101,0

-28,7

20/02 a 20/03/19

403,0

258,0

64,0

1,3

0,3

259,3

64,3

143,7

35,7

Total

2659,6

2375,6

89,3

12

0,5

2387,6

89,8

272

10,2

 

Nota-se que no período de coleta correspondente novembro de 2017 e setembro/novembro de 2018 não ocorreu precipitação na área, já que essa época faz parte do período de baixa pluviosidade, os garrafões coletores foram encontrados vazios (Tabela 1). A precipitação em aberto teve correlação significativa com a precipitação interna (R=0,85; p=0,0000054) e com o escoamento pelos troncos (R=0,74; p=0,00014) (Figura 5A e B). A precipitação em aberto afeta a precipitação interna e o escoamento pelos troncos, quanto maior a precipitação em aberto maior estes valores, respectivamente. O aumento da precipitação em aberto gera um acréscimo de 0,5 mm de escoamento pelos troncos (Figura 5 B).

 

Figura 5 – Relação da Precipitação em aberto (PA) com a Precipitação interna (PI) (A) e com o Escoamento pelos Troncos – ESC (B) na floresta ripária da nascente do igarapé do Irurá, Santarém – PA

""

 

Percebe-se também que a maior parte dos eventos de chuva os valores para a precipitação em área aberta foram sempre maiores do que a precipitação que atravessou o dossel florestal. Por apresentar chuvas intensas, essa situação favorece a entrada de água no ecossistema, dificultando a retenção da chuva pelo dossel florestal.  Somente em dois períodos (16/06 a 16/07/18 e 17/01 a 20/02/19), a precipitação interna supera a precipitação acima do dossel, levando a interceptação à valores negativos. Essa variação talvez possa ser justificada pela interferência de outros fatores, como: intensidade de chuva, grau de umidade da cobertura, velocidade do vento, característica da vegetação e intervalo entre chuvas. (MOURA et al., 2009) e também a formação de orvalho dentro da floresta, evento que possibilita a formação da precipitação oculta, ou seja, as gotículas de água suspensas na forma de neblina condensam-se nas folhas e nos ramos e precipitam-se, contribuindo assim na redistribuição da água sob a floresta (BALBINOT et al., 2008).

Analisando os eventos de precipitação em área aberta (PA), precipitação interna (PI), escoamento pelo tronco (ESC) e interceptação (I) por período sazonal, os valores obtidos são bastante variados (Figura 6). Percebe-se que para as chuvas abaixo de 200 mm no período seco (Figura 6A) e abaixo de 1000 mm no período chuvoso (Figura 6B) a interceptação correspondeu à 17,5% do total precipitado. Para as chuvas acima de 200 mm no período seco (Figura 6C) e acima de 1000 mm no período chuvoso (Figura 6D) a interceptação correspondeu a 4% do total precipitado.

 

Figura 6 – Período de baixa pluviosidade e início da estação chuvosa (A); Período chuvoso (B); Final do período chuvoso e início da estação menos chuvosa (C); Período chuvoso (D); valores obtidos no local de estudo (nascente do igarapé Irurá)

 

Apesar de a precipitação aumentar consideravelmente do período seco para o chuvoso, não há diferença significativa da interceptação sazonal total. Levando em consideração os valores obtidos nesse estudo, assim como os obtidos por Oliveira et al. (2011), a interceptação foi maior no período seco, com 40% da precipitação total, ressaltando pelos autores a importância da interceptação nesse período, devido a necessidade de uma atmosfera úmida para a manutenção do ecossistema.  

O escoamento pelo tronco, como sempre, representou uma parcela muito pequena da precipitação total quando comparado com os outros parâmetros. Moura et al. (2009) argumenta que apesar do valor de escoamento pelo tronco parecer insignificante, essa componente promove a distribuição localizada da precipitação ao redor do tronco, sendo favorável à planta, principalmente, nos períodos menos chuvosos.

Lorenzon et al. (2013), observaram que os resultados obtidos pelo escoamento pelo tronco depende da precipitação, em que para o estágio de regeneração avançado somente se manifestou com precipitação superior a 2,5 mm, enquanto no estágio de regeneração inicial, os valores começaram a serem registrados com precipitação acima de 5,0 mm, registrando 0,03 mm inicialmente para cada estágio, desta forma uma área com regeneração avançada, com maior densidade povoada, permite maior interceptação e consequentemente maior escoamento pelo tronco, quando comparado com a regeneração inicial.

Ressalta-se que a área em que o estudo foi aplicado apresenta um processo de reflorestamento natural que se mantém progressivo ao longo de 45 anos, combinando uma mistura de floresta secundária com remanescentes de vegetação primária. Essa característica possibilita a presença de indivíduos arbóreos diferentes na área, dessa forma o entrelaçamento entre galhos, os tipos de folhagem contribuem para que o fluxo de escoamento ocorra com maior eficiência aumentando a contribuição de água dentro da floresta. Isso também significa dizer que o processo de interceptação não ocorre apenas nas copas das árvores, mas também abaixo, redistribuindo mais lentamente a água da chuva em direção ao solo.

