Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria v.42, e88, 2020
DOI:10.5902/2179460X42694
ISSN 2179-460X
Received: 03/02/2020 Accepted: 18/05/2020 Published: 30/12/2020
Geociências
Diagênese de Arenitos do Grupo Bauru no Estado de São Paulo
Sandstone Diagenesis of the Bauru Group in the Sao Paulo State
Marcia Regina StradiotoI
Hung Kiang ChangII
I Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil – marcia.stradioto@unesp.br
II Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil - chang.hung-kiang@unesp.br
Resumo
No estado de São Paulo, as unidades do Grupo Bauru se estendem por cerca de 47% do território, constituindo aquíferos de grande interesse, em particular para o abastecimento público. Neste estudo foram utilizadas amostras de testemunhos de sondagens de poços para caracterização petrográfica e diagenética de suas diferentes unidades, buscando assim aprimorar o conhecimento do Sistema Aquífero Bauru. As amostras foram submetidas a análises por microscopia óptica e microscopia eletrônica de varredura. As unidades desse sistema aquífero são formadas, em sua maioria, por subarcóseos (67% das amostras), exceto a Formação Marilia, que é composta por sublitarenitos e quartzarenitos. Esses arenitos foram submetidos a diagênese rasa e de baixa intensidade. As principais fases diagenéticas identificadas foram dissolução dos minerais detríticos, notadamente feldspatos e piroxênio, neoformação de argilominerais, oxi-hidróxido de ferro, calcita e analcima; localmente ocorre precipitação de quartzo, feldspato e óxido de titânio.
Palavras chave: Diagênese; Aquífero; Grupo Bauru
Abstract
In the state of São Paulo, the Bauru Group units cover about 47% of the territory, constituting an aquifer of great interest, in particular for public watersupply. In this study, core samples were taken for petrographic and diagenetic characterization of different units, seeking to improve the knowledge of the Bauru Aquifer System. The samples were submitted to analysis by optical microscopy and scanning electron microscopy. The units of this aquifer system are mostly subarkoses (67% of the samples), except the Marilia Formation, which is composed of sublitharenite and quartzarenite. These sandstones were submitted to shallow and low-intensity diagenesis. The main diagenetic phases identified were dissolution of the detrital minerals, notably feldspar and pyroxene, neoformation of clay minerals, iron oxi-hydroxide, calcite and analcime. Locally there is precipitation of quartz, feldspar and titanium oxide.
Keywords: Diagenesis; Aquifer; Bauru Group
1 Introdução
A porção paulista de ocorrência de rochas do Grupo Bauru possui aproximadamente 117 000 km2 (47% do território paulista), limitada ao norte pelo rio Grande, a oeste pelo rio Paraná, a sul pelo rio Paranapanema e a leste pelas exposições de rochas basálticas da Formação Serra Geral. O Grupo Bauru na área está representado pelas formações Caiuá, Pirapozinho, Santo Anastácio, Birigui, Araçatuba, Adamantina e Marília. As formações Caiuá, Santo Anastácio, Araçatuba, Adamantina e Marília afloram nesta área, enquanto as formações Birigui e Pirapozinho são ocorrências exclusivas de subsuperficies (Figura 1).
O Grupo Bauru é um importante reservatório de água, abastecendo grande parte da população paulista. Segundo levantamento realizado pela CETESB em 1997, dos 462 municípios que eram abastecidos, parcial ou integralmente, por água subterrânea, aproximadamente 59% captavam água do Sistema Aquífero Bauru, sendo que em 88% deles o abastecimento era feito exclusivamente por água subterrânea, porém estima-se que estas porcentagens atualmente sejam maiores (CETESB, 2004).
