Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, e103, 2020

DOI:10.5902/2179460X39436

ISSN 2179-460X

Received: 19/02/2020 Accepted: 03/04/2020 Published: 31/12/2020

Geociências

Avaliação da variação da temperatura superficial na lagoa rasa de Itapeva mediante a imagens de satélite

Evaluations of surface temperature variation in the Itapeva lake through satelite images

Itzayana Gonzalez AvilaI

Mauricio Andrades PaixãoII

Alfonso RissoIII

I   Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), Porto Alegre, RS, Brasil - i.goavil@gmail.com

II  Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), Porto Alegre, RS, Brasil - mauricio.paixao@ufrgs.br

III Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), Porto Alegre, RS, Brasil - risso@iph.ufrgs.br

Resumo

A função da temperatura na água é fundamental para a dinâmica das comunidades aquáticas, uma vez que regula diversos processos em diferentes escalas. A variabilidade espacial e temporal da temperatura da água pode ser avaliada a partir de imagens de satélite, o que permite um melhor entendimento dos ecossistemas. Neste trabalho, foi avaliada a variação da temperatura superficial da Lagoa Itapeva, localizada no Rio Grande do Sul, Brasil, entre os anos de 1985 e 2017 utilizando o produto MOD11A1 e imagens Landsat 5, 7 e 8. Foi identificado um padrão homogêneo de variação sazonal com os dois sensores utilizados. A informação fornecida pelo MODIS e Landsat apresenta um coeficiente R2= de 0.91 e o RMSE = 2,32 °C. A análise entre os dados ajustados da série Landsat e os dados originais permitiram a suavização de máximos e mínimos da temperatura, diminuindo registros tendenciosos. A temperatura da água para os meses de verão e outono apresenta aumento, enquanto para a época de inverno se apresenta diminuição no regime. Porém a resposta da temperatura superficial pode se compreender melhor envolvendo variáveis climatológicas.

Palavras-chave: Temperatura superficial; Lagoas rasas; MOD11A1; Landsat

Abstract

The role of temperature in water is fundamental for the community aquatic dynamics once it regulates several processes on different scales. The spatial and temporal variability of water temperature can be assessed by satellite images, which allows a better understanding of ecosystems. In this work, we evaluated the surface temperature variation of Itapeva Lake, located in Rio Grande do Sul, Brazil, between 1985 and 2017, using MOD11A1 product and images Landsat 5, 7 and 8. An homogeneous seasonal variation pattern was identify between the two sensors used. The information provided by MODIS and Landsat has a coefficient R2 = 0.91 and RMSE = 2.32 ° C. The analysis between the Landsat series adjusted data and the original data allowed the smoothing of maximum and minimum temperatures of water, reducing biased records. Water temperature for the summer and autumn months increases, while for the winter season the regime decrease. However, the surface temperature response may be better understood by involving climatic variables in the study.

Keywords: Surface temperature; Shallow lakes; MOD11A1; Landsat

1             Introdução

Os lagos possuem a grande maioria da água doce líquida da Terra, suportam uma enorme biodiversidade e fornecem serviços ecossistêmicos ao redor do mundo (O’REILLY et al., 2015). Dentro deles ocorrem processos de transferência de massa e energia sendo, portanto, altamente sensíveis às mudanças climáticas e funcionando como indicadores dos climas local e regional (TORBICK et al., 2016). Entre os parâmetros que fornecem um proxy da qualidade da água, a temperatura é um dos mais relevantes, pois regula processos físicos, químicos e biológicos  (HORNE & GOLDMAN, 1994) , alem de ser  um fator necessário para diversas análises dos ecossistemas como balanços de energia (CURTARELLI et al., 2013), modelagem de corpos da água (TOFFOLON et al., 2014), estimativa de evaporação  (SIMA et al., 2013) e avaliação de mudanças climáticas (SCHMID et al., 2014).

