Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e nat., Santa Maria, v. 42

Commemorative Edition: Statistic, e53, 2020

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40274

Received: 30/09/2019 Accepted: 28/02/2020

 

 


Bacharelado

 

A relação entre o número de internações por doenças respiratórias e variáveis climáticas em Santa Maria – RS

Relationship between the number of hospitalizations due to respiratory diseases and climate variables in Santa Maria, RS

 

Monica Cristina Bogoni Savian I

Luciane Flores Jacobi II

Roselaine Ruviaro Zanini III

 

I Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil. E-mail: monicabogoni@yahoo.com.br.

II Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: lucianefj8@gmail.com.

III Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: rrzanini63@gmail.com.

 

 

RESUMO

O presente estudo avaliou, via modelos lineares generalizados, a relação entre o número de internações hospitalares por doenças do aparelho respiratório e variáveis meteorológicas, com o propósito de identificar o modelo de regressão que melhor se ajusta aos dados, assim como realizar a previsão do número de internações por doenças respiratórias. Este é um estudo ecológico e descritivo, com uso de registros secundários públicos. Os dados referentes às doenças respiratórias, consideradas no presente estudo, foram obtidos no site do DATASUS, no período compreendido entre janeiro de 1998 e dezembro de 2014. As variáveis climáticas, empregadas como variáveis explicativas para a modelagem foram obtidas no site do INMET, mais especificamente do Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa.  A partir da avaliação realizada, pôde-se concluir que o modelo de regressão binomial negativo mostrou superioridade em relação ao modelo de regressão de Poisson, sendo o modelo de regressão final ajustado o log-linear binomial negativo. Os resultados mostram relação positiva entre as variáveis consideradas, no município, com aumento relativo esperado no número de internações por doenças respiratórias se for considerada a velocidade média do vento, a insolação total, a umidade relativa e a estação do ano.

Palavras-chave: Morbidade; Clima; Previsão.

 

ABSTRACT

The present study evaluated, through generalized linear models, the relationship between the number of hospital admissions for respiratory diseases and meteorological elements, in order to verify the regression model that best fits the data, as well as to predict the number of hospitalizations due to respiratory diseases. This is an ecological, descriptive study using secondary data, obtained from a public database. Data on respiratory diseases considered in the present study were obtained from the DATASUS website in the period from January 1998 to December 2014. The climate variables employed as explanatory variables for modeling the data were obtained from the INMET website, more specifically the Meteorological Database for Teaching and Research. From the realized evaluation, it was possible to conclude that the negative binomial regression model showed superiority in relation to the Poisson regression model, with the last regression model being the log linear negative binomial regression model.  The results show a positive relationship between the variables considered in the municipality. There is an expected relative increase in the number of hospitalizations for respiratory diseases if average wind speed, total sunshine, relative humidity and season are observed.

Keywords: Morbidity; Climate; Prediction.

 

1 INTRODUÇÃO

O impacto das condições climáticas na saúde humana é considerado um problema sério, principalmente, nas áreas urbanas. Muitos estudos avaliam a relação entre fatores meteorológicos como temperatura, umidade relativa do ar, precipitação, pressão atmosférica, insolação, direção, rajada e velocidade média do vento, ponto de orvalho máximo e mínimo com o número de internações por determinadas enfermidades (BOTELHO et al., 2003; GONÇALVES et al., 2005; COELHO et al., 2006; ROSA et al., 2008; NIEDERAURER, 2009; TELLES, 2011; SOUZA et al., 2012; AMORIM et al., 2013; ALMEIDA, 2014; SANTOS e TOLEDO FILHO, 2014) e com o número de óbitos (AZEVEDO, 2010; OMONIJO et al., 2011).

Os moradores das áreas urbanas convivem com as consequências e preocupações em relação a problemas respiratórios relacionados à qualidade do ar. As infecções nas vias respiratórias e os problemas respiratórios crônicos podem ser causados por mudanças de temperatura, aumento no número de veículos e exposição a partículas e agentes nocivos à saúde, entre outros aspectos (OJIMA, NASCIMENTO, AIDAR, 2006).