Para aprimorar o conhecimento do arcabouço deste reservatório e suas transformações, este trabalho envolveu o estudo petrográfico e diagenético de suas diferentes unidades aquíferas. Para essa finalidade foram utilizadas amostras das diferentes unidades do Grupo Bauru (Formações Caiuá, Santo Anastácio, Adamantina e Marília), extraídas de testemunhos de sondagens de quatro poços perfurados nos municípios de Nova Granada, Presidente Epitácio, Quintana e Pirapozinho.
Os resultados das análises evidenciam a variação da composição mineralógica da área fonte ao longo do tempo da deposição e demonstram que o Grupo Bauru foi submetido a uma diagênese rasa e pouco intensa.
2 Contexto Geológico
Distribuído pelo planalto ocidental de São Paulo, na região sul de Minas Gerais no triângulo mineiro, no noroeste do Paraná, no sudeste do Mato Grosso do Sul e no sul de Goiás, o Grupo Bauru se estende por área de aproximadamente 370.000 km2. Em São Paulo, as rochas do Grupo Bauru repousam sobre os basaltos da Formação Serra Geral, em uma relação de discordância erosiva (Brandt Neto et al., 1977; Soares et al., 1980; Almeida et al., 1981; Riccomini et al., 1981), e localmente sobre sedimentos das formações Botucatu e Pirambóia, como na região de Bauru (SP) (Suguio et al., 1977; Paula e Silva e Cavagutti, 1992 e 1994). Sua espessura média é de 100 m e as maiores espessuras preservadas ultrapassam 300 m na região de Marília (SP).
A primeira subdivisão estratigráfica formal do Grupo Bauru, baseada em suas características litológicas e genéticas deve-se a Soares et al. (1980), que distinguiram as formações Caiuá, Santo Anastácio, Adamantina e Marília. A litofácies Araçatuba, inicialmente reconhecida por Suguio et al. (1977), foi elevada posteriormente à categoria de formação por Suguio (1981). Posteriormente, em estudos de subsuperfície realizados por Paula e Silva (2003) e Paula e Silva et al. (2005) no Grupo Bauru no estado de São Paulo, mantiveram essa subdivisão incluindo a Formação Araçatuba e acrescentaram as formações Pirapozinho e Birigui, identificadas com base em perfis geofísicos e descrição de amostras de calhas, ao Grupo Bauru (Figura 2).
A sedimentação do Grupo Bauru ocorreu durante três fases principais separadas por discordâncias, definindo, assim, três sequências deposicionais. A primeira sequência é composta pelos depósitos arenosos da Formação Caiuá e argilosos da Formação Pirapozinho; a segunda é marcada pela sedimentação dos arenitos da Formação Santo Anastácio; e a terceira sequência, pelos depósitos das formações Birigui, Araçatuba e Adamantina, os autores ressaltaram ainda que os depósitos da Formação Marília não foram considerados nesta análise estratigrafica de sequência devido a incerteza da natureza de contato entre as formações Marília e Adamantina (Paula e Silva et al., 2009).
Figura 1 – Mapa do Grupo Bauru no Estado de São Paulo com localização dos poços amostrados (modificado de CPRM, 2006)
Figura 2 – Poços com a localização das amostras extraídas para análises petrográficas
3 Materiais e Métodos
Este estudo foi baseado em 182 amostras de testemunhos de sondagens de quatro poços perfurados nas diferentes unidades do Grupo Bauru (Figuras 1 e 2). Desse total, foram selecionadas 46 amostras do poço P1 (Formações Adamantina, Araçatuba e Santo Anastácio), 05 amostras do poço P2 (Formação Caiuá), 43 amostras do poço P3 (Formação Marília) e 88 amostras do poço P4 (Adamantina, Araçatuba, Santo Anastácio e Caiuá). Essas amostras foram submetidas à análise petrográfica para determinação da composição mineralógica (arcabouço, matriz e cimento), por meio de microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura (MEV) e difratometria de raios-X (rocha total e fração argila).
