Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: 40 anos, e50, 2020

DOI:10.5902/2179460X39974

ISSN 2179-460X

Received 12/09/19   Accepted: 14/10/19  Published: 30/12/20

 

 

40 years - anniversary

 

A construção de uma estrutura curricular flexível: uma análise a partir da Matriz do Saber

 

The construction of a flexible curricular structure: an analysis by means of the Matrix of Knowledge

 

Hugo Emmanuel da Rosa CorrêaI

Sergio Mello ArrudaII

Marinez Meneghello PassosIII

 

I   Instituto Federal do Paraná, Jacarezinho, Brasil - http://orcid.org/0000-0002-2231-257X - hugo.correa@ifpr.edu.br

II  Universidade Estadual de Londrina: Londrina, PR, BR - https://orcid.org/0000-0002-4149-2182 - sergioarruda@uel.br

III  Universidade Estadual de Londrina: Londrina, PR, BR - https://orcid.org/0000-0001-8856-5521 - marinezpassos@uel.br

 

 

RESUMO

O presente artigo tem como escopo analisar o processo de mudança curricular em uma instituição que optou pela alteração de um modelo curricular estático por um currículo flexível, no qual o estudante tem possibilidade de escolher as Unidades Curriculares que pretende cursar. Para conseguir atingir esse objetivo o caminho metodológico seguido foi pela abordagem qualitativa, com viés fenomenológico, submetendo as atas das reuniões da comissão de currículo aos procedimentos da análise textual discursiva e, posteriormente, categorizando os excertos unitarizados em um instrumento de análise apropriado para mapear as relações com o saber, a Matriz do Saber. Chegou-se à evidência de quais relações com o saber destacaram-se mais ao longo do processo de construção e implantação da nova estrutura curricular, bem como ao entendimento de que as relações com o saber são dinâmicas mostrando mudanças durante o percurso flexibilizado proposto pela instituição.

Palavras-chave: Relação com o saber. Matriz do Saber. Currículo. Mudança curricular.

 

 

ABSTRACT

This article aims to analyze the process of curriculum change in an institution that has chosen to change a static curriculum model by a flexible curriculum, in which the student has the possibility to choose the Curricular Units that they intend to attend. To achieve this objective the methodological path followed was the qualitative approach, with phenomenological bias, submitting the minutes of the meetings of the curriculum committee to discursive textual analysis and later categorizing the unitarized excerpts in an instrument of analysis of relations with knowledge, named Matrix of Knowledge. It was realized that relationships with knowledge became more evident during the process of construction and implementation of the new curricular structure, as well as the understanding that relations with knowledge are dynamic showing changes during the proposed course of change by the institution.

Keywords: Relationship with the knowledge. Matrix of Knowledge. Curriculum. Curriculum change.

 

 

1 INTRODUÇÃO

Recentemente, por conta das mudanças propostas no formato e organização curricular do Ensino Médio, muitas discussões têm surgido, nas quais o foco principal é o currículo. Entre elas destacamos, principalmente, a preocupação de docentes e gestores com a adequação à mudança curricular proposta pelo governo federal. Tais preocupações são relevantes e podem ser minimizadas conhecendo como os envolvidos no processo se relacionam com o saber diante de uma ampla mudança.

Considerando a situação exposta anteriormente, neste artigo propomo-nos a compartilhar um estudo realizado em uma instituição de ensino que passou por um amplo processo de alteração na organização curricular. Tal modificação foi acompanhada desde o princípio por uma comissão que estabeleceu as diretrizes e acompanhou o processo de implantação do novo currículo.

Mediante a análise das atas das reuniões da comissão de currículo, intentamos compreender como esta mudança na estrutura e organização curricular engendra relações com o saber e de que forma estas relações são construídas continuamente, possibilitando, assim, reflexões a respeito dessas situações cada dia mais presentes em ambientes escolares.

A fim de esclarecer como isso ocorreu e como as análises foram realizadas estruturamos o texto em seções. Após esta introdução, trazemos resumidamente comentários relativos aos referenciais teóricos que nortearam este movimento investigativo; em seguida, apresentamos as opções metodológicas que foram utilizadas; na sequência, trazemos detalhes relativos aos dados que passaram a compor o corpus[1] de pesquisa, em que se descreve a quantidade de reuniões, de unidades de análise resultantes do processo de unitarização e de sujeitos envolvidos; posteriormente, em outra seção, foram expostos os procedimentos analíticos, pautados na análise textual discursiva, com a adoção de categorias a priori presentes no instrumento denominado Matriz do Saber (M(S)) e no qual foram acomodados os fragmentos unitarizados; na última seção, concluímos o artigo focando nossas atenções nas nove células da M(S).

 

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO: ALGUNS DESTAQUES

A condição essencial para estabelecer um debate sobre currículo é perceber a ressignificação pela qual esse tema tem passado ao longo do século XX e as abordagens que vêm sendo utilizadas para os estudos na área.

Comumente tem-se considerado currículo a estruturação de conteúdos a serem estudados em determinado segmento escolar, normalmente disposto de forma sequencial e apresentado nos planos de curso em formato de tabela, nominada na maioria das vezes por matriz curricular ou estrutura curricular. Esse entendimento, embora frequente, acaba por promover uma significativa simplificação do tema e oculta suas múltiplas implicações relacionadas ao estabelecimento de currículos.

Vários estudos têm demonstrado que as políticas curriculares não são apenas de organização de conteúdos, elas contemplam algo maior, como a determinação das características da sociedade futura. Como destacado por Silva (2000a), quando argumenta que o campo de estudos sobre currículo traz o princípio da discussão sobre o que as gerações futuras deveriam saber e quais as implicações destes conhecimentos para a organização social, pautando-se no livro de Bobbitt (2004) – The Curriculum – publicado originalmente em 1918.