No intuito de verificar possíveis relações entre variáveis climáticas e problemas de saúde de populações, vários estudos desenvolvidos tiveram o propósito de estimar o número de internações hospitalares por determinada morbidade, sendo mais frequentes as doenças do aparelho respiratório. Destacam-se as pesquisas desenvolvidas por Botelho et al. (2003); Gonçalves et al. (2005); Coelho et al. (2006); Rosa et al. (2008); Azevedo (2010); Omonijo et al. (2011) Telles (2011); Amorim et al. (2013) e Almeida (2014) as quais visaram avaliar o número de internações por doenças respiratórias (principalmente asma e bronquite), com variáveis meteorológicas e/ou componentes relacionados à poluição atmosférica.

Além disso, alguns trabalhos realizaram modelagens matemáticas para tentar explicar o número de internações hospitalares em função de variáveis climáticas, como por exemplo, o trabalho desenvolvido por Telles (2011), o qual utilizou o modelo de regressão linear, para a série de 2004 a 2008 e, o modelo linear generalizado robusto, somente para o ano de 2004. Os resultados do estudo indicaram que as variáveis significativamente relacionadas às internações foram: a temperatura média compensada e a umidade relativa do ar.

Para estimar o número de casos por doenças respiratórias, em função de variáveis climáticas, Omonijo et al. (2011) utilizaram modelos lineares múltiplos. A variável doença foi relacionada com dois locais do estudo, Ile-Ife (zona de floresta úmida) e Ilorin (zona de savana) da Nigéria. Além deste, Azevedo (2010) também, por meio da regressão linear múltipla, investigou a relação de algumas morbidades com variáveis climáticas por estação do ano, observando que o aumento da poluição contribuiu para a observação de um maior número de casos por doenças respiratórias por asma/bronquite, durante o inverno, doenças cardíacas hipertensivas, na primavera, e insuficiências cardíacas no outono.

Ainda, os modelos lineares generalizados foram utilizados por Souza et al. (2012), para predizer as internações por doenças respiratórias em função de variáveis climáticas, sendo que o modelo múltiplo de regressão de Poisson foi o que melhor se ajustou aos dados considerados, indicando um risco para o aumento no número de hospitalizações de crianças, lactentes e adultos de acordo com o aumento ou a diminuição das temperaturas, umidade, precipitação, velocidade dos ventos e índice de conforto térmico na cidade de Campo Grande.

Em um estudo realizado com os registros do município de Santa Maria, no período de maio de 2005 a agosto de 2007, Niederaurer (2009) ajustou um modelo de regressão linear múltiplo para verificar a relação entre as variáveis climáticas e o número semanal de internações hospitalares por doenças respiratórias em crianças com menos de um ano, de um a quatro anos e adultos de 50 anos ou mais. Os resultados indicaram que as variáveis climáticas que mais se correlacionaram com o número de internações de crianças menores de um ano foram a velocidade do vento e ponto de orvalho mínimo, e com o número de adultos internados foi a direção do vento e o ponto de orvalho mínimo, não sendo possível determinar as variáveis correlacionadas com o número de crianças internadas de idade entre um e quatro anos.

O município de Santa Maria–RS, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), apresenta, regularmente, mudanças bruscas de temperatura, causando alteração no comportamento diário da população e, consequentemente, na saúde dos moradores.

Nesse contexto, este estudo tem o propósito de avaliar possíveis relações entre o número mensal de internações hospitalares por doenças respiratórias, registradas no município de Santa Maria, e as variáveis climáticas, além de estabelecer um modelo matemático que possa explicar estas possíveis relações.

 

2 MATERIAL E MÉTODOS

Este é um estudo ecológico e retrospectivo, realizado com informações referentes ao número mensal de internações hospitalares, por doenças do aparelho respiratório (variável dependente), considerando as pessoas residentes em Santa Maria-RS, município pertencente à 4ª Coordenadoria Regional de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. Os registros mensais foram obtidos no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), utilizando-se o aplicativo TabWin, considerando-se o período de janeiro de 1998 a dezembro de 2014, sendo o ano de 2014 utilizado para a validação do modelo e das  previsões.