As amostras para microscopia óptica foram impregnadas pelo método de Cesero et al. (1989), para confecção de lâminas delgadas. A análise de microscopia eletrônica de varredura foi efetuada em equipamento JSM-6010LA – JEOL, equipado com analisador de energia dispersiva (EDS). Para ensaio de difração de raios-X, as amostras foram preparadas pelos métodos de sedimentação por suspensão, em lâminas de vidro e de pastilha, para determinação da amostra total.
A análise petrográfica contemplou a descrição e identificação da composição mineralógica e textural do arcabouço dos arenitos, a composição mineralógica da matriz e dos cimentos que envolvem os grãos do arcabouço, e as fases autigênicas presentes para, com isso, definir as relações paragenéticas e a história diagenética da rocha, bem como para a caracterização de sua porosidade. A composição detrítica do arcabouço dos arenitos foi apresentada em diagrama triangular, segundo a classificação de Folk (1968).
4.1 Composição mineralógica e textura
A granulometria dos arenitos estudados varia de média a muito fina, com predomínio de grãos subarredondados a subangulares e seleção variando de boa a ruim. Nos arenitos do Grupo Bauru, a matriz argilosa, em geral, é baixa, com 50% das amostras contendo até 10% de matriz (Figura 4A). A porosidade do tipo intergranular é a mais frequente em todas as lâminas examinadas; secundariamente ocorrem porosidades do tipo intragranular.
Os arenitos do Grupo Bauru são predominantemente classificados como subarcóseos (65% das amostras), destacando-se os arenitos da Formação Santo Anastácio, com 86% de suas amostras classificadas como subarcóseos, e os arenitos da Formação Marília, classificados predominantemente como quartzarenitos (34%) e sublitarenitos (45%) (Figura 3).
4.2 Constituição mineralógica principal
Os arenitos do Grupo Bauru apresentam composição mineralógica rica em quartzo monocristalino (95% do total) e quartzo policristalino com aproximadamente 5% do total. A Formação Marília possui a maior porcentagem média de quartzo em seus arenitos (93,5%), seguida pelas formações Caiuá e Santo Anastácio (Figura 4B). Os minerais do grupo dos feldspatos aparecem com frequência (variando 0,5% (P4 – prof.62,3m) a 41% (P5 – prof. 224m)) na maioria das amostras examinadas, sendo encontrados principalmente ortoclásio, microclínio e plagioclásio (Figura 5A). A menor quantidade de feldspato é observada na Formação Marília (média = 3,2%) e a maior quantidade na Formação Adamantina (média = 18,4%) (Figura 4C). Em algumas lâminas observam-se feldspatos bastante alterados, com evidências de dissolução, formando porosidade intragranular. Fragmentos líticos, principalmente quartzitos, clastos de argila e fragmentos de origem vulcânica, são identificados, ocorrendo em maior quantidade na Formação Adamantina (média = 6,4%) (Figuras 4D e 5B).
Os minerais acessórios mais comuns observados são micas (biotita e muscovita) e augita (Figuras 5C e 5D), constituindo em média 2,5% dos grãos em arenitos da Formação Marília (Poço P3), 6,7% e 3,2% na Formação Adamantina (Poços P1 e P4, respectivamente), 3,6% e 3,5% na Formação Santo Anastácio (Poços P1 e P4, respectivamente) e 0,5% e 3,0% na Formação Caiuá (Poços P2 e P4, respectivamente). Minerais opacos também são encontrados, sendo observado o maior percentual médio na Formação Adamantina (6,7% - P1), e o menor na Formação Caiuá (2,1% - P2).
A matriz é constituída, predominantemente, por argilominerais do tipo esmectita e, em menor quantidade, caulinita, que foram identificados por diferentes métodos de análise. A quantidade de matriz varia fortemente entre intervalos da mesma unidade litoestratigráfica; nota-se também que a quantidade de matriz não tem relação com a profundidade em que a amostra se encontra.