Naquele contexto, do início do século passado, os Estados Unidos da América passavam por um amplo processo de mudanças que envolvia o crescimento acelerado dos centros urbanos, a intensa imigração de povos de diversas nacionalidades, transformando as cidades, agora centros da vida, em núcleos de intensa heterogeneidade. Desta forma era importante que as escolas, e notoriamente os currículos, fossem responsáveis por estruturar uma sociedade mais homogênea e ao mesmo tempo manter a identidade nacional (SILVA, 2000a). Fatos que nos apontam que existe muito mais no currículo do que apenas uma listagem de saberes a serem aprendidos.

Embora várias discussões tenham ocorrido, foi apenas nos anos 60, daquele século, que os modelos curriculares tecnocráticos foram questionados, fenômeno que ficou conhecido por Teorias Críticas do Currículo (SILVA, 2000a). Trabalhos como de Bourdieu e Passeron (2008), Althusser (1970), Freire (1987), entre outros, começaram a destacar certa desconfiança a respeito das estruturas curriculares e a enxergar nelas mecanismos de controle e exploração das camadas mais pobres da sociedade.

Ainda, no âmbito das Teorias Críticas surgiram autores que abordaram as características culturais dos currículos, integradas às mudanças teóricas e conceituais da área de Ciências Humanas, o que levou ao surgimento das Teorias Pós-Críticas sobre o currículo (SILVA, 2000a), as quais indicavam nos arranjos curriculares a existência de elementos de homogeneização cultural. O que conduzia a uma abordagem multiculturalista nos currículos, e nos quais deveriam ser inseridos destaques e discussões sobre: o papel da mulher; a diversidade racial; Teoria Queer[2].

Fica perceptível, a partir desta exposição inicial, que as discussões sobre currículo têm evoluído no sentido de transcender a visão simplista de grades e matrizes curriculares para a perspectiva do currículo como cerne da organização escolar.

Quando se afirma que o currículo é um campo de batalha (SACRISTÁN, 2013) ou um território em disputa (ARROYO, 2011), tem-se em mente uma rede de tensões instituída entre os variados atores que vivenciam práticas curriculares, e, por conseguinte, objetivam a mudança de um currículo como prescrição para um currículo como narração (GOODSON, 2008).

Torna-se importante ressaltar que esta visão de currículo como uma narrativa, uma prática de significação (SILVA, 2000b), desloca a perspectiva da construção ou remodelamento dos currículos para um campo completamente novo, pois lança o seguinte questionamento: Qual tipo de arranjo curricular seria adequado às novas demandas sociais, observando as diversidades culturais, identitárias, de gênero, que não servissem como elemento homogeneizador, garantindo as diferentes temporalidades e individualidades no processo de aprender?

Deste modo, não seria equivocado dizer que a instituição pesquisada, ao elaborar uma estrutura curricular flexível, na qual o estudante poderia engendrar sua trajetória acadêmica, escolhendo o que estudar, parece ter optado por uma perspectiva curricular que se associa à noção de currículo como narrativa, considerando o estudante como ativo no processo de construção curricular. Pois, considerar a formação de um tipo de pensamento crítico, que atenda às demandas da sociedade atual, não parece ser exequível a partir de uma estrutura curricular estanque e rígida (SACRISTÁN, 2013). Como afirma Santomé (2013), em uma sociedade de rede, como vivemos atualmente, é necessária a percepção da existência de estruturas deveras flexíveis, e é imperioso perceber que a escola precisa dialogar com a sociedade, preparando os estudantes para a mutabilidade e a imprevisibilidade.

O que nos leva a considerar que o processo de construção de uma estrutura curricular inovadora parece ser um terreno fértil para pesquisar, buscando compreender como os personagens implicados no processo se relacionavam com este saber em construção.

 

 

3 METODOLOGIA E SEUS PROCEDIMENTOS

O aporte metodológico utilizado para análise dos dados faz parte das abordagens qualitativas, uma vez que tais abordagens possuem capacidade mais refinada de entendimento das pluralizações que compõem o mundo (FLICK, 2009), em especial no que tange ao universo educacional, que é multifacetado e intrincado. Da mesma forma converge-se para as reflexões de Minayo (2009), considerando que a pesquisa qualitativa busca captar a realidade social, impregnada de representações, símbolos, significados e crenças.

Uma das abordagens da pesquisa qualitativa utiliza o viés fenomenológico, que pode ser entendido como uma tentativa de “compreender o significado que os acontecimentos e interações têm para pessoas vulgares, em situações particulares” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.53), ou seja, busca-se compreender a malha das relações que se estabelecem entre as pessoas nas circunstâncias em que elas agem e vivem. A decomposição do termo fenomenologia (fainómenon e logos) mostra-nos o significado intrínseco do termo, uma vez que fainómenon significa mostrar, exibir aquilo que é, e logos é o estudo, explicação do discurso relacionado àquilo que se mostra (BICUDO, 1994).

Neste viés metodológico compreende-se que:

[...] a realidade, porém, o que é, emerge da intencionalidade da consciência voltada para o fenômeno. A fenomenologia, assim, aceita um fenomenal que não questiona, uma vez que nunca é vislumbrado; mas interroga o fenômeno, o que é experienciado pelo sujeito voltado autenticamente para o que se mostra. (BICUDO, 1994, p.18)

Em outros termos, não se consegue captar o fenômeno, mas os indícios dos fenômenos, a partir dos sujeitos que os vivenciaram e experienciaram a existência do fenômeno. Segundo Fini (1994), em especial no campo da Educação, não é possível interrogar a aprendizagem, ou o ensino, mas sim o sujeito que participou deles, do fenômeno vivido. Os dados da pesquisa fenomenológica são, desta forma, as experiências vivenciadas e registradas pelos sujeitos.