No monitoramento de parâmetros de qualidade da água a aquisição de dados é um grande limitante, pois geralmente não há redes de monitoramento suficientes, existe uma baixa frequência temporal na coleta de dados e insuficiente cobrimento espacial. As técnicas do sensoriamento são vistas como uma fonte complementar de dados em escalas locais e globais e podem ser usadas no monitoramento de parâmetros de qualidade de água (YANG et al., 2018) como a temperatura superficial (100 µm de profundidade) (PAREETH et al., 2016; PRATS et al., 2018). Os sensores Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (MODIS), Thematic Mapper (TM), Enhanced Thematic Mapper Plus (ETM+) e Thermal Infrared Sensor (TIRS), utilizam as bandas infravermelhas para estimar temperatura superficial da água. O sensor MODIS está a bordo do satélite Terra e Aqua (lançados em 1999 e 2002, respetivamente) e possui duas bandas termais (31 e 32), seus produtos têm resolução temporal diária e resolução espacial de 1-9 km (KILPATRICK et al., 2015). Devido a essas características, as informações fornecidas têm sido validadas em diversos estudos, apresentando bons resultados (TAVARES et al., 2019a; WENG et al., 2014; LUZ et al., 2017). Os sensores TM, ETM+ e TIRS a bordo do satélite Landsat nas missões 4-8 (JIMÉNEZ-MUÑOZ et al., 2003; LAMARO et al., 2013) tem uma resolução temporal de 16 dias e resolução espacial nas bandas termais de 60–120 m. A informação fornecida pelo satélite Landsat permite monitorar rios que possuem uma área consideravelmente menor em relação a reservatórios e lagoas (PRATS et al., 2018).

O presente trabalho tem como objetivo estudar as variações temporais (mensal, sazonal e interanual) da temperatura superficial da água da Lagoa Itapeva em um período de 32 anos, a partir de técnicas de sensoriamento remoto, buscando avaliar se houve mudança no regime de temperatura superficial da Lagoa Itapeva ao longo deste período. A lagoa Itapeva é a maior lagoa do litoral norte do estado Rio Grande do Sul e, dado sua extensão, é administrada por várias cidades desta região litorânea. Um dos serviços ecossistêmicos da lagoa é fornecer água bruta para tratamento e abastecimento de água potável. Não obstante, o gerenciamento da lagoa Itapeva não evita que nela aconteçam períodos de floração de fitoplâncton como foi demostrado por Lissner & Guasselli (2013). As florações de algas e mudanças na biomassa de lagoas como parte de processos biológicos, estão regulados pela temperatura no ecossistema. Processos biológicos em desequilíbrio como florações de algas nocivas na lagoa Itapeva ocasionariam problemas às populações de flora e fauna ao redor. Além disso, poderiam ter efeitos negativos sobre atividades econômicas que envolvem este recurso hídrico, afetando inclusive a saúde humana.

Ao analisar as mudanças no regime de temperatura da lagoa Itapeva é possível preencher os gaps de conhecimento atuais como distinguir fatores geomorfológicos ou climáticos que influenciam na temperatura, identificar processos de aquecimento ou resfriamento e reconhecer potenciais modificações na distribuição de espécies e contribuir ao entendimento da dinâmica da lagoa. Assim, a compressão do ecossistema permite prever possíveis mudanças em processo físicos, químicos e biológicos e aumentar as estratégias de enfrentamento de mudanças associadas ao clima.

2             Materiais e Métodos

2.1 Área de estudo

A lagoa Itapeva é a primeira no sentido Norte-Sul (Figura.1) do sistema de lagoas costeiras de água doce interligados do litoral norte do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, que banha áreas de diferentes municípios entre eles o município de Torres, o qual se beneficia da lagoa para abastecimento público. A lagoa apresenta uma forma alongada, com dimensões médias de 30,8 km x 7,6 km, uma área de aproximadamente 125 km2 e uma profundidade máxima de 2,5 m, sendo caracterizada como uma lagoa rasa. Segundo Cardoso et al. (2003) o vento é um fator determinante na hidrodinâmica da lagoa e suas variáveis hidrológicas apresentam um comportamento sazonal, intimamente relacionado com o vento (direção e velocidade), especificamente os provenientes do quadrante NE. Devido à sua importância ambiental ao longo de sua margem está designada como Área de Preservação Permanente (APP), com vegetação como matas de restinga, banhados e campos. Também envolve áreas de cultivo agrícolas, arroz, bananas e eucaliptos e sítios arqueológicos (CASTRO E ROCHA, 2016).