Figura 3 – Composição dos arenitos do Grupo Bauru, segundo Critério de Folk (1968)
Figura 4 – Histogramas: (a) Matriz; (b) Quartzo; (c) Feldspato; (d) Fragmentos Líticos
Figura 5 – Fotomicrografias de microscopia óptica com nicóis cruzados: (a) Feldspato (P3, Fm. Marília); (b) Fragmentos líticos (P3, Fm. Marília); (c) Minerais acessórios (P1, Fm. Santo Anastácio); (d) Minerais acessórios (P1, Fm. Adamantina). Feld: feldspato; Frag: fragmento lítico; Aug: augita; Mi: micas
4.3 Avaliação da porosidade das litologias
A porosidade do arcabouço rochoso das unidades aquíferas do Grupo Bauru é muito variável, sendo a porosidade máxima encontrada de 58,5% no Aquífero Santo Anastácio (prof. 120,9 m – P4), e a mínima de 2,2% no Aquífero Caiuá (prof. 212,7m – P4). Não se observa tendência no comportamento da porosidade com a profundidade, mas verifica-se que as amostras mais porosas são encontradas nos aquíferos Santo Anastácio e Caiuá (Figura 6). A porosidade variável, muitas vezes, está associada ao grau de cimentação que, com frequência, preenche parcialmente ou por vezes totalmente os poros. Ocorrem amostras bastante porosas, ultrapassando 20% de poros, e outras muito cimentadas, em alguns casos com poros totalmente preenchidos. Cimentação por calcita e grandes quantidades de matriz argilosa (variando 0,6% (P4 – prof. 74,5m) a 67,8% (P5 – prof. 196,8m)) obstruindo poros também foram observadas, e em menor quantidade, porosidade secundária (intragranular e móldica – Figura 7).
Figura 6 – Profundidade versus porosidade. Fotomicrografias de microscopia óptica mostrando porosidade e cimentação em arenitos do Grupo Bauru. (Espaços intergrãos em azul = porosidade. Cor do círculo envoltório da fotomicrografia identifica unidade aquífera)
Figura 7 – Fotomicrografias de microscopia eletrônica de varredura mostrando preenchimento de poros por argilas e porosidade móldica
4.4 Processos diagenéticos observados
4.4.1 Infiltração mecânica de argilas
Na maioria das amostras examinadas observa-se a infiltração de argilas, porém ocorre com maior frequência em menores profundidades. As argilas ocorrem sob a forma de coatings sobre grãos de quartzo, feldspatos e de outros minerais do arcabouço (Figuras 8A e 8B), obstruindo os espaços porosos; as esmectitas constituem a maioria dos argilominerais infiltrados.
A compactação mecânica nos arenitos do Grupo Bauru é de baixa intensidade, sugerindo que os sedimentos foram submetidos a pequeno soterramento. Observa-se que os contatos dos grãos são predominantemente do tipo pontual, raramente notando-se contato planar. Outra evidência de compactação mecânica, o alinhamento de minerais acompanhados de deformação de grãos mais competentes, não é observado nas amostras analisadas.
4.4.3 Dissolução de aluminossilicatos, minerais pesados e fragmentos líticos
A dissolução é observada em todas as unidades do Grupo Bauru (Figuras 8C e 8D); nas formações Santo Anastácio e Caiuá (P4), porém, este processo é encontrado com maior frequência. Observa-se que os silicatos, principalmente os feldspatos, são os mais afetados pela dissolução, seguidos pelos minerais pesados, principalmente augita, que aparece em abundância e bastante alterada. Embora a ocorrência de fragmentos líticos seja pequena, eles aparecem em todas as formações estudadas, e observa-se que também são afetados pelo processo de dissolução.