Obtidos os dados, das vivências dos sujeitos que experimentaram o fenômeno, eles são analisados sob a metodologia da análise textual discursiva, por meio de uma leitura flutuante dos mesmos, e, posteriormente, de sua fragmentação, criando-se, assim, unidades de análise, que na continuidade são agrupadas em categorias a priori ou emergentes, as quais se tornam a pauta de um processo de meta- -análise que resultará na elaboração de um metatexto (SOUSA; GALIAZZI, 2016, 2017; MORAES; GALIAZZI, 2011).

Por fim, utilizou-se como ferramenta de categorização a Matriz 3x3, que surge em meio às discussões no grupo de pesquisa EDUCIM[3], que consideraram o que afirma Charlot (2000), quando indica que o saber se dá a partir de um conjunto de relações. Baseados nesta ideia, AUTOR 1 (2011) afirmam que estas relações são epistêmicas, pessoais e sociais e criam um instrumento de análise no qual se combinam essas três dimensões do saber com significantes descritos por Chevallard (2005), no que denomina por sistema didático.

A partir de então este instrumento de análise, a Matriz 3x3, passou a ser amplamente utilizada como referência para diversos estudos, tais como: AUTOR 2 (2014); AUTOR 3 (2015); AUTOR 5 (2017); AUTOR 6 (2017) e AUTOR 7 (2018). Recentemente, AUTOR 4 (2017) sistematizaram esses estudos e resultados de pesquisa, ampliando-os para em três Matrizes: a do professor (M(P)), do estudante (M(E)) e do saber (M(S)).

Como indicado anteriormente, para o que desenvolvemos nesta investigação, foi utilizada a Matriz do Saber (M(S)), uma vez que:

[...] o saber deve ser entendido como algo que pode exercer alguma influência sobre o funcionamento da sala de aula, tal como o currículo de um curso, uma ementa de uma disciplina, um experimento, um instrumento, um equipamento, dentre outras possibilidades. (AUTOR 4, 2017, p.111)

Em síntese, assumindo que a pesquisa realizada é de cunho qualitativo, com abordagem fenomenológica para a análise de documentos institucionais, e que foram sujeitos aos procedimentos da análise textual discursiva, tendo por pauta as nove células da M(S) como categorias a priori, trazemos na próxima seção a apresentação dos dados, com algumas interpretações realizadas e exemplificadas.

 

 

4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS

A instituição em questão faz parte da Rede de Institutos Federais, no Estado do Paraná. Seus gestores e professores passaram o ano de 2014 discutindo a implantação de uma estrutura curricular que permitisse aos estudantes do Ensino Médio integrado escolher o que estudar. Resultados que foram implementados no ano de 2015 e continuam em vigor até o presente momento[4].

A estrutura criada possibilita aos estudantes construir seus itinerários formativos, escolhendo cursar Unidades Curriculares que tenham vinculação com sua história de vida, com o momento presente e com as perspectivas de futuro que cada um deles possua. Minimiza-se, desta forma, o efeito de um currículo homogeneizador, que não respeita as diferenças entre os sujeitos.

Contudo, o processo de mudança, por ser contínuo, carece de acompanhamento constante pela gestão e pelos docentes, que constituíram uma comissão para acompanhar o processo e decidir, quando necessário, os melhores caminhos a seguir. Para registrar tais acontecimentos e encaminhamentos foram elaboradas atas a partir do segundo semestre de 2014, quando já era clara a possibilidade de realizar a mudança curricular. Todas as atas de reuniões das comissões de currículo dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 foram disponibilizadas pela instituição para a realização deste estudo e investigação.

O quadro seguinte detalha as características principais dos documentos que compuseram o corpus desta pesquisa. Na primeira coluna temos a quantidade de atas ano a ano e a numeração atribuída a cada uma delas; na segunda coluna os anos relativos às atas; na terceira coluna a quantidade de excertos que foram considerados para alocação na M(S) e, por fim, na quarta coluna as pessoas que relataram algo considerado por ‘relação com o saber’, em que P indica que são professores e T indica que são técnicos administrativos, indexados a uma numeração e os identifica anonimamente.

Quadro 1 – Detalhamento do corpus de pesquisa e dos sujeitos de pesquisa

Ata

Ano

Quantidade de excertos

Sujeitos que se pronunciaram

1

2014

2

P1

2

10

P2, P3, P4, P5, P2

3

12

P1, P7, T1, P9, P10, P2, P10

4

9

P2, P11, P12

5

4

P1, P3, P13

6

32

P3, P1, P14, P13, P15, P11, P16, P12, P3, P17, P18, P8, T2

1

2015

17

P2, P14, P19, P11, P20, P17, P3, P21, P22, P23

2

18

P2, P14, P13, P11, P15, P4, P19, P9, P4

3

18

P2, T3, P3, T4, P11, T5

4

11

P11, P2, P6, P17, P3, P14, P19

5

35

P2, P11, P19, P6, P11, P24, P11, P13, P25

6

37

P11, P2, P21, P19, P26, T6

7

19

P11, P26, P21, P2, P19, P24

8

31

P11, P24, P3, P24, T6, P21, T7, P2

1

2016

66

P19, P27, P24, T2, P21, P16, T7, P28, P2, P29, P23, T8, T6, P11, T8, P25

2

35

P19, P29, P28, P11, T8, T2, P3, P24, P16, P2, P30

3

37

P16, P24, P30, P29, P2, P3, P27, P28

4

35

P24, T9, P2, P31, P16, P30, P25, P19, T9

5

36

P2, P19, P3, P11, P24, T10, T9, P30, P31, P16

6

38

P11, P16, P19, P2, P21, P3, P30, T11, T7, T9

7

34

P11, P16, P19, P2, P21, P24, P28, P30

8

27

P11, P16, P19, P24, P25, P3, P30, P31, P32

9

45

P16, P19, P24, P25, P28, P30, P32, P33, P34, T7

1

2017

 

39

P16, P24, P28, P30, P32, P34

2

12

P19, P28, P30, P33, P6

3

28

P16, P19, P24, P28, P30, P33, P34, P6, T10, T11

4

33

P11, P16, P19, P24, P28, P3, P30, P35, T6

5

15

P24, P28, P6, T7

Fonte: os autores

 

Cabe esclarecer que, como os documentos utilizados são registros das manifestações dos sujeitos, outros docentes e técnicos que participaram das reuniões, mas não se expressaram, ou seja, não possuem relatos registrados nas atas, não foram codificados.