As doenças do aparelho respiratório foram aquelas referentes ao Capítulo 10 (J00-J99), da Classificação Internacional de Doenças e problemas relacionados à saúde (CID - 10), no qual fazem parte: influenza (gripe), sinusite, asma, bronquite, pneumonia, rinite, entre outras.

Os registros mensais para as variáveis climáticas utilizadas como variáveis explanatórias (independentes) na modelagem foram obtidas no INMET, mais especificamente no Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa (BDMEP), cuja estação situa-se em Santa Maria, com latitude -29,7°, longitude -53,7° e altitude 103 m, também considerando o período de janeiro de 1998 a dezembro de 2014.

As variáveis, mensais, testadas nos modelos foram: (a) velocidade do vento média (vvm), em metros por segundo; (b) velocidade do vento máxima média (vvmm), em metros por segundo; (c) precipitação total (pt), em milímetros; (d) nebulosidade média (nm), em décimos, (e) temperatura máxima média (tmaxm), em graus Celsius; (e) temperatura compensada média (tcm), em graus Celsius; (f) temperatura mínima média (tminm), em graus Celsius; (g) evaporação piche (ep), em mililitros; (h) insolação total, em quilo joule por metro quadrado; (i) umidade relativa média (urm), em porcentagem; (j) estação do ano e (l) meses do ano.

O procedimento para o cálculo das variáveis climáticas citadas segue as normas estabelecidas pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e constam das “Normais Climatológicas 1961 - 1990”, publicadas em 1992 pelo INMET, então Departamento Nacional de Meteorologia.

Para a análise dos dados, foi realizada uma análise descritiva, na qual as variáveis quantitativas foram descritas por meio de média, mínimo, máximo, além do desvio-padrão (D.P.). Para o ajuste dos modelos lineares generalizados (MLG) foram considerados os modelos de regressão de Poisson e binomial negativo, devido a característica da variável dependente.

Os MLG propostos por Nelder e Wedderburn (1972) são uma extensão dos modelos clássicos de regressão. Eles mostram que uma série de técnicas estatísticas, comumente estudadas, podem ser formuladas de uma maneira unificada, como uma classe de modelos de regressão. Esses modelos envolvem uma variável resposta (dependente) univariada, variáveis explanatórias (independentes) e uma amostra aleatória de “n” observações independentes.

Com base na natureza dos dados e pelo intervalo de variação é feita a escolha da distribuição de probabilidade. No caso do presente trabalho, têm-se dados de contagem, ou seja, assumindo uma distribuição Poisson ou binomial negativa. O desenho do experimento é representado, matematicamente, pela matriz de covariáveis X, de dimensão n x p. A estrutura da distribuição de probabilidade e o problema a ser solucionado é o que definem a escolha da função de ligação.

Esses modelos são definidos pela equação: log (µ(yi)) = b0 + b1X1i  + b2X2i + ... + bpXpi , i = 1, ..., n. 

Para dados de contagem, o modelo principal se baseia na distribuição de Poisson (na forma canônica qi = log (µi)). Ele tem a característica de que E(Yi) = Var (Yi) = µi, ou seja, a média é igual a variância, conhecido como equidispersão. A suposição do modelo de regressão de Poisson é que a variância seja proporcional à média, no caso da variância ser maior que a média, ou seja, E(Yi) < Var (Yi), chamado de sobredispersão, o modelo binomial negativo é mais apropriado.

O método de estimação utilizado foi o de máxima verossimilhança, por ser um método que apresenta propriedades como consistência e eficiência assintótica, sendo implementado nos softwares estatísticos (OLIVEIRA, 2013).

Para verificar a adequação do modelo ajustado foi considerada a estatística de Deviance e o valor de AIC - Critério de Informação de Akaike (AKAIKE, 1974) sendo que, após o ajuste, a qualidade do modelo foi avaliada por meio da análise dos resíduos, incluindo os gráficos normais de probabilidade com envelopes simulados para a identificação da distribuição originária dos dados. Também foi realizada a busca por possíveis outliers [±2 desvios] e presença de observações influentes, considerando-se medidas de alavancagem (hii) e distância de Cook [D-Cook>1]. Para as análises utilizou-se a função GLM do software R (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2014).