4.4.4 Cimento ferruginoso
Em grande parte das amostras constatou-se a presença de precipitação de cimento ferruginoso – goethita e/ou limonita – em maior ou menor intensidade (Figuras 8E e 8F). Por vezes, a cimentação ocorre sob a forma de uma fina película de coloração vermelha/acastanhada que recobre os grãos minerais. A cimentação ferruginosa ocorre em todas as formações estudadas (Marília, Adamantina, Santo Anastácio e Caiuá). Contudo, em intervalos onde há grande concentração de matriz, a cimentação é menos expressiva.
Figura 8 – Fotomicrografias de MEV e microscopia óptica: (a) Coatings de argila (indicados por setas vermelhas) envolvendo grãos do arcabouço (nicóis paralelos); (b) Coatings de argila envolvendo grãos do arcabouço; (c) e (d). Dissolução de minerais; (e) e (f) Cimentação ferruginosa (nicóis cruzados). (Aug = augita; Alb = albita; CF = cimentação ferruginosa)
4.4.5 Calcita
A cimentação carbonática geralmente aparece preenchendo vazios intergranulares e substituindo parcialmente os grãos dissolvidos. Calcita microcristalina, com cristais esféricos e micrométricos (Figuras 9A e 9B), calcita em mosaico ou poiquilotópica (Figura 9C), calcita espática (“dente de cão”) (Figura 9D) e calcita tardia, com cristais bem formados, são os tipos de cimento carbonático identificados nas rochas do Grupo Bauru. A calcita espática (Figura 9D), encontrada apenas na Formação Santo Anastácio (P1), ocorre preenchendo poros e substituindo grãos dissolvidos. Foram observadas concreções esféricas (calcretes), de dimensões milimétricas (Figura 9E); também se verificou a cristalização de grãos de calcita associados a zeólitas em amostras da Formação Caiuá (P4; Figura 9F).
Figura 9 – Fotomicrografias de microscopia ópticae MEV. (a) Cimento carbonático microcristalino (Cm), Fm. Marília (nicóis cruzados); (b) Cimento carbonático microcristalino, Fm. Adamantina; (c) Cimentação em mosaico (Ca), Fm. Caiuá (nicóis cruzados); (d) Calcita espática (Cal), Fm. Santo Anastácio; (e) Calcretes, Fm. Caiuá; (f) Cristais de calcita (C) e zeólita (Z), Fm. Santo Anastácio
4.4.6 Crescimento secundário de quartzo (Overgrowth)
O crescimento secundário de quartzo aparece de forma pouco expressiva (Figura 10A). Sua observação em lâminas deve-se em geral à película de óxido/hidróxido de ferro que envolve os grãos, destacando a ocorrência do cimento. A baixa ocorrência de crescimento secundário de quartzo pode estar relacionada à baixa compactação dos sedimentos estudados. Também foi observada, na Formação Adamantina, presença de sílica microcristalina preenchendo o espaço poroso, mas em quantidade pouco significativa (Figura 10B).
4.4.7 Óxido de titânio
Apenas nos arenitos da Formação Adamantina (P1) verificou-se a ocorrência de precipitados de óxido de titânio preenchendo os poros e/ou minerais dissolvidos. A cimentação ocorre sob a forma de microcristais prismáticos, com dimensões micrométricas (Figuras10C e 10D).
4.4.8 Feldspatos
Exclusivamente em arenitos da Formação Santo Anastácio (P1) foi observada cimentação por cristais de feldspato potássico, com faces prismáticas bem desenvolvidas (Figuras 10E e 10F); ocorre preenchendo poros ou, ainda, precipitado sobre outros minerais.