Em estudo realizado por Ferreira et al. (2005), avaliando a interceptação em diferentes parcelas, sendo estas com extração seletiva de madeira e outras intactas, considerada parcelas-controle, foram registrados resultados, nos 14 meses seguintes à extração seletiva de madeira, onde houve significativamente menor interceptação nas parcelas que sofreram extração seletiva do que nas parcelas-controle, variando entre 7,1 e 13,1% com valor de PI entre 86,9 a 92,9%, enquanto nas parcelas-controle os resultados foram de 12,9 a 25,8% com registro menor de PI, entre 74,2 e 87,1%. Desta forma os resultados sugerem que o desmatamento altera drasticamente as condições climáticas, além de interferir no processo de interceptação e consequentemente no ciclo hidrológico, devido a diminuição da quantidade das chuvas retidas pelo dossel.

Giglio & Kobiyama (2013) fizeram uma análise de todos os estudos que realizaram a medição da interceptação em diferentes florestas do território brasileiro, na Amazônia a interceptação varia de -19,1 a 22,6%, a chuva interna entre 38 e 98,2% e o escoamento de tronco entre 0,3 e 41% da chuva total. Afirmando que a Amazônia e a Mata Atlântica são os biomas mais estudados: juntos, concentram quase 90% dos estudos de interceptação do país mas um quarto destes estudos não foram realizados a medição de escoamento pelo tronco, o que os torna pouco úteis para os estudos sobre a interceptação da chuva e a compreensão do processo do ciclo hidrológico neste tipo de floresta.

De acordo com Cicco et al. (2019) a maior parte das pesquisas sobre interceptação da chuva é de curta duração e raramente ultrapassa um ano de coleta de dados. Logo, os estudos sobre a interceptação é apontado com grande importância quantitativa para o balanço hídrico, assim faz-se necessário que todos os parâmetros que a compõe sejam medidos e avaliados para que possamos conhecer bem os processos nas florestas brasileiras e que apesar da Mata atlântica e a vasta Amazônia serem estudadas em diferentes regiões ainda tem muito a avançar, assim como nos demais biomas brasileiros que há a ausência de estudos sobre esta temática.

Ao comparar com outros estudos os valores de precipitação em área aberta (PA), precipitação interna (PI) e interceptação (I), os resultados alcançados com esta pesquisa encontram-se dentro da margem dos resultados obtidos por outros pesquisadores (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Valores de precipitação em área aberta (PA), precipitação interna (PI) e interceptação (I) obtidos em outros estudos

 

Autor

Local

Tempo de Estudo

PA (mm)

PI

(mm)

(%)

I

(mm)

(%)

VITAL (2002)

Fragmento ciliar em Botucatu-SP

10/00 a 9/01

1294,1

1071,8

81,9

220,9

18

MOURA

et al. (2009)

 

Floresta da Mata Atlântica

 

5/06 a 1/07

1640

1392

84,9

248

15,1

FERREIRA

et al. (2005)

Amazônia Ocidental

1/94 a 2/95

3126

2659,8

85

466,2

14,9

Este estudo

Amazônia Oriental

10/17 a 03/19

2659,6

2375,6

89,3

284

10,7

 

Em 11 meses de monitoramento, em uma área de mata ciliar (Botucatu-SP), Vital (2002) obteve para precipitação total 1.294,1 mm, a precipitação interna foi de 1.071,8 mm e a interceptação foi de 220,9 mm. Num período de 7 meses de monitoramento em uma área de floresta da Mata Atlântica, Moura et al. (2009) obteve para a precipitação total 1.640 mm, para a precipitação interna foi obtido 1.392 mm e a interceptação foi de 248 mm. O trabalho de Ferreira et al., (2005) realizado em uma região da Amazônia Ocidental, na primeira fase do estudo (ocorrida em 14 meses) em relação a precipitação total foram alcançados cerca de 3.126 mm de chuva, para a precipitação interna foi obtida uma média de 2.659,8 mm e a interceptação a média foi 466,2 mm.

O presente estudo num período de 13 meses de coleta obteve para a precipitação total 2.659,6 mm, a precipitação interna chegou a 2.375,6 mm e a interceptação foi de 272 mm. O fator que mais contribui para a diferença nos resultados de precipitação interna e de interceptação da chuva é a estrutura florestal, quando esta apresenta-se heterogênea (FERREIRA et al., 2005). Nota-se que chuvas com mesma altura em épocas distintas podem produzir resultados diferentes, Moura et al., (2009) argumenta que cada ecossistema tem sua característica particular, e isso diferencia cada processo de interceptação. Sendo assim a partição da chuva em uma cobertura florestal pode não apresentar proporção constante de precipitação local durante um ano de monitoramento.

 

 

4 Conclusão  

As árvores da floresta ripária secundária urbana da nascente do igarapé Irurá interceptaram 272 mm, ou seja, 10,2% da precipitação total, representando importante papel para a hidrologia da área, tanto por possibilitar que um volume elevado de água retorne para a atmosfera, como por minimizar o aumento do escoamento superficial urbano. Neste estudo foi possível quantificar quanto a floresta ripária gerou de precipitação interna e escoamento pelos troncos, com isso, qualificamos o importante papel destas componentes para a recarga de água subterrânea da nascente urbana do igarapé do Irurá.

 

 

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto de Ciências e Tecnologias das Águas - UFOPA pelo incentivo por parte da bolsa de PROTCC que fomentou a pesquisa.

 

 

Referências 

ALBUQUERQUE, F. A. Estudos hidrológicos em microbacias com diferentes usos do solo na Sub-Bacia do Alto Natuba-PE. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco Centro de Tecnologia e Geociências Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos, Recife-PE, 2010.

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