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foram registradas 20.585 internações hospitalares por doenças do aparelho respiratório no município de Santa Maria, RS, com média mensal de 100,3 (D.P.=40,8) registros, no período de janeiro de 1998 a dezembro de 2014. O período com o maior número de registros de internação coincide com o inverno na região Sul, no qual são registrados dias de frio intenso, além de muita chuva e variações de temperatura. O maior (n=218) e o menor (n=19) número de registros ocorreram em julho de 2013 e janeiro-fevereiro de 2001, respectivamente. No verão foram observados menores números de internações, sendo o período onde ocorreram maiores temperaturas e menor umidade relativa do ar.

As estatísticas descritivas relativas às variáveis climáticas utilizadas neste estudo podem ser observadas na Tabela 1, na qual se verifica que ocorreu maior amplitude para a precipitação e a insolação total.

Verificou-se que, entre as temperaturas máximas, a média foi 25,5ºC (D.P.=4,4ºC) e, entre as mínimas, a média foi 14,7ºC (D.P.=3,9ºC), sendo a umidade relativa média registrada igual a 77,9ºC (D.P.=6,0ºC). As medidas máximas e mínimas observadas, normalmente, coincidem com as estações de frio (outono/inverno) e calor (primavera/verão) na região de Santa Maria.

Para o ajuste do modelo de regressão de Poisson observa-se na Figura 1(a), por meio do gráfico de probabilidade normal com envelopes simulados, que não houve um bom ajuste aos dados, pois ocorreram muitos pontos (resíduos) fora das bandas de confiança, sugerindo que a distribuição de Poisson não é apropriada para os dados em questão. Ainda, pode-se levar em consideração a ocorrência do fenômeno de sobredispersão, pois os resíduos estão cruzando o envelope gerado, o que também pode ser justificado pelo elevado valor do desvio     D*(y; ) = 1.553,5 (163 graus de liberdade).

 

Tabela 1 – Medidas descritivas das variáveis quantitativas utilizadas no estudo, no período de janeiro de 1998 a dezembro de 2014

 Variáveis

Média mensal

Desvio-padrão

Mínimo

Máximo

ni*

100,3

40,8

19

218

vmv

1,9

0,3

1,2

2,7

vmmv

6,6

2,2

3,6

16

Ep

87,2

33,4

23,6

184,1

Is

188,4

49,9

89,4

290,2

Nm

5,3

1,4

1,48

8,0

PT

144,1

80,6

13,4

489,9

tmaxm

25,5

4,4

16,6

33,4

tcm

19,3

4,2

10,5

26,2

tminm

14,7

3,9

6,1

22,0

urm

77,9

6,0

60,8

89,7

* ni = número de internações; vmv = velocidade média do vento; vmmv= velocidade máxima média do vento; ep = evaporação piche; is = insolação total; nm =  nebulosidade média; pt = precipitação total; tmaxm =  temperatura máxima média; tcm = temperatura compensada; tminm = temperatura mínima média; urm = umidade relativa

 

Sendo assim, ajustou-se outro modelo, supondo que a variável resposta segue uma distribuição binomial negativa. O gráfico de probabilidade normal com envelopes simulados para o ajuste deste modelo é apresentado na Figura 1(b). Observa-se que todos os pontos (resíduos) estão dentro ou sob as bandas de confiança do envelope gerado, e que o valor do desvio é de D*(y; ) = 181,61 (171 graus de liberdade), indicando um ajuste mais adequado, confirmando a superioridade do modelo de regressão binomial negativo em relação ao de regressão de Poisson. Em estudo realizado por David e Ferrari (2001), com o objetivo de analisar o número de atendimentos pediátricos de emergência por causas respiratórias e os níveis de poluição atmosférica na cidade de São Paulo, também foi constatado que o modelo de regressão binomial negativo foi mais apropriado do que o modelo de regressão de Poisson, nos casos em que a média é maior que a variância, ou seja, na presença de sobredispersão.