Figura 10 – Imagens de MEV. (a) Crescimento secundário de quartzo (Qz), Fm. Caiuá; (b) Sílica microcristalina (Si), Fm. Adamantina; (c) Precipitado de TiO2 (Ti) preenchendo os poros; (d) Detalhe da imagem C, mostrando TiO2 preenchendo poros, Fm. Adamantina;(e) e (f). Feldspato potássico (FK), Fm. Santo Anastácio
4.4.9 Argilominerais autigênicos
Os argilominerais são observados em amostras de arenito de todas as formações do Grupo Bauru e em todas as profundidades. As esmectitas são os argilominerais mais encontrados (Figuras 11A e 11B); ocorrem na maioria das amostras, preenchendo poros ou ainda ocupando o espaço de grãos dissolvidos. A caulinita aparece de forma menos expressiva (Figura 11C), geralmente em amostras de profundidades menores; a paligorsquita foi observada apenas na Formação Adamantina (P1) e em pequena quantidade (Figura 11D).
4.4.10 Zeólitas
A analcima foi azeólita observada na maioria dos arenitos das formações Caiuá e Santo Anastácio (P4); porém, nas formações Araçatuba e Adamantina, neste mesmo poço, não foi observada presença deste mineral. A analcima é geralmente encontrada sob a forma de cristais subeuédricos preenchendo os espaços porosos (Figura 11E). Em arenitos da Formação Santo Anastácio (P1), coletados em menores profundidades (~90 metros), foi observada analcima em processo de dissolução (Figura 11F).
Figura 11 – Imagens de MEV. (a) Esmectitas (Es), Fm. Marília; (b) Esmectitas, Fm. Santo Anastácio; (c) Caulinitas (Cau), Fm. Caiuá; (d) Paligorsquita (Pal), Fm. Adamantina; (e) Zeólitas (Analcima – An) preenchendo poros, Fm. Caiuá; (f). Dissolução dos cristais de analcima, Fm. Santo Anastácio
5 Discussão
5.1 Evolução diagenética
Os sedimentos do Grupo Bauru no estado de São Paulo foram submetidos a uma diagênese rasa e com pouca intensidade, sendo a eodiagênese a única fase presente. Dissolução de silicatos é o processo principal e observado com maior frequência nos arenitos estudados, afetando principalmente os grãos de feldspatos, que são menos estáveis. Este processo de dissolução de aluminossilicatos pode liberar quantidade significativa de sílica, alumínio, potássio, sódio e cálcio no fluido dos poros (e.g., equações (1) e (2), conforme Appelo e Postma, (2005). Minerais pesados, principalmente augita, aparecem em abundância e bastante alterados, sugerindo que o processo de dissolução desses minerais atua de forma precoce nos sedimentos. A dissolução da augita libera principalmente íons de cálcio e ferro, e também titânio, possivelmente proveniente da augita titânica, como observado em amostras do poço P1, bastante alteradas e em processo de dissolução (e.g., equação (3)).
A dissolução dos fragmentos líticos, principalmente de origem vulcânica, contribui para a liberação de íons como ferro e sódio. O processo de dissolução que ocorre nos minerais, além de ser responsável pela liberação de íons para os fluidos, também gera a porosidade secundária (intragranular e móldica) observada (Figura7).
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A dissolução de minerais pesados, verificada nas amostras analisadas, pode contribuir significativamente para a precipitação de óxidos e hidróxidos de ferro, dado o aumento da concentração de íons de ferro e magnésio em solução. A maior parte dos cimentos ferruginosos em arenitos é formada pela alteração diagenética de minerais detríticos portadores de ferro, como piroxênios, anfibólios, biotita, magnetita e óxido de ferro-titânio (Walker, 1976, apud Morad, 1991). A augita, encontrada em abundância e bastante alterada, pode ser a principal fonte de ferro para a cimentação ferruginosa observada (e.g., equação (4)).
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Os minerais dissolvidos, principalmente silicatos, também liberam íons de cálcio na água. A disponibilidade de cálcio em solução, o constante fluxo de água e a entrada de CO2, uma vez que constituem aquíferos em sua maioria livres, facilita a precipitação da calcita.