Após o processo de unitarização, as 734 unidades de análise foram codificadas conforme explicitado no Quadro 2 (P1.1.1.2014).

Quadro 2 – Exemplo de codificação das unidades de análise

Sujeito

Excerto

Ata

Ano

P1

1

1

2014

Fonte: os autores

 

Posteriormente estes excertos foram alocados na M(S) (AUTOR 4, 2017), que está descrita no Quadro 3.

 

Quadro 3 – Matriz do Saber

SABER

 

 

RELAÇÕES

COM O SABER

1

A respeito da aprendizagem discente

(segmento S-E)

2

A respeito da aprendizagem docente

(segmento S-P)

3

A respeito do ensino (segmento P-E)

α

Epistêmica (conhecimento)

Célula 1α

Diz respeito às determinações do saber em relação à aprendizagem discente do ponto de vista epistêmico.

Célula 2α

Diz respeito às determinações do saber em relação à aprendizagem docente do ponto de vista epistêmico.

Célula 3α

Diz respeito às determinações do saber em relação ao ensino do ponto de vista epistêmico.

β

Pessoal

(sentido)

Célula 1β

Diz respeito às determinações do saber em relação à aprendizagem discente do ponto de vista pessoal.

Célula 2β

Diz respeito às determinações do saber em relação à aprendizagem docente do ponto de vista pessoal.

Célula

Diz respeito às determinações do saber em relação ao ensino do ponto de vista pessoal.

ɣ

Social

(valor)

Célula 1γ

Diz respeito às determinações do saber em relação à aprendizagem discente do ponto de vista social.

Célula 2γ

Diz respeito às determinações do saber em relação à aprendizagem docente do ponto de vista social.

Célula 3γ

Diz respeito às determinações do saber em relação ao ensino do ponto de vista social.

Fonte: AUTOR 4 (2017)

 

Assim sendo, com base na M(S), são descritas a seguir as características das células, agora adequadas ao corpus de pesquisa:

Quadro 4 – Descrição da Matriz do Saber adequada ao corpus documental

SABER

 

 

RELAÇÕES

COM O SABER

1

A respeito da aprendizagem discente

(segmento S-E)

2

A respeito da aprendizagem docente

(segmento S-P)

3

A respeito do ensino (segmento P-E)

α

Epistêmica

(conhecimento)

Célula 1α

Unidades de análise que estão relacionadas à aprendizagem dos estudantes no que diz respeito aos conteúdos ou resultados obtidos.

Célula 2α

Unidades de análise que estão relacionadas aos questionamentos, dúvidas, informes ou referenciais mencionados pelos professores.

Célula 3α

Unidades de análise que estão relacionadas à implementação do novo currículo no que diz respeito às discussões teóricas, metodológicas e logísticas da forma de ensinar.

β

Pessoal

(sentido)

Célula 1β

Unidades de análise que estão relacionadas à preferência ou não dos estudantes em aprenderem esta forma de organização curricular.

Célula 2β

Unidades de análise que estão relacionadas à resistência ou aceitação do professor em aprender sobre os assuntos necessários.

Célula 3β

Unidades de análise que estão relacionadas à implementação do novo currículo no que diz respeito à preferência ou não dos professores por esta forma de ensinar.

ɣ

Social

(valor)

Célula 1γ

Unidades de análise que estão relacionadas aos elementos sociais que podem auxiliar ou não na aprendizagem dos estudantes.

Célula 2γ

Unidades de análise que estão relacionadas aos momentos de construção coletiva de soluções, conceitos, entendimentos e debates por parte dos professores.

Célula 3γ

Unidades de análise que estão relacionadas à implementação do novo currículo no que diz respeito às convergências que esta forma de ensino proporciona.

Fonte: adaptado de AUTOR 4 (2017)

 

Ressalte-se que não se altera em nada a lógica da estruturação da M(S), uma vez que são preservadas as ideias centrais das dimensões epistêmicas, pessoais e sociais (expostas nas linhas) e das dimensões de aprendizagem discente, docente e ensino (organizadas nas colunas). Isso posto, e com intuito de elucidar sobre as características dos excertos e como foram alocados, no Quadro 5, trouxemos exemplos de excertos que foram categorizados em cada um dos setores da M(S) adaptada e exposta no Quadro 4.

Vale notar que o destaque com grifo objetiva mostrar a ideia central do fragmento, motivo pelo qual ele foi alocado naquela célula. À vista disso, o excerto “[...] opinou que com os índices nacionais, pior do que está não ficará e o máximo que poderá ocorrer é o estudante se deparar no vestibular com conteúdo que não viu no Ensino Médio [...]” (P24.274.1.2016), alocado na célula , demonstra uma relação intrínseca com a aprendizagem do estudante no que diz respeito ao conteúdo, ou seja, relata sobre aspectos epistêmicos.

De forma análoga o excerto “Disse que alguns estudantes estavam frustrados, assim como ela ao término da tutoria e alguns não tinham se matriculado nas disciplinas técnicas [...]” (P23.272.1.2016), alocado na célula , está relacionado ao sentido que os estudantes atribuíram ao fato de não conseguirem realizar a matrícula nas Unidades Curriculares de sua preferência.

O que se espera é que estes exemplos permitam uma visão mais precisa dos critérios estabelecidos no processo de categorização das unidades de análise na M(S), para que assim seja possível fazer a interpretação adequada dos dados e dos resultados das alocações.