 

Figura 1 – Gráficos de probabilidade normal com envelopes simulados, para os dados referentes ao número mensal de internações hospitalares por doenças respiratórias, referentes aos modelos de regressão, figura 1(a) log-linear de Poisson e figura 1(b) log-linear binomial negativo

(a)

(b)

 

 

                                   

O mesmo ocorreu no estudo realizado por Oliveira (2013), onde foi analisado o número de casos de infecções de ouvido em recrutas em relação ao hábito de nadar, o local onde costumava nadar, a faixa etária e o sexo. Neste estudo foi observada a ocorrência de sobredispersão, e o modelo de regressão binomial negativo se mostrou superior quando comparado aos modelos de regressão linear normal e de Poisson.

Entretanto, em seu estudo Souza et al. (2013) utilizaram variáveis climáticas como temperaturas e umidades máximas e mínimas, índices de Conforto Térmico Humano (CTH), velocidade dos ventos, precipitação e níveis de concentração de ozônio, para investigar os efeitos causados pela poluição atmosférica na morbidade por doenças respiratórias em crianças, entre os anos de 2005 e 2008 no município de Campo Grande-MS. O modelo mais apropriado foi o modelo múltiplo de regressão de Poisson, diferindo do resultado encontrado no presente estudo.

Na Tabela 2 são apresentadas as estimativas de máxima verossimilhança para os coeficientes referentes ao modelo de regressão binomial negativo ajustado, bem como o erro padrão e a significância, com valor de AIC igual a 1.732,7, sendo este o menor valor encontrado entre os modelos testados. As variáveis significativas, presentes no modelo foram: vvm, is, pt, tcm, urm e est.

 

Tabela 2 – Estimativas dos parâmetros referentes ao modelo de regressão binomial negativo ajustado

Coeficientes

Estimativa

Erro-padrão

p-valor

Intercepto

2,9193

0,9058

0,0013

vmv*

0,2608

0,0919

0,0046

is

0,0023

0,0009

0,0142

pt

-0,0009

0,0003

0,0057

tcm

-0,0414

0,0098

2,32E-05

urm

0,0193

0,0084

0,0212

est

0,0778

0,0294

0,0081

* vmv = velocidade média do vento; is = insolação total; pt = precipitação total; tcm = temperatura compensada; urm = umidade relativa; estação do ano.

 

Efeitos semelhantes ao observado no presente estudo foram obtidos em estudos realizados em diferentes estados brasileiros. A associação entre variáveis climáticas e o número de internações hospitalares por doenças respiratórias foram significativas em Brasília (COELHO, 2006; ALMEIDA 2014), no Rio Grande do Sul (NIEDERAURER, 2009; AZEVEDO, 2010; LAZZARI, 2013), em Alagoas (SANTOS, TOLEDO FILHO, 2014), em Mato Grosso (BOTELHO et al., 2003), na Bahia (TELLES, 2011) e em Mato Grosso do Sul (SOUZA et al., 2012).

Não só as variáveis climáticas são citadas como correlacionadas com o número de internações como, também, os poluentes atmosféricos se mostraram fatores de risco para o aumento do número de internações por doenças respiratórias (CASTRO et al., 2009; AZEVEDO, 2010; SOUZA et al., 2013; LAZZARI, 2013; PINHEIRO et al., 2014; DAPPER, 2016). Além disso, foi associada aos elementos do clima e poluentes a internação por outras doenças, tais como as cardiovasculares (AZEVEDO, 2010; SOUZA et al., 2012; PINHEIRO et al., 2014) e esquistossomose, insuficiência cardíaca e leptospirose (SANTOS, TOLEDO FILHO, 2014).

A variável estação do ano, assim como em outras pesquisas (BOTELHO et al., 2003; AMORIN et al., 2013) também apresentou uma contribuição significativa no aumento do número de internações hospitalares por doenças respiratórias, cerca de 8%. Foram observadas no município e, em todo o estado do Rio Grande do Sul, temperaturas próximas a zero grau no inverno, chegando a 40°C no verão. Como foi observado, é no inverno que o número de internações tende a aumentar devido à ocorrência de baixas temperaturas o que causa mudanças na rotina e na saúde da população.