Figura. 1 Área de estudo. Lagoa Itapeva no litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul.

 

2.2 Séries Temporais

Para construir as séries temporais serão utilizadas duas fontes de dados já utilizadas no Sul do Brasil para estimativa de temperatura superficial sobre corpos d’agua (TAVARES et al., 2019a). O objetivo de utilizar estas fontes deve-se à capacidade de ajuste entre as informações. As séries temporais registram 32 anos de dados, de 1985 a 2017. Devido ao ano de lançamento e operação do MODIS, os dados anteriores ao ano de 2001 foram obtidos a partir de imagens Landsat 5 e 7. A partir do ano 2001, as informações foram obtidas pelo produto MOD11A1 e em 2013 pelo sensor Landsat 8, além dos anteriormente citados (Landsat 5 e 7). O período compreendido entre 2001 e 2017 é o qual se tem imagens das duas fontes de dados Landsat e MODIS simultaneamente. Neste período foi determinada a temperatura superficial na lagoa a partir da temperatura de brilho para, posteriormente, identificar a equação de ajuste. Foi selecionado a Raiz do Erro Quadrático Médio -REQM- como medida de ajuste, uma vez que está métrica foi utilizada em estudos similares ao aqui apresentado, como em Tavares et al. (2019a) e Tavares et al. (2019b).

2.3 Imagens MODIS

As imagens do MODIS foram extraídas do produto pronto para uso MODIS/Terra V6 LST/E L3 Global 1-km Grid – MODIS11A1. Este produto tem uma resolução espacial de 1 km e uma resolução temporal diária, cujo horário de mapeamento ocorre por volta das 10:30am e tem 0,05◦C a 27◦C de NE∆T (noise equivalent temperature difference) (BARNES et al., 1998). As imagens foram obtidas via web a partir da plataforma NASA- Earth Data. O MOD11A1 usa um algoritmo chamado generalized linear split-window, desenvolvido por Wan e Dozier (1996), que utiliza as informações de temperatura de brilho de duas bandas termais, 31 e 32. A faixa do espectro eletromagnético para a banda 31 é de 10780 a 11280 nm e para 32 banda é 11770-1270 nm. A precisão da estimativa de LST pelo produto MOD11A1 é de cerca de 1ºC (WAN E DOZIER, 1996). No entanto, a equipe do MODIS está constantemente revisando e calibrando o algoritmo (HULLEY et al., 2011).

O produto MOD11A1 já possui algoritmos-padrão projetados e aplicados pela equipe do MODIS, que incluem elevação da área de imagem, máscara de nuvem, remoção de pixel contaminado por nuvem e correção atmosférica (WAN e DOZIER., 1996; WAN, 2008). As imagens foram cortadas conforme o formato da Lagoa Itapeva e a temperatura foi estimada como a média dos pixels, considerando apenas os pixels inteiramente compostos de água para evitar a influência da temperatura do solo. Para ter certeza de que os pixels considerados foram inteiramente compostos de água, foi construída uma máscara da lagoa conforme a imagens de satélite nos meses de verão, uma vez que este é o mês com maior probabilidade de déficit hídrico. Além disso, espera-se que nos meses de inverno a área da lagoa aumente, uma vez que nestes meses há uma maior probabilidade de abundância de água na região. Todo o processamento das imagens foi executado em linguagem R, desenvolvido no RStudio (R DEVELOPMENT TEAM, 2019). Para determinar a temperatura superficial média de cada pixel na lagoa é utilizada a informação de satélite e aplicado a seguinte conversão:

 

(1)

 

O valor 0,02 é o fator fornecido na descrição do produto, T é o valor do pixel em graus Celsius (°C), e VP é o valor original do pixel em graus Kelvin (K).