Quadro 5 – Exemplificações de excertos na M(S)

SABER

 

 

RELAÇÕES

COM O SABER

1

A respeito da aprendizagem discente

(segmento S-E)

2

A respeito da aprendizagem docente

(segmento S-P)

3

A respeito do ensino (segmento P-E)

α

Epistêmica

(conhecimento)

Célula 1α

[...] opinou que com os índices nacionais, pior do que está não ficará e o máximo que poderá ocorrer é o estudante se deparar no vestibular com conteúdo que não viu no Ensino Médio [...]. (P24.274.1.2016)

 

[...] disse que houve casos de estudantes que reprovaram em todas as técnicas do primeiro ano e se matricularam nas técnicas do segundo ano e que não vê lógica nisso. (P30.351.2.2016)

Célula 2α

[...] Perguntou: O que é currículo? (P1.1.1.2014)

 

O grupo deve consultar documentos que regulamentem o ensino médio e técnico, tais como parâmetros curriculares e matrizes curriculares de outras instituições [...]. (P2.2.1.2014)

Célula 3α

Argumentou sobre a flexibilidade de horários e carga horária [...]. (P2.4.2.2014)

 

[...] apontou a criação de módulos temáticos e que os alunos possam optar quais eles irão cursar, desde que preencham os requisitos necessários para cada módulo. (P11.31.4.2014)

β

Pessoal

(sentido)

Célula 1β

Disse que alguns estudantes estavam frustrados, assim como ela ao término da tutoria e alguns não tinham se matriculado nas disciplinas técnicas [...]. (P23.272.1.2016)

 

[...] disse que a maioria dos estudantes ainda escolhe as Unidades Curriculares pelos professores e não tanto pelo conteúdo. (P21.482.6.2016)

Célula 2β

Apresentou alguns agravantes de quando atuou na UFPA[5] em relação à determinação do curso no ato do processo seletivo [...]. (P5.9.2.2014)

 

[...] sempre se mostrou contrário às mudanças propostas pela nova metodologia, mas disse que mudou de ideia e aprovou a liberdade que o plano oferece, já que possibilitou que o curso de Eletromecânica fosse reformulado. (P17.131.4.2015)

 

Célula 3β

[...] deixou claro que é totalmente contra [...]. (P17.55.6.2014)

 

[...] concordou com a proposta, mas com ressalvas, pois achou que seria melhor se tivesse havido mais reuniões a respeito [...]. (P13.57.6.2014)

ɣ

Social

(valor)

Célula 1γ

[...] expôs que o novo modelo só trouxe ganhos, pois percebeu maior socialização entre os estudantes, as salas estão mais compenetradas e os estudantes participativos e citou que para os veteranos a experiência está sendo enriquecedora [...]. (P14.88.2.2015)

 

Questionou se isto está causando evasão [...]. (P30.583.9.2016)

Célula 2γ

Ele salienta que o tempo é curto para grandes mudanças, mas pode ser possível se todos do grupo se esforçarem [...]. (P2.27.4.2014)

 

[...] disse que o ideal é que as áreas se reúnam, nem que não definam neste primeiro momento o conteúdo dos quatro anos [...]. (P11.158.5.2015)

Célula 3γ

[...] informou que haverá professores tutores para auxiliar os estudantes, os quais serão responsáveis pela ajuda na escolha do itinerário formativo e acompanhamento dos mesmos durante o ano letivo [...]. (P3.35.5.2014)

 

[...] câmpus receberá estudantes com realidades muito distintas e isso será visto em sala de aula [...]. (P11.198.6.2015)

Fonte: os autores

 

 

5 ANÁLISE DOS DADOS

O processo de análise textual discursiva resultou na alocação dos excertos nas nove células da M(S), que foi apresentada apenas com os respectivos percentuais, tendo em vista a grande quantidade de excertos (734) e a imenso número de páginas que seria destinado para apresentação de cada fragmento codificado em sua respectiva célula. Para o cálculo dos percentuais utilizou-se o número de unidades de análise categorizadas em cada célula, dividido pelo número total de excertos (734), que resultou nas informações descritas no Quadro 6. Na quinta linha e na quinta coluna, inserimos os totais relativos às quantificações dos excertos e das percentagens.

Usualmente, pelo que se confere nos resultados apresentados por diversos autores destacados anteriormente, as Matrizes são analisadas ‘lidas’ de quatro maneiras: (a) em primeiro lugar, uma leitura por célula, que, no nosso caso específico, fornece uma visão detalhada das percepções dos participantes sobre o saber curricular registrado nas atas; (b) uma leitura horizontal, focada na distribuição das unidades de análise nas dimensões epistêmica, pessoal e social; (c) uma leitura vertical, baseada na distribuição pelas colunas relativas à aprendizagem discente, à aprendizagem docente e ao ensino; (d) e, finalmente, uma leitura global das distribuições na Matriz.

Quadro 6 – M(S) das atas analisadas

SABER

 

 

RELAÇÕES

COM O SABER

1

A respeito da aprendizagem discente

(segmento S-E)

2

A respeito da aprendizagem docente

(segmento S-P)

3

A respeito do ensino

(segmento P-E)

 

TOTAL

(linhas)

α

Epistêmica

(conhecimento)

Célula 1α

57 excertos

7,77%

Célula 2α

51 excertos

6,95%

Célula 3α

353 excertos

48,09%

 

461 excertos

62,81%

β

Pessoal

(sentido)

Célula 1β

6 excertos

0,82%

Célula 2β

30 excertos

4,09%

Célula 3β

12 excertos

1,63%

 

48 excertos

6,54%

ɣ

Social

(valor)

Célula 1γ

16 excertos

2,18%

Célula 2γ

137 excertos

18,66 %

Célula 3γ

72 excertos

9,81%

 

225 excertos

30,65%

TOTAL (colunas)

79 excertos

10,76%

218 excertos

29,79%

437 excertos

59,54%

734 excertos

100%

Fonte: os autores

 

(a)   Análise por células

É possível observar que o maior percentual de unidades de análise, 48,09%, está posicionado na célula 3α, ou seja, na célula que vincula a relação epistêmica do saber com o ensino. Isso indica que as falas dos sujeitos, presentes nas atas e inseridas nesta célula, eram inferências relacionadas às características do modelo de ensino pretendido ou implantado pela instituição no que diz respeito à organização do conhecimento.