A presença de outliers em Y pôde ser verificada por meio da análise de resíduos studentizados e padronizados do modelo selecionado. Foram estabelecidos limites de -2 a 2 desvios padrões. Algumas observações encontraram-se fora dos limites estabelecidos, sendo as mesmas identificadas e compreendem os meses em que houve um número mensal de internação hospitalar muito alto ou muito baixo. Por exemplo, no mês de março de 2009, ocorreram 38 internações hospitalares por doenças respiratórias, sendo que a média mensal foi de 100,34 internações. As observações que se encontraram fora dos limites estabelecidos e foram retiradas do modelo, sendo a estimação realizada novamente. Entretanto, não foram observadas alterações importantes nas estimativas, optando-se por deixá-las no modelo. 

Após a análise de diagnóstico de adequação do modelo selecionado, verificou-se que não havia outliers nem pontos influentes. Além disso, pela análise de resíduos, observou-se que todos os pressupostos exigidos pela metodologia utilizada foram atendidos.        

Na Figura 2 tem-se o gráfico dos valores observados com os valores ajustados, observando-se que, em geral, o modelo se ajustou bem aos dados.

 

Figura 2 – Gráfico dos valores observados e valores ajustados pelo modelo de regressão binomial negativo

 

O modelo de regressão final ajustado foi o log-linear binomial negativo, dado por:

Pode-se inferir sobre o modelo, mantendo as covariáveis constantes, que 30% ( 1,30) é o aumento relativo esperado no número mensal de internações hospitalares por doenças respiratórias se for observada a velocidade média do vento; 0,2% (1,002), se for observada a insolação total; 2% (  1,02), se for observada a umidade relativa e 8% ( 1,08), se for observada a estação do ano. Entretanto, ocorre um decréscimo de 0,09% ( 0,9991), se for observada a precipitação total e de 4% ( 0,9595), se for observada a temperatura compensada média.  Os resultados encontrados, no presente estudo, mostram que houve um aumento no número de internações por doenças respiratórias na população residente em Santa Maria quando foi considerada a velocidade do vento média e a umidade relativa do ar. Esses resultados são semelhantes aos do estudo de Souza et al. (2012), realizado na cidade de Campo Grande-MS, que estudou a relação entre o número de internações por doenças do aparelho respiratório em crianças, lactentes e adultos com as variações meteorológicas. Em seu estudo foram utilizados dados diários de internações por doenças respiratórias, precipitação, temperatura do ar, umidade e velocidade dos ventos entre 2004 e 2008. Os resultados da pesquisa indicaram que há um aumento no número de hospitalizações de crianças, lactentes e adultos de acordo com o aumento ou a diminuição das temperaturas, umidade, precipitação, velocidade dos ventos e índice de conforto térmico.

 

Tabela 3 – Valores observados Y, estimados  e resíduos, segundo o modelo de regressão log linear binomial negativo para o ano de 2014

Mês

*obs.

* est.

||

Janeiro

94

80,12

|13,88|

Fevereiro

65

87,13

|-22,13|

Março

107

90,50

|16,50|

Abril

102

108,59

|-6,59|

Maio

130

105,81

|24,19|

Junho

169

123,01

|45,99|

Julho

172

128,45

|43,55|

Agosto

130

130,20

|-0,20|

Setembro

116

118,33

|-2,33|

Outubro

117

100,29

|16,71|

Novembro

96

107,81

|-11,81|

Dezembro

71

67,20

|3,8|

Obs.=observado; est.=estimado

 