Os cimentos microcristalinos observados formam-se em uma fase precoce, sendo provável que sua precipitação esteja relacionada à geração de calcretes. Os calcretes são descritos como resultado de processos pedogenéticos em clima árido a semiárido, em sedimentos siliciclásticos subaéreos. Dessa forma, as águas supersaturadas em cálcio e dióxido de carbono, concentrados em períodos de intensa evapotranspiração, precipitam o carbonato com textura microcristalina ou criptocristalina (Esteban e Klappa, 1983). Os calcretes, por outro lado, são sugeridos como feições típicas do limite entre ciclos fluviais (Leeder, 1975 e Miall, 1978). A textura microcristalina pode ser produto da rápida precipitação próximo à superfície, associada a processos orgânicos e reações químicas que causam rápida supersaturação e múltipla nucleação (Moore, 1989).
Em uma fase pouco mais tardia em relação à calcita microcristalina, aparece a calcita em mosaico ou poiquilotópica e também a calcita espática (raramente). A co-precipitação de analcima e calcita, observada na Formação Caiuá, ocorre sob condições de alta pressão parcial de dióxido de carbono, situação em que normalmente precipita analcima sódico-cálcica. A calcita resulta da supersaturação local, causada por dissolução de cimentos carbonáticos anteriores (Hay, 1966 apud Morad, 1991).
A precipitação de óxido de titânio é facilitada pelo ambiente oxidante, típico da Formação Adamantina, uma vez que se trata de aquífero predominantemente aflorante, com fluxo constante de água trazendo O2. A fonte provável do íon titânio é a augita titânica, encontrada em processo de dissolução e em grande quantidade neste arenito. A dissolução da augita titânica libera íons na água e precipita óxido de titânio e argilominerais (e.g., equação (5)).
Os óxidos de titânio podem substituir grãos de feldspato detritico por co-precipitação de óxido de titânio e outros minerais diagenéticos (principalmente argilominerais e calcita) e por precipitação de óxido de titanio em espaços deixados pela dissolução de feldspatos. A associação de óxido de titânio com calcita (que precipita em pH ≥ 8) indica que a solução de reação com feldspatos foi enriquecida em Ti, Ca e CO3, enquanto que a associação com hematita ou pirita indica que a precipitação do óxido de titânio pode ocorrer em ambiente oxidante ou redutor (Morad e Aldahan, 1987).
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A precipitação dos cristais de feldspato potássico ocorreu provavelmente em uma fase diagenética mais tardia que a precipitação de outros minerais encontrados. Feldspatos potássicos autigênicos se formam principalmente durante a eodiagênese superficial e podem se tornar instáveis e parcialmente dissolvidos ou substituídos por outros minerais diagenéticos durante a mesodiagênese, devido a alterações na química dos fluidos dos poros (Morad, 1991).
A proporção relativa de dissolução versus substituição do feldspato potássico varia entre os grãos individuais com o tempo, com a supersaturação em relação ao quartzo e em temperaturas menores que 50°C, sendo que a derivação dos pares coexistentes pode ocorrer pela degradação da moscovita (e.g., equações (6) a (8)) (Bjorkum e Gjelsvik, 1988, apud Deer et al., 2001).
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Combinando-se as duas reações têm-se a reação global (8):
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Desta forma, a moscovita observada nesses arenitos, embora em pequena quantidade, pode ser responsável pelo fornecimento de íons para precipitação do feldspato. Contudo, a formação do feldspato potássico está provavelmente vinculada à dissolução de zeólitas (analcimas), que em solução na presença do íon potássio favoreceria a precipitação do feldspato (e.g., equação (9)) (Morad, 1991).
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A precipitação de zeólitas em arenitos é muito significativa, interferindo na permeabilidade e porosidade da rocha e reduzindo o potencial de fluxo do reservatório (Tucker, 1991). Os íons sódio, sílica e alumínio, necessários à precipitação de cimento analcima, são em geral provenientes de alteração de plagioclásio e vidros vulcânicos (e.g., equação (10), Morad, 1991).
