Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, e104, 2020

DOI:10.5902/2179460X41558

ISSN 2179-460X

Received: 27/05/2020 Accepted: 25/06/2020 Published: 30/12/2020

Geociências

Geometrias e posicionamento espacial de antigas cicatrizes de escorregamentos em encostas nas cabeceiras do rio Mãe Luzia, Treviso – Santa Catarina, Brasil

Geometries and space positioning of ancient scars from landslides on slopes at the headwaters of the Mãe Luzia River, Treviso - Santa Catarina, Brazil

William de Oliveira Sant Ana I

Álvaro José Back II

Gean Paulo Michel III

Nilzo Ivo Ladwig IV

Danrlei De Conto V

I    Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, Brasil - williamsantana@gmail.com

II   Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, Brasil - ajb@unesc.net

III Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil - gean.michel@ufrgs.br

IV Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, Brasil - ladwig@unesc.net

Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, Brasil - danrleideconto@hotmail.com

Resumo

A ocorrência de escorregamentos pode resultar em consequências negativas aos ecossistemas e à sociedade. Na compreensão destes eventos, fotografias aéreas constituem um importante acervo para investigações multitemporais, possibilitando obter-se a precisão de coordenadas na superfície, desde que georreferenciadas e ortorretificadas. O objetivo principal deste trabalho é georreferenciar e ortorretificar fotografias aéreas e efetuar comparativos na aferição de geometrias e posicionamento de antigas cicatrizes de escorregamentos em encostas. A área de estudo é um recorte de 94 ha (0,94 km²) nas cabeceiras do rio Mãe Luzia, município de Treviso (SC), local com registros de escorregamentos em 1978. Para atingir o escopo, o georreferenciamento e edições das feições foram realizados com software de geoprocessamento, a ortorretificação com a Estação Fotogramétrica Digital do projeto E-Foto. O total em área das cicatrizes editadas na 1ª ordem polinomial contabilizou 5 hectares, na 2ª ordem 4,98, na 3ª ordem 5,14 e, após ortorretificação, 5,51 hectares. A variação altimétrica produziu maiores distorções entre locais de topografia deprimida e, após ortorretificação, houve uma correção geométrica dos polígonos editados, notadamente no fundo dos vales. Conclui-se que é importante não só georreferenciar, mas também ortorretificar fotografias antigas, que possuem uma grande quantidade de informações valiosas da paisagem pretérita.

Palavras-chave: Escorregamentos; Georreferenciamento; Ortorretificação

Abstract

The occurrence of landslides can result in negative consequences for the ecosystems and society. On the understanding of these events, aerial photographs constitute an important collection for multitemporal investigations, making it possible to obtain the accuracy of surface coordinates, since they are georeferenced and orthorectified. The main objective of this work is to georeferentiate and orthorectify aerial photographs and to make comparisons in the calibration of geometries and positioning of old scars of landslides on slopes. The study area is a detail of 94 ha (0.94 km²) of the headwaters of the Mãe Luzia River, municipality of Treviso (SC), site with landslide records in 1978. To reach the scope, the georeferencing and feature editions were performed with geoprocessing software and orthorectification with the Digital Photogrammetric Station of the E-Foto project. The total area of scars obtained in the first polynomial order was 5 hectares, in the second order 4.98, in the third order 5.14 and, after orthorectification, 5.51 hectares. The altimetric variation produced greater distortions between sites of depressed topography, after orthorectification, there was a geometric correction of the edited polygons, notably in the bottom of the valleys. It is concluded that it is important not only to georeferentiate, but also to orthorectify old photographs, which have a great amount of valuable information of the past landscape.

Keywords: Landslides; Georeferencing; Orthorectification

1          Introdução

Os escorregamentos em encostas podem resultar em riscos relevantes em várias partes do mundo (Del Soldato et al., 2018), acarretando consequências negativas para os ecossistemas naturais e a sociedade. Segundo Ludwig e Mattedi (2016), percebe-se, a nível mundial, que desde a década de 60 do Século XX tem aumentado o número de eventos dessa natureza, o que pode indicar duas diferentes causas: a intensificação das ocorrências ou maior capacidade de registro.