2.4 Imagens Landsat

Foram utilizadas as imagens dos satélites Landsat 5, 7 e 8. As informações obtidas possuem uma resolução espacial de 30 a 120 m e uma resolução espacial de 16 dias. O espectro utilizado para a estimativa de temperatura superficial é afetado pelo vapor de água que existe na atmosfera, portanto é preciso remover ditos efeitos atmosféricos. Para tal foram considerados os parâmetros de transmitância atmosférica (t), radiação emitida (Lup) e absorvida (Ldown), que estão inseridos na equação de transferência radiativa como segue:

 

(2)

 

Onde Lsensor é a radiância no topo da atmosfera (TOA) medida pelo sensor, ε é a emissividade, B é a radiância espectral emitida por um corpo negro com uma temperatura T. Esses parâmetros de correção devem ser derivados de fontes de dados adicionais e calculados com mais precisão, porém quando não há dados atmosféricos locais disponíveis para aplicar esta equação, algoritmos podem ser usados (JIMÉNEZ-MUÑOZ J. S., 2003). Jiménez-Muñoz e Sobrino (2003) desenvolveram o algoritmo Single-channel para estimar as temperaturas da superfície. Esta ferramenta substitui os parâmetros atmosféricos por funções do conteúdo total de vapor de água atmosférico colunar e depois ajusta com polinômios de segundo grau, assim como consideram vários perfis atmosféricos e faz uso do código de transferência radiativa MODTRAN.

 

(3)

 

Onde  é a temperatura de brilho, ,  y  são as funções atmosféricas, e  é outra função calculada como segue:

 

(4)

 

Onde  e   são constantes de Planck,  é o cumprimento de onda efetivo da banda termal, por exemplo para Landsat 7 ETM+ é 11.270 µm. Os parâmetros atmosféricos estão definidos como:

 

(5)

(6)

 

(7)

 

E são calculados como segue:

 

(8)

 

O termo n= 1,2,3 é o conteúdo de vapor de água atmosférico, e a e b são constantes dadas por Jiménez-Muñoz et al. (2009), conforme a base de dados dos perfis atmosféricos. Bases de dados de perfis atmosféricos como TIGR2311 fornecem valores que permitem obter bons resultados (TAVARES et al., 2019a). O valor de conteúdo de vapor da água atmosférico foi estabelecido num valor médio de 3 g/cm2 para a área de estudo (JIMENEZ-MUÑOZ et al.,2009). Por sua parte, a emissividade na água é difícil de estimar por sensoriamento remoto e depende da temperatura e materiais dissolvidos, portanto é comum fixar um valor (SCHNEIDER E MAUSER, 1996; LAMARO et al., 2013). Para o estudo, poderia se assumir um valor de 0,99 conforme utilizado por Deng et al., (2013), Wloczyk et al., (2006) e Tavares et al., (2019a). A radiância espectral chegando ao sensor é calculada utilizando os valores da temperatura de brilho, e as constantes que varia segundo o sensor utilizado (CHANDER et al., 2009; SEKERTEKIN & BONAFON, 2020) como segue:

 

(9)

 

Tabela 1 - Constantes de calibração para satélites Landsat

Satélite

 W/(m2 sr _µm)

Kelvin

L4 TM

671.62

1284.30

L5 TM

607.76

1260.56

L7 ETM+

666.09

1282.71

L8

774.89

1321.08

 

As imagens Landsat foram descarregadas da plataforma USGS Earth Explorer, estabelecendo como critérios de pesquisa a data, a cobertura de nuvens (menor a 10%), e a categoria da coleção (Tier 1). O download das imagens foi feito por intervalos de tempo menor a 10 anos conforme a presença de falhas no sensor como segue na Tabela 2:

Tabela 2 - Intervalos de descarga das imagens da série Landsat

ANOS

SENSOR

Nº DE ARQUIVOS

1980-1990

LANDSAT 5

41

1991-1999

LANDSAT 5

51

2000-2003

LANDSAT 7

33

2004-2012

LANDSAT 5

48

2013-2015

LANDSAT 7

17

2015-2017

LANDSAT 8

16

 

2.5 Pareamento das imagens de satélite e avalição de variações na temperatura

O fator REQM, o coeficiente de determinação R2 e a equação de regressão foram determinados com os dados Landsat e MODIS da série de temperatura superficial no período de 2001-2017. A equação resultante permite ajustar os valores da temperatura superficial das imagens Landsat para o período de 1985 até 2000. Os valores utilizados para tal pareamento foram selecionados na mesma data e organizados ascendentemente. Com a série temporal de 32 anos (1985 até 2017), foram construídas séries mensais de temperatura superficial da lagoa e desenvolvida a análise de sensibilidade e a construção dos gráficos.