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Três hipóteses podem ser relacionadas à formação das zeólitas (analcima) nos arenitos estudados (Stradioto et al., 2008). A dissolução de fragmentos vulcânicos, encontrados nessas rochas, pode ser responsável pela liberação de íons como sódio, alumínio e sílica em solução, promovendo assim a precipitação de zeólita autigênica. Processo de hidrotermalismo, com contribuição química das rochas basálticas próximas, pode ser também uma das hipóteses da precipitação de analcima nos poros (Brandt Neto et al., 1987 e Barison, 2003). Reações diagenéticas em sedimentos depositados em ambiente alcalino (e.g. playa-lake), em regiões áridas a semi áridas, podem ser responsáveis pela transformação de argilominerais em zeólitas, dada a elevada concentração de sódio causada pela evaporação.
Por outro lado, a dissolução das analcimas observadas em arenitos da Formação Santo Anastácio (Figura 11F) pode estar relacionada à proximidade da Formação Santo Anastácio com a superfície, no poço P1, como também à menor espessura da Formação Araçatuba na região, tornando mais fácil a infiltração de águas meteóricas ácidas no aquífero. A dissolução das zeólitas (analcima) provavelmente contribui para a formação de feldspato potássico autigênico, encontrado na Formação Santo Anastácio (e.g., equação (9)).
A Figura 12 sintetiza as prováveis fases diagenéticas a que foram submetidos os arenitos do Grupo Bauru. Nem todos os eventos diagenéticos descritos ocorreram em todas as unidades do Grupo Bauru, por vezes se restringindo a uma única unidade, como descrito anteriormente.
Figura 12 – Fases diagenéticas identificadas nos arenitos
6 Conclusões
Os arenitos da Formação Marília são, em sua maioria, sublitarenitos e quartzarenitos, enquanto que os arenitos das formações Adamantina, Santo Anastácio e Caiuá são geralmente subarcóseos, com maior quantidade de feldspato em relação às amostras do Aquífero Marília. Feldspatos, em processos de dissolução, são responsáveis, em grande parte das vezes, pela porosidade intragranular e pela precipitação de minerais autigênicos nos arenitos. Os minerais acessórios encontrados em maior quantidade são as augitas e micas, geralmente bastante alteradas. Os argilominerais são em maioria esmecticas, em menor quantidade aparecem também as caulinitas, geralmente em amostras de arenitos retiradas em pequena profundidade, e rara paligorsquita.
Os resultados da análise petrográfica permitem concluir que há diferença entre o conteúdo mineralógico de uma mesma unidade, porém de locais diferentes. Essas diferenças podem estar diretamente relacionadas à composição mineralógica da área-fonte, que podem ter variado ao longo do tempo de deposição das diferentes unidades do Grupo Bauru.
Os arenitos do Grupo Bauru foram submetidos a diagênese rasa e de baixa intensidade (eodiagênese). Algumas fases ocorrem em todas as unidades do Sistema Aquífero Bauru, como a infiltração de argila; dissolução de silicatos, minerais pesados e geração de porosidade secundária; precipitação de cimento ferruginoso; cimentação por calcita, formação de argilominerais. Outras fases são exclusivas de algumas unidades, como precipitação de óxido de titânio (Formação Adamantina), de feldspatos (Formação Santo Anastácio) e de analcimas (formações Caiuá, Pirapozinho e Santo Anastácio).
O estudo apresenta um conjunto de dados petrográficos e diagenéticos de fundamental importância para estudos de interação rocha-fluido do Grupo Bauru. Amostras retiradas de testemunhos de sondagens, detalhando as unidades aquíferas, exibem detalhes sem processos de intemperismo como nas amostras retiradas em afloramentos, porém a escassez dessas amostras dificulta ampliar os estudos desta natureza. Novas perfurações de poços testemunhando as formações do Grupo Bauru seriam necessárias para podermos complementar e compreender melhor este importante reservatório.
Referências
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