A distribuição deste percentual de unidades de análise nesta célula justifica-se, pois as discussões constantes nas atas eram para a criação, e posterior aperfeiçoamento de um modelo de ensino, de modo que não causa estranhamento que esta célula tenha o percentual mais expressivo.

As discussões sobre a implantação do novo modelo curricular, tais como cargas horárias, disposição dos horários, conteúdos a serem ensinados, logística de organização do espaço físico, papéis dos atores no processo etc., foram conhecimentos produzidos ou partilhados com o grupo.

Chama a atenção também o grande percentual de unidades de análise que foram categorizadas na célula , 18,66%. Nesta célula alocamos os fragmentos que associavam a aprendizagem docente à dimensão social, atribuída por um valor ao saber. Esta relação esteve expressa nos debates da comissão criada para a implementação e manutenção do currículo, pois, em muitos momentos, as atas permitiram--nos inferir que ocorreu uma aprendizagem dos professores relacionada aos progressos do grupo na resolução das problemáticas específicas daquele fenômeno. Foi um processo de aquisição e construção de conhecimento pautado na coletivização dos problemas que a implantação do novo modelo curricular trouxe, ou seja, a aprendizagem dos membros estava relacionada à troca de experiências, de opiniões e de conhecimentos para a construção coletiva.

Também estão presentes nesta célula os excertos nos quais a comissão indicava que algumas decisões, tais como: montagem de horários, organização dos conteúdos, criação e oferta de Unidades Curriculares estivessem a cargo das áreas de conhecimentos (Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Códigos e técnica), que deveriam se reunir e apresentar os resultados.

Na sequência, a célula apresenta 9,81% das unidades alocadas. Nesta célula estão presentes as unidades de análise que demonstraram uma relação do ensino com características sociais, e neste caso específico, o maior conjunto de unidades de análise são as relacionadas à tutoria e sua execução. Cabe indicar que neste contexto o tutor era o professor que auxiliaria os estudantes na construção do seu itinerário formativo, ou seja, era a figura que orientaria os estudantes na escolha das Unidades Curriculares, auxiliando os ingressantes no entendimento de como funcionava esta estrutura curricular flexível. O tutor era uma figura fundamental no ensino, contudo, ele não ensinava conteúdos, ele amparava o estudante a conseguir aderência ao novo ambiente social, orientando-o no que diz respeito às ações que deveria executar, ou seja, realizava um ensino sobre o ambiente social em questão.

Seguindo esta mesma ordem de raciocínio, o decrescimento percentual, temos a célula 1α com 7,77%, que está relacionada à aprendizagem discente no que tange a uma relação epistêmica com o saber. Nesta célula alocamos as falas associadas aos conhecimentos e conteúdos que os estudantes poderiam aprender, segundo a nova organização curricular. Também estão presentes as preocupações dos professores com o processo de aproveitamento dos estudantes, vinculado à aprendizagem ou à reprovação.

Na sequência, célula 2α, com 6,95% dos excertos, temos a aprendizagem docente no que diz respeito à relação epistêmica com o saber, ou seja, todas as unidades de análise que indicavam que os professores estavam adquirindo conhecimentos nas reuniões, contudo, diferentemente da célula 2γ, este conhecimento não era construído na coletividade, e sim exposto por um professor como forma de esclarecimentos de dúvidas, exposição da forma como o currículo iria funcionar, percepções da necessidade de mais referenciais e estudos e outras possibilidades elencadas.

A célula 2β, com 4,09% das unidades de análise nela alocada, representa a aprendizagem docente atrelada aos sentidos desta aprendizagem. Nos fragmentos inseridos nesta célula é possível observar aspectos pessoais destacados pelos professores, seja nos comentários relativos às vivências e experiências ou na demonstração de preferências referentes à atribuição de sentidos às pautas apresentadas nas reuniões.

Em continuidade, a célula 1γ, que tem relação com a aprendizagem discente vinculada às características sociais, foram alocadas unidades de análise representativas das interações que os estudantes realizavam neste novo arranjo curricular multietário e as consequências para a aprendizagem desta relação. Também estão presentes, nesta célula, as questões referentes à evasão dos estudantes, quando motivadas por questões sociais, tais como dificuldade de adaptação à metodologia, dificuldades financeiras e dificuldades de interação.

Por fim, na célula 1β, a que teve menor quantidade de inserções de unidades de análise, 0,82%, alocamos os depoimentos que dizem respeito ao sentido atribuído pelos estudantes ao processo de aprendizagem. Foram vinculados a esta célula os fragmentos que traziam relatos dos membros da comissão sobre os estudantes, no que diz respeito a gostar ou não de alguma Unidade Curricular, preferência por estudar com algum professor ou frustrações com a metodologia.

Para facilitar a visualização de como os percentuais representam a Matriz do Saber das atas analisadas, elaboramos o Gráfico 1 para evidenciar essas análises e alocações dos relatos.

 

Gráfico 1 – Distribuição percentual das células da M(S)

Fonte: os autores

 

(b)   Análise por linhas

Diante do Quadro 6 pode-se observar que nas atas analisadas das reuniões existe um predomínio de excertos alocados na linha α, dimensão epistêmica, sobre as outras com 62,81% das unidades de análise, demonstrando que foi preponderante a atenção dada ao conhecimento na construção e manutenção do currículo.

Como este processo dizia respeito à criação de um novo modelo curricular, parece razoável a preocupação com o ensino, uma vez que o que estava em jogo era a criação de um modelo curricular completamente novo, e elaborar um conhecimento sobre ele também parecia coerente a preocupação com a aprendizagem dos docentes, pois a maioria dos membros da comissão e os outros professores estavam aprendendo sobre a mudança que estava em curso e, de forma análoga, existia a preocupação com as formas com que este novo arranjo curricular influenciaria na aprendizagem dos estudantes.