Lazzari (2013) realizou um estudo entre os anos de 2005 e 2006 na cidade de Porto Alegre onde foi analisada a relação entre as concentrações de poluentes e suas consequências para a saúde, não só nas internações em geral, mas também no número de internações de crianças e de idosos. O estudo utilizou o ajuste por regressão linear múltipla, regressão logística e por modelos lineares generalizados, mais especificamente o ajuste pelo modelo de regressão de Poisson, o qual se mostrou superior aos demais. As variáveis climáticas utilizadas no modelo, para explicar o número de internações por doenças respiratórias foram a temperatura, a umidade relativa e também poluentes atmosféricos. O resultado obtido foi de que a temperatura do ar apresenta uma influência negativa no número de internações coincidindo com o encontrado no presente estudo, mas a influência positiva da umidade relativa encontrada aqui difere do estudo de Lazzari (2013). Isso pode ser explicado devido ao fato de serem consideradas diferentes covariáveis em cada estudo, por exemplo, dados de poluentes atmosféricos.

Na Tabela 3 apresentam-se as previsões para o ano de 2014, bem como o valor dos desvios absolutos (Y- . A média dos desvios foi de 17,31, sendo que os maiores desvios observados foram nos meses de maio (24,19), junho (45,99) e julho (43,55). Isso pode ser explicado pelo fato de serem os meses do ano mais frios na região, nos quais há um aumento no número de internações hospitalares, sendo que o modelo não foi tão eficiente para estimar tais valores com precisão. Em contrapartida, em outros meses analisados, os desvios foram menores. O valor do coeficiente de determinação generalizado para o modelo ajustado foi de 0,4420, ou seja, 44,20% da variação do número de internações hospitalares por doenças respiratórias é explicado pelas variações da velocidade do vento média, insolação total, precipitação total, temperatura compensada média, umidade relativa e estação do ano.

 

4 CONCLUSÕES

Conclui-se, por meio do presente estudo, que o modelo de regressão de Poisson utilizado por se tratar de dados de contagem e por ser um modelo usual para o conjunto de elementos considerados, não se ajustou bem ao conjunto de dados, apresentando características de sobredispersão. Neste caso, utilizou-se o modelo de regressão binomial negativo que forneceu indícios de um ajuste mais adequado quando apresentado o gráfico de probabilidade normal com envelopes simulados.

A escolha do melhor modelo se deu pela análise de diagnóstico mostrando que não houve pontos aberrantes. Com o resultado do modelo escolhido pôde-se observar que as variáveis climáticas tem relação com o número de internações hospitalares por doenças respiratórias na cidade de Santa Maria.

Espera-se um aumento relativo no número mensal de internações por doenças respiratórias se forem observadas as variáveis: velocidade do vento média, insolação total, umidade relativa e estação do ano, enquanto que um decréscimo relativo é esperado no número mensal de internações se forem observadas as variáveis: temperatura compensada média e a precipitação total. Pôde-se verificar também a previsão para o ano de 2014 que mostra que o modelo conseguiu estimar relativamente bem o número de internações por doenças respiratórias no ano que segue.     

Recomenda-se, para trabalhos futuros, a fim de analisar o número de internações hospitalares por doenças respiratórias, a inclusão de covariáveis tais como sexo, faixa etária e alguns tipos de poluentes. Essas covariáveis foram incluídas em alguns estudos encontrados na literatura e observou-se que grupos de crianças e idosos são mais vulneráveis às mudanças climatológicas. Uma análise de poluentes com as variáveis climáticas pode proporcionar melhorias no ajuste do modelo explicativo para o fenômeno em questão. Além disso, sugere-se o ajuste de modelos GARMA para séries temporais, na presença de autocorrelação dos resíduos.

Por fim, destaca-se que os resultados encontrados podem ser utilizados como subsídio para a discussão de estratégias de redução do número de internações por doenças respiratórias, beneficiando, com isto, a população residente no município de Santa Maria.

 

REFERÊNCIAS

AKAIKE H. A new look at the statistical model identification. IEEE Transactions on Automatic Control 1974; 19(6):716-723.

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AMORIM JRG, OLIVEIRA MA, NEVES D, OLIVEIRA GP. Associação entre variáveis ambientais e doenças respiratórias (asma e bronquite) em crianças na cidade Macapá-AP no período de 2008 a 2012. Planeta Amazônia: Revista Internacional de Direito Ambiental e Políticas Públicas 2013; 1(5):141-153.

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