3             Resultados e Discussão

A série temporal construída para a análise anterior ao ano 2000 inicia em 1985, pois ao aplicar os filtros e processar as imagens é apenas a partir desta data que se tem informações. Os valores da temperatura superficial da Lagoa Itapeva para o período 2001-2017 permitiram determinar um coeficiente R² = 0.91 (Figura 2), o qual mostra que existe uma forte correlação entre a informação fornecida pelas imagens de satélite de duas fontes diferentes de dados. A equação da linha de tendência permitiu ajustar os valores faltantes e se obteve um REQM =2,32ºC. Conforme outros estudos que utilizaram o MODIS ou o Landsat para avaliar a temperatura superficial de lagos, o REQM, demostrou ser um valor dentro da faixa do erro esperada, uma vez que para o MOD11 LST já foram reportados REQM desde 0.92ºC (PAREETH et, al., 2016) até 4.53ºC (ZHANG et, al., 2009), enquanto para o sensor Landsat os erros reportados oscilam 1,2 ºC (PRATS et al., 2018) e 1.4ºC (WLOCZY et al., 2006). O ajuste foi considerado satisfatório, uma vez que o preenchimento de dados de temperatura superficial de lagoas rasas a partir de técnicas de sensoriamento é uma tarefa bastante complexa e que depende de diversos fatores, tais como falhas nas séries temporais, baixa resolução temporal e diferenças na resolução espacial entre sensores.

Figura.  2 Temperatura estimadas pelo sensor MODIS e Landsat

 

Os dados fornecidos pela série Landsat apresentam uma resolução temporal baixa e, devido a isso, não possuem séries temporais robustas e não conseguem fornecer informações de processos com mudanças muito rápidas no tempo como, por exemplo, variações intra-diarias de temperatura (WOOLWAY et al, 2016). Assim, para a análise do regime de temperaturas da Lagoa Itapeva anteriormente ao período cujos dados estão disponíveis para o MODIS (ano 2001 até o 2017), foi ajustado o período 1985 até 2000 para as imagens Landsat, onde é possível observar que o ajuste com a equação de regressão suaviza os efeitos extremos de máximos e mínimos, os quais são observados em dias específicos, e que é possível que não representem o mês avaliado (Figura 3a). Dessa forma se atribui uma maior representação aos valores de temperatura ajustada devido às informações fornecidas com maior frequência pelo MODIS. Nas temporadas de primavera e outono, por exemplo, os valores ajustados e registrados apresentam menor diferença entre eles, o que pode ser explicado pelo fato de que estas são estações de transição e, portanto, não apresentam eventos extremos de temperatura, além de serem, épocas em que os corpos de água rasos apresentam misturas.

Figura 3 – Comparação entre temperaturas: a) Temperatura média Landsat para o período 1985-2000; b) Comparação das medias mensais obtidas pela série Landsat e MODIS

(a)

(b)

*Os períodos 1985-2000 e 2001-2017 fazem referência a série Landsat

A Figura 3b representa as médias mensais dos períodos de 1985-2000 e 2001-2017 para informações Landsat ajustadas com a equação de regressão, e a série das médias mensais do MODIS. Em ambos os períodos é possível observar uma marcada variação sazonal, apresentada tanto por informações MODIS como Landsat. Se identifica para os períodos Landsat que nos primeiros 5 meses do ano a temperatura do período recente (2001-2017) é maior, indicando um aumento na temperatura da superfície da água na lagoa Itapeva, o que pode ser explicado pelo aumento da temperatura do ar nos últimos anos. Segundo informes do IPCC (2013) a temperatura do ar tem uma