Cabe destaque a importância da linha γ, a linha social, com 31,28% das inferências nela alocadas, demonstrando uma significativa ênfase social ao processo de produção desta nova forma de organização da relação com o saber no espaço escolar, em especial no que diz respeito à aprendizagem docente e ao ensino.

Quanto à linha β, que representa a dimensão pessoal, ela teve menor destaque com apenas 6,54% das alocações, indicando a falta de um envolvimento subjetivo de cada um dos professores ou técnicos com o processo em discussão e implantação.

 

(c)    Análise por colunas

Observando coluna a coluna a distribuição no Quadro 6, percebe-se que na coluna 1, referente à aprendizagem discente, foram alocados 10,76% dos excertos extraídos das atas, enquanto na coluna 2, que tratava da aprendizagem docente, tivemos a inserção de 29,79% dos excertos e, finalmente, na coluna 3, referente ao ensino, alocamos 59,54% dos excertos extraídos das atas.

Esta análise por colunas permite identificar que as manifestações nas reuniões demonstram a preocupação dos participantes com elementos, prioritariamente, referente ao ensino, o que também é justificável, uma vez que o processo de criação de um novo modelo curricular implicava na discussão de como este afetaria os processos de ensino da instituição.

 

(d)   Análise global

Finalmente, chegamos à quarta possibilidade de ‘leitura’ da M(S) com as representações percentuais alocadas nas células (Quadro 6), que dizem respeito a um saber que foi construído ao longo de quatro anos, a partir de várias horas de reuniões e com a participação de dezenas de sujeitos. Pode-se, por assim dizer, que esta é a Matriz que ‘consolidava’ (até o momento da pesquisa) as relações estabelecidas com o saber curricular em discussão, em meio a um amplo processo de debates e negociações que eventualmente implicaram em avanços, retornos e acomodações, tendo em vista que a construção desta nova metodologia se deu a partir da percepção do cotidiano.

Talvez exista relevância em observar este processo de outros modos, não apenas do ponto de chegada, mas também intentando perceber os deslocamentos e mobilidades que eventualmente ocorreram com os posicionamentos dos membros da comissão, na medida em que o modelo curricular foi implantado e deixava o campo da teoria, tornando-se praticável, isto é, saía do planejamento e colocava-se em ação.

Desta forma, o que se propõe doravante é avançar um pouco do que foi nominado anteriormente como Matriz ‘consolidada’ e perceber a dinâmica que resultou desta consolidação. Assim sendo, tem-se a crença de que seja possível perceber as configurações que esta Matriz ganhou, se observada de forma longitudinal, ou seja, ao logo do período estudado.

Para ilustrar tais fatos, trazemos na sequência um gráfico que mostra como esta Matriz do saber teve processos de reconfiguração ao longo do período estudado. Tal gráfico foi construído a partir de uma base percentual, uma vez que não se teve o mesmo número de reuniões e participantes em cada ano. Destarte, a elaboração do gráfico teve como intuito mapear as células com mais excertos ano a ano, portanto, não se utilizou no cálculo percentual a totalidade dos fragmentos dos quatro anos e sim apenas a quantidade de fragmentos do ano específico. Fazendo a mudança dos números absolutos por percentuais foi possível encontrar a representação percentual de cada célula da Matriz do Saber naquele ano.

Desta maneira, por exemplo, a célula 2α teve 10 unidades de análise vinculadas no ano de 2014, o que corresponde a 14,5% dos 69 excertos daquele ano, identicamente a célula 2γ teve 11 alocações em 2015, o que corresponde a 5,9% das 185 unidades de análise obtidas naquele ano.

 

Gráfico 2 – Os excertos célula a célula na M(S)

Fonte: os autores

 

Ao analisar o gráfico percebemos modificações nos percentuais de unidades de análise inseridas nas células da Matriz, representando mudanças nos assuntos discutidos em cada ano.

O que chama a atenção é a evolução da linha que representa a célula 3α, que representa o ensino na sua relação epistêmica com o saber. Percebe-se claramente que no início da elaboração e implementação do novo modelo curricular, entre os anos de 2014 e 2015, existia um predomínio de discussões na comissão de currículo que buscavam organizar a nova metodologia, ou seja, discussões que se abordavam o como ensinar de forma epistêmica, reorganizando a instituição, por isso a prevalência neste período. Contudo, a partir de 2015 a diminuição das preocupações organizacionais faz com que diminua a quantidade de unidades de análise vinculadas à célula 3α, ilustrado no gráfico dos anos 2015 a 2017.

De modo similar, observando a evolução das linhas que representam as células 2γ e , percebe-se que a linha , que representa a aprendizagem docente epistêmica, tem uma curva descendente desde o ano de 2014, mas depois de 2015 a curva se acentua mantendo esse movimento decrescente. Concomitantemente, a linha 2γ, que está relacionada à aprendizagem docente em sua dimensão social, apresenta queda até 2015 e, posteriormente, cresce significativamente até 2017. Isso nos permite inferir que o processo de implantação do projeto proporcionou nos momentos iniciais maior aprendizagem epistêmica dos docentes, com o estudo de documentos legais, referenciais teóricos e maior participação dos sujeitos que já detinham um conhecimento sobre o assunto, contudo, na medida em que o grupo se inteirava da problemática em questão, a aprendizagem passou a ser coletiva, não necessitando mais de um indivíduo com mais conhecimento que capacitasse os demais.

Outro comparativo interessante envolve a célula 1α, que representa a aprendizagem discente epistêmica e a célula 3α, vinculada ao ensino com enfoque epistêmico. Percebe-se que gradativamente diminuiu a incidência de temas relacionados a 3α, que dizem respeito à forma de ensinar, porém, concomitantemente, houve um aumento na incidência de relatos vinculados à célula 1α, que representa a aprendizagem do estudante no campo epistêmico. Tais indicativos, a nosso ver, mostram que na medida em que diminuíam as discussões sobre o ensino, aumentavam as discussões sobre a aprendizagem dos estudantes.