Atualmente, existem materiais e métodos adequados para investigar, mensurar e acompanhar a evolução destes escorregamentos. Fotografias aéreas antigas constituem um importante acervo para estudos em Cartografia, Geografia, Ciências Ambientais e áreas correlatas, ofertando um fiel retrato das condições espaciais numa determinada data (Brito et al., 2006), com um nível de detalhe passível de se tornarem informações componentes de um mapa temático. Essas fotografias são úteis para rápido reconhecimento, posicionamento e definição da precisão tridimensional de coordenadas na superfície (Karel et al., 2013), ou seja, um recurso para prospectar informações métricas, atualizar base de dados (Willneff e Poon, 2006), de maneira confiável.

É crescente e urgente a demanda para acurácia e identificação/calibração do zoneamento espacial destes locais com desastres proporcionados por escorregamentos (Van Den Eeckhaut et al., 2012). Uma metodologia consagrada para diagnóstico da suscetibilidade trata-se da modelagem determinística (Michel, Kobiyama e Goerl, 2012), que conjuga um modelo hidrológico com um modelo de estabilidade de encosta infinita. Um modelo pode contribuir para a predição de áreas de uma encosta que estão sujeitas a sofrer com escorregamentos, contudo, também apresentará limitações para locação destas áreas. Esta constatação reforça a importância desta proposição, uma vez que o inventário com o posicionamento acurado de antigas cicatrizes de escorregamento poderá calibrar/validar um modelo de estabilidade de encostas.

Verhoeven et al. (2010) ressaltam que milhões de fotografias aéreas são apenas armazenadas, onde sua informação pretérita pode (ou não) ser explorada eficientemente. Isso é lamentável, uma vez que a compreensão completa das paisagens pretéritas é baseada na combinação das evidências interpretadas de vários métodos de prospecção e, para serem úteis, conforme destacam Del Soldato et al. (2018), estas fotografias devem ser georreferenciadas e, se possível, também ortorretificadas.

Georreferenciar consiste em colimar pontos comuns em mapas e/ou fotos com pontos de controle e de verificação em campo (Oniga, Breaban e Statescu, 2018), estabelecendo uma relação entre imagens e sistemas de coordenadas de objetos (Verhoeven et al., 2010), sendo um pré-requisito necessário para qualquer tipo de mapeamento e integração de dados precisos. Zhu et al. (2008) retrataram a importância de obter informações acuradas, sendo o georreferenciamento um procedimento adequado para melhorar a confiabilidade, a consistência e a integridade destas informações.

Uma vez georreferenciada, uma fotografia aérea fornece dados para uma gama de aplicações, como o planejamento territorial (Verykokou e Ioannidis, 2016), análise mudanças paisagísticas (Faraji et al., 2016), movimentos de massa em encostas (Niethammer et al., 2012; Del Soldato et al., 2018) e arqueologia (Doneus et al., 2016), entre outros. O georreferenciamento, conforme Brovelli e Minghini (2012), permite integrar diretamente a cartografia histórica com todos os produtos atuais referenciados espacialmente. Contudo, Olsen e Stuedlein (2010) colocam que mensurações de distâncias, ângulos, geometrias e alinhamento de feições, tomadas de fotografias aéreas, mesmo georreferenciadas, sempre apresentarão distorções.

Por outro lado, imagens ortorretificadas possuem qualidade geométrica superior (Doneus et al., 2013) e apresentam-se em perspectiva ortogonal (Willneff e Poon, 2006), uma vez que vão além de correção planimétrica. Na ortorretificação existem desafios comuns e até adicionais ao georreferenciamento (Ladd et al., 2006), como: habilidades fotogramétricas (expertise), informações calibradas da câmera e um Modelo Digital de Superfície (MDS) preciso e de alta resolução. Estas três condições, geralmente, não são alcançadas em estudos fotogramétricos com imagens antigas.

Fato comum é que o georreferenciamento e a ortorretificação prescindem da escolha de Pontos de Controle (PC) de campo, o que constitui o maior gargalo das metodologias (Verhoeven et al., 2010), mas pode dirimir dificuldades no emprego de fotografias aéreas antigas. Oniga, Breaban e Statescu, (2018) recomendam que o uso de maior número de PC aumentará a precisão e diminuirá a Raiz do Erro Médio Quadrático (RMSE), sendo esta uma medida da diferença entre as coordenadas do PC e das coordenadas de saída de uma imagem, para o mesmo ponto (Morad, Chalmers e O’Regan, 1996), após a imagem ter passado por uma transformação.

Para Olsen e Stuedlein (2010), se georreferenciadas e ortorretificadas, fotografias aéreas antigas ofertarão representação tridimensional de cicatrizes de escorregamentos, não identificadas numa análise planar. Estes procedimentos podem ser executados num computador comum, com software específico, sendo que este conjunto desempenhará o papel de uma de Estação Fotogramétrica Digital (EFD).

Niethammer et al. (2012) fizeram esta aplicação ao analisar a geometria, a disposição e evolução de uma cicatriz de escorregamento na França, utilizando-se de imagens aéreas ortorretificadas. Os autores (op. cit) concluíram que podem ser obtidas ricas informações de escorregamentos com este ferramental, contudo, a premissa básica é que exista substancial diferença de forma, tamanho e posição em se quantificar uma edição realizada sobre uma feição georreferenciada, em relação à uma ortorretificada.

Diante da problemática de reportar corretamente as geometrias e aferições espaciais de cicatrizes de escorregamentos, um exemplo de aplicação correlata foi realizada no interior do município de Treviso (SC), através do estudo de centenas de cicatrizes, datadas em contextos temporais distintos, registrados por voos aerofotogramétricos pretéritos (Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul, 1978). Desta forma, este estudo tem como objetivo principal georreferenciar e ortorretificar fotografias aéreas antigas e efetuar comparativos na aferição da forma, tamanho e posição de antigas cicatrizes de escorregamentos em encostas, por meio do emprego de diferentes ordens polinomiais de georreferenciamento e da ortorretificação, utilizando-se de uma EFD.

1.1 Localização e caracterização da área de estudo

A área de estudo para aferição da forma, tamanho e posição (geometrias) de cicatrizes de escorregamentos possui 94 ha (0,94 km²) e constitui um recorte espacial selecionado por reunir vertentes íngremes com expressivos registros de cicatrizes de escorregamentos para o ano de 1978. Num espectro maior, este quadrante insere-se na nas cabeceiras do rio Mãe Luzia, que é um dos principais rios formadores da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, Estado de Santa Catarina. O local fica no interior do município de Treviso (Figura 1).

Figura 1 – Localização da área de estudo

Fonte: Autores (maio/2020)

A escarpa, na qual se situam os tributários do rio Mãe Luzia, é constituída por rochas sedimentares e, na parte superior, é sustentada por derrame basáltico. Nos locais de maiores declividades os solos tendem a ser rasos, ainda que capazes de sustentar uma vegetação de Floresta Ombrófila Densa, submontana e montana (Piazza et al., 2016), dado ao clima subtropical úmido. Associando-se as características fisiográficas das cabeceiras do rio Mãe Luzia, como: variada litologia, alta declividade (Figura 2), feições e orientação de vertentes, solo raso, com alta pluviosidade, pode-se inferir que esta área é suscetível à escorregamentos, destacando-se os translacionais, de contato solo-rocha.

Figura 2 – Aspecto do relevo escarpado na área de estudo e de uma cicatriz de escorregamento recente, no destaque

Fonte: Autores (04-05-2019)

2          Fotogrametria e Projeto E-Foto

A Fotogrametria, apesar de se basear em princípios geométricos simples (interseção de retas) e visão estereoscópica, para medições nas fotografias serem precisas, envolveram no passado uma tecnologia sofisticada em ótica, mecânica e, atualmente (Silva, 2015), utiliza métodos digitais avançados.

De acordo com Brito e Coelho Filho (2007), para ser passível de reportar uma informação com acurácia e precisão, conforme escala de interesse de estudo, imagens aéreas devem ser submetidas a uma série de operações, com emprego de técnicas fotogramétricas que envolverão a orientação interna da foto, ressecção espacial, fototriangulação, montagem de estereopar, extração e interpolação do Modelo Digital de Superfície (MDS), para então, ao fim, obter-se uma imagem ortorretificada, teoricamente em que os erros de posição, ou RMSE, devem ser mínimos.

Os maiores desafios em projetos que se utilizam de fotografias aéreas antigas são (Doneus et al., 2013): i) se estabelecer pontos de controle, ii) possuir software especializado, iii) ter experiência e habilidades fotogramétricas. Como resultado, milhões de fotografias estão atualmente armazenadas em arquivos que, muitas vezes, permitem apenas um acesso geométrico limitado das imagens. O mapeamento detalhado só pode ser usado quando as fotografias são georreferenciadas, ortorretificadas, interpretadas e mapeadas. Ladd et al. (2006) já diagnosticavam esta necessidade, em seu trabalho já constava a idealização de uma plataforma computacional educacional para georreferenciamento, ortorretificação e mosaicagem de imagens aéreas.

Uma EFD e programas de Fotogrametria digital são mais práticos e versáteis (Brito e Coelho Filho, 2007) do que os restituidores analógicos ou analíticos. Um exemplo desta praticidade é o Projeto E-Foto (Badolato e Aguiar, 2010), que oferece um conjunto simples de programas, congregando numa única estação de trabalho os objetivos do autoaprendizado e do software livre. Conforme Ribeiro et al. (2018) e Tramontina et al. (2017), o objetivo deste projeto é ofertar ambiente de aprendizado dos princípios de Fotogrametria, reunir os dados num e-book, além de disponibilizar código fonte. De acordo com Brito e Coelho Filho (2007), essa prática permitirá o aperfeiçoamento e até desenvolvimento recorrente de novos módulos.

3          Materiais e Métodos

O uso de fotografias aéreas antigas como componente de um Sistema de Informações Geográficas (SIG) requer que as mesmas tenham sido escanerizadas em alta resolução, com metadados (Karel et al., 2013), e que para estas fotos seja atribuída uma referência espacial. Para recobrir a área de estudo, como imagem base do contexto temporal escolhido, ano de 1978, foram usadas fotografias aéreas de números 18.486, 18.487, 18.488, 23.049, 23.051 e 23.073, de escala de voo 1:25.000, obtidas pelo Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul S.A. (1978). Todas as fotografias aéreas foram escanerizadas em 600 dpi (formato .tiff), posteriormente, georreferenciadas e ortorretificadas sobre a base cartográfica (SDS, 2011), no Datum horizontal SIRGAS 2000, Sistema de Projeção UTM, Meridiano Central 51º, Fuso 22 Sul.

Assim como em Faraji et al. (2016), neste trabalho propôs-se uma forma de ortorretificar e georreferenciar imagens sem a necessidade direta de se estabelecer PC manuais em campo. Para isso foi necessária boa imagem matricial de referência de base cartográfica, conhecida, aceita e validada (SDS, 2011). Contudo, em terrenos irregulares, os esforços de georreferenciar e ortorretificar, mesmo com muitos PC, não responderão plenamente (Niethammer et al., 2012), pelos desalinhamentos residuais, ciente que, em alguns casos, estes têm que ser aceitos. Assim como Brooks et al. (2008) e Del Soldato et al. (2018), buscou-se um RMSE aproximado de 5 pixels para a orto-imagem final e, para atingir este escopo, foram definidos 41 PC, sendo 2 dentro e 39 ao redor da área de estudo, Figura 3.

Figura 3 - Distribuição de Pontos de Controle em toda a área de estudo

Fonte: Autores (maio/2020)

Salvo alguns PC alocados em pontes, capela e edificações particulares, a maioria foi posicionada sobre feições geomorfológicas salientes, cruzamento de rios com controle estrutural, dada a paisagem natural da área, ou seja, únicas referências para colimação entre a foto antiga e a base recente. Como as informações dos PC estão bem distribuídas pela imagem, em locais de variadas cotas, pode-se esperar que esta disposição forneça medida de qualidade para o georreferenciamento e para a ortorretificação.

Na EFD, a etapa inicial de operacionalização do E-Foto consiste no gerenciamento de projetos, responsável pela criação, manutenção e integridade dos dados de entrada (Badolato e Aguiar, 2010), como amplitudes da área, localização, dados de câmera e certificados de calibração. A segunda etapa na EFD foi de proceder com a orientação interior, ou seja, realizou-se o referenciamento da imagem em relação à câmera (Tramontina et al., 2017), utilizando-se das marcas fiduciais. A terceira etapa, foi a orientação exterior, executada para cada uma das imagens em relação ao referencial do espaço-objeto (Silveira et al., 2011), obtendo-se coordenadas deste. Em seguida procedeu-se com a fototriangulação, para ajustamento das coordenadas dos centros de perspectiva e dos ângulos de altitude do sensor no momento da aquisição de cada uma das imagens que compõem um bloco fotogramétrico (Ribeiro et al., 2018), almejando-se a obtenção de coordenadas tridimensionais no espaço objeto (terreno), a partir do espaço imagem.

Estes três módulos iniciais do E-Foto permitiram posicionar adequadamente o espaço-imagem em relação ao espaço-objeto, pré-requisito para execução de outros módulos, como a restituição em 3D, que possibilitou representar a superfície do terreno num modelo estereoscópico. Já os módulos subsequentes desta EFD tiveram por finalidade extrair o MDS de um conjunto de imagens (Silveira et al., 2011), ou seja, o modelo de uma parte da superfície do terreno. Por fim, o módulo de ortorretificação (Tramontina et al., 2017) apresentou como saída uma orto-imagem (arquivos nomeados com extensão .Geotiff) que passou pelo processo de ortorretificação.

As geometrias das cicatrizes de escorregamentos foram digitalizadas sobre as fotografias de 1978, já georreferenciadas na 1ª, 2ª e 3ª ordens polinomiais (Brovelli e Minghini, 2012), na escala de 1:500, com o uso do software de geoprocessamento ArcGis® 10.2.1 (ESRI, 2013). Em comparação, as mesmas cicatrizes editadas em tela com o uso do ArcGis® foram editadas no E-Foto (Tramontina et al., 2017), sobre o raster ortorretificado (orto-imagem). Adicionalmente, a orto-imagem foi exportada no formato .Geotiff para o ArcGis®, sendo novamente interpretada. A versão utilizada no E-Foto foi a 2016.06.425, de junho de 2016.

A partir da aquisição destas informações foi elaborado um banco de dados geográfico em ambiente de SIG (ArcGis®) contendo todas as camadas temáticas, propiciando análises pareadas das diferenças de geometrias das mesmas cicatrizes de escorregamento (forma, tamanho e posição) que variam, se as fotografias fonte da informação temática são georreferenciadas em diferentes ordens polinomiais, ou também ortorretificadas.

4          Resultados

De início, no intuito de qualificar a digitalização das cicatrizes sobre as fotografias aéreas georreferenciadas, calculou-se a resolução espacial das fotografias a serem utilizadas, escanerizadas em 600 dpi, (Brooks et al., 2008), obtendo-se 1,058 m/pixel. Sendo assim, poder-se-ia admitir até 5,7 pixels como máximo deslocamento de um ponto de amarração para o georreferenciamento, para dirimir a RMSE. Assim, o erro aceitável no georreferenciamento, de acordo com a escala das fotos deste trabalho, 1:25.000, (Del Soldato et al., 2018) poderia ser de até 6,45 metros de deslocamento.

A etapa subsequente, para interpretação de antigas cicatrizes de escorregamentos na área de estudo, consistiu em compor um raster base com as fotografias aéreas antigas. Na associação de diferentes fotografias, a de número 18.486 ficou sobreposta às demais, pelo fato de recobrir grande parte do local (foto principal). Antes da digitalização das feições de escorregamentos fez-se o georreferenciamento deste conjunto de imagens, dispondo-se de 108 pontos de amarração, dentro e nas imediações da área de estudo, como podem ser visualizados aqueles que incidiram sobre a fotografia principal (Figura 4). Organizadas num ambiente SIG, as fotografias, fonte da informação temática de interesse (cicatrizes de escorregamento), foram georreferenciadas em diferentes ordens polinomiais.

Georreferenciando a fotografia aérea principal na 1ª ordem polinomial, mesmo com um rol numeroso de pontos e sua distribuição homogênea no espaço imagem, iniciando pelas bordas, obteve-se RMSE pronunciado, de 125,47, o que representa um deslocamento real de 141,98 m no terreno. Para a 2ª ordem polinomial obteve-se RMS de 83,02, o que representa um deslocamento de 93,94 m. Na 3ª ordem polinomial obteve-se RMS de 65,61, ou seja, 74,24 m.

Figura 4 – Área de estudo sobreposta nas fotografias antigas, com pontos de amarração para georreferenciamento

Fonte: Autores (maio/2020)

Como verificado na Figura 5, a menor acurácia no georreferenciamento desta área de estudo escarpada se dá na 1ª ordem polinomial e, espacialmente, no fundo do vale, na qual os deslocamentos orientam-se sistematicamente para noroeste, entretanto, diminuindo o deslocamento conforme se aumenta a ordem polinomial, sendo a posição acurada somente definida após ortorretificação. A área total em hectares (ha), para as cicatrizes editadas na área de estudo, na 1ª ordem polinomial, contabilizou 5 ha, na 2ª ordem 4,98 ha e na 3ª ordem 5,14 ha. A área das mesmas cicatrizes apresentou-se maior na ortorretificação, com 5,51 ha, sendo alterados, também, alguns contornos destes polígonos editados.

Figura 5 – Cicatrizes de escorregamentos em diferentes ordens polinomiais, ortorretificação e comparativos do posicionamento espacial. A seta no comparativo indica a rotação, pronunciada para noroeste no fundo do vale

Fonte: Autores (maio/2020)

Estes resultados de baixa acurácia no georreferenciamento corroboram as assertivas de Zhu et al. (2008) e Niethammer et al. (2012), de que locais com maiores amplitudes altimétricas apresentam enorme desafio em se obter georreferenciamento de alta qualidade, ou mesmo, ao que Olsen e Stuedlein (2010) relataram sobre as zonas de sombra, formadas nas áreas não iluminadas em fundos de vale, em que as distorções seriam aumentadas.

Pela ortorretificação houve correção ortométrica, notadamente no fundo do vale, deixando o eixo maior das cicatrizes alongado, a exemplo das situadas à direita da área de estudo, alinhadas NNE-SSO, e não NE-SO, como nos diferentes ajustes polinomiais executados no georreferenciamento. Maiores detalhes, que comparam a 1ª ordem polinomial (de menor ajuste) com a ortorretificação, são vistos na Figura 6.

No comparativo detalhado da Figura 6, fica claro que a variação altimétrica produz maiores distorções entre locais de topografia deprimida. Exemplos são as linhas “C” e “D”, indicativas da medida de deslocamento da cicatriz editada, na 1ª ordem polinomial e, posteriormente, ortorretificada. Enquanto D, em local elevado, apresenta deslocamento comparativo de 60,14 m entre a 1ª ordem polinomial e a edição feita sobre orto-imagem, em C, fundo do vale, o deslocamento registrado é de 125,57 m. Nos topos planares de elevações as geometrias editadas pouco se alteraram, se comparada a 1ª ordem polinomial e a ortorretificação, como exemplificado pelo círculo na Figura 6.

Como resultado final, verifica-se que a edição de cicatrizes de escorregamento sobre a orto-imagem apresenta a devida correção de rotação, translação e altimetria, um posicionamento espacial melhor acurado, ponderado pelos 41 PC, corrigindo deformações remanescentes nas fotografias georreferenciadas em diferentes ordens polinomiais.

Figura 6 – Comparativo de geometrias entre as mesmas cicatrizes georreferenciadas na 1ª ordem polinomial e ortorretificadas

Fonte: Autores (maio/2020)

5          Conclusões

O Estado de Santa Catarina tem histórico de ocorrência de desastres naturais, sendo que os esforços científicos, político-econômicos concentram-se na prevenção, mitigação e reestruturação dos atingidos, sendo poucos os estudos multitemporais que visam encontrar e pesquisar causas deflagradoras. Neste trabalho foram identificadas representativas cicatrizes de escorregamentos, o que corrobora a importância de se conhecer, entender para antecipar um possível desastre.

Para posicionar e dimensionar adequadamente as cicatrizes de escorregamentos fez-se o uso de técnicas de Fotogrametria em ambiente de SIG, para georreferenciar e ortorretificar as fotografias aéreas antigas. Os procedimentos se demonstraram úteis e complementares, contudo, a natureza fisiográfica da área de estudo, com cotas variáveis de 275 m a 1487 m, uma amplitude de 1212 m, influenciou no georreferenciamento e, consequentemente, na qualidade da obtenção de informações temáticas, a partir destas fotografias antigas.

Conforme aumentada a ordem polinomial se obteve um produto temático extraível da base (fotos) melhor acurado, entretanto, a ordem polinomial resultante depende estritamente da peculiaridade do mapa considerado, não sendo a priori definível. O georreferenciamento de dados obtidos em imagem não ortorretificada só pode fornecer resultados menos acurados e deve ser aplicado a áreas com terreno moderadamente plano. Resultados confiáveis somente puderam ser aferidos a partir da ortorretificação.

Outra conclusão do trabalho é a importância destas fotografias aéreas antigas, e dos procedimentos tratados nesse artigo, para elaboração de inventários de escorregamentos, que podem servir para calibração/validação de modelos de estabilidade de encostas. Desta forma, concluiu-se de maneira geral sobre a importância de se georreferenciar e ortorretificar fotografias antigas, que possuem uma grande quantidade de informações valiosas da paisagem pretérita de uma área, contudo, essas informações devem ser interpretadas com detalhe, coerência e acurácia, somente assim, poderão servir de subsídios a pesquisas neste campo de conhecimento.

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