Ao observarmos o Gráfico 3, essa discussão que apresentamos no parágrafo anterior fica visivelmente explicitada, pois nele representamos apenas os registros alocados na dimensão epistêmica.

 

Gráfico 3 – A dimensão epistêmica na M(S)

Fonte: os autores

 

Nota-se que, em virtude das condições mencionadas, de concretização do modelo implantado, existe a diminuição da aprendizagem epistêmica docente, célula 2α, do ensino relativo à dimensão epistêmica, 3α, e aumento da aprendizagem discente, 1α.

Complementando a possibilidade de visualização proporcionada pelo Gráfico 3, inserimos na continuidade o Gráfico 4, registrando o movimento da dimensão pessoal, ou seja, a dinâmica das células 1β, 2β e 3β e, posteriormente, replicamos a mesma proposta com o Gráfico 5, relativo à dimensão social, mostrando o ocorrido com as células 1γ, 2γ e 3γ.

 

Gráfico 4 – A dimensão pessoal na M(S)

Fonte: os autores

 

O gráfico anterior indica a diminuição de elementos pessoais presentes nas falas registradas nas atas, destacando a superação de questões referentes às preferências pessoais no processo de implantação do novo currículo.

 

Gráfico 5 – A dimensão social na M(S)

Fonte: os autores

 

De forma similar, o Gráfico 5 ilustra os momentos vivenciados no processo de organização e desenvolvimento da nova estrutura curricular. Até o ano de 2015, devido à existência de poucas reuniões, as alocações na célula 2γ, relativa à aprendizagem docente no que diz respeito aos aspectos sociais, não tinham destaque, contudo, após 2015, com a efetivação da comissão de currículo e a regularidade das reuniões, foi possível perceber um amplo processo de aprendizagem dos docentes.

Também é possível realizar a mesma análise focando as colunas da Matriz, ou seja, considerando, especificamente, o que foi discutido sobre a aprendizagem discente (Gráfico 6), sobre a aprendizagem docente (Gráfico 7) e a respeito do ensino (Gráfico 8).

 

Gráfico 6 – A aprendizagem discente na M(S)

Fonte: os autores

 

Conforme já mencionado anteriormente, a elevação da preocupação com a aprendizagem dos estudantes faz com que a curva do segmento 1α tenha uma visível ascendência.

Gráfico 7 – A aprendizagem docente na M(S)

Fonte: os autores

 

Do mesmo modo, como já comentado anteriormente, o Gráfico 7 explicita a diminuição das preocupações dos docentes com as questões pessoais e epistêmicas, ampliando os debates coletivos e as discussões em torno das questões sociais.

 

Gráfico 8 – O ensino na M(S)

Fonte: os autores

 

Por fim, temos no Gráfico 8 a representação do que foi alocado na última coluna da M(S), ou seja, as manifestações a respeito do ensino. Como se pode observar, há uma diminuição em todas as células, com destaque para a célula 3α, que diz respeito ao ensino na dimensão epistêmica. A queda nos percentuais desta célula demonstra que durante o processo inicial de implantação existiam muitas unidades de análise que relatavam as preocupações dos membros da comissão de currículo com as formas e mecanismos para ensinar, contudo, após o processo inicial tais preocupações diminuíram.

A interpretação complementar possibilitada pelas representações gráficas corroboram com o que foi analisado no estudo das diversas atas, cujos relatos foram unitarizados. Inicialmente havia demasiadas preocupações com aspectos relacionados ao ensino, em sua dimensão epistêmica, as quais pouco a pouco foram cedendo espaço para as preocupações relativas aos efeitos deste currículo, já implementado, na aprendizagem dos estudantes.

 

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal deste artigo foi o de, a partir das atas das reuniões coordenadas pela comissão de currículo, analisar como se deram as relações com o saber no contexto da construção de um novo saber – ‘o arranjo curricular a ser implantado na instituição’.

O uso da Matriz do Saber (M(S)) como instrumento de análise das atas de reunião trouxe clareza ao estudo do processo de mudança curricular e possibilitou obter um estrato das atas analisadas. Tornou-
-se visível desta forma que o processo de mudança e acompanhamento da estrutura curricular da instituição, em essência, foi um processo majoritariamente focado no ensino com características epistêmicas.

Interessante ressaltar também que a dimensão social da Matriz teve destaque, no que diz respeito ao ensino, devido ao processo de tutoria e à aprendizagem docente, em virtude das reuniões realizadas ao longo do processo.

Contudo, a análise dos dados possibilitou perceber que as relações com o saber não são estáticas, elas estão em constante movimentação, fato destacado ao se analisar a composição da Matriz em cada ano, com mudanças nas pautas das discussões e a gradativa mudança do foco de atenção do ensino e da aprendizagem docente para a aprendizagem discente, todos na dimensão epistêmica.

Em suma, a análise das relações do saber expressas nas atas mencionadas, por meio da M(S), pode corroborar para o aprofundamento do entendimento dos processos de mudança nos ambientes escolares, principalmente naquelas que dizem respeito à estrutura curricular.

 

 

AGRADECIMENTOS

À Fundação Araucária e ao CNPq.

 

 

REFERÊNCIAS

AUTOR 1 (2011)

AUTOR 2 (2014)

AUTOR 3 (2015)

AUTOR 4 (2017)

AUTOR 5 (2017)

AUTOR 6 (2017)

AUTOR 7 (2018)

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[1] “[...] o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (BARDIN, 2011, p.126).

[2] A teoria que discute elementos de gênero e sexualidade que busca superar o binarismo homem ou mulher.

[3] Grupo

[4] Segundo semestre de 2019.

[5] Universidade Federal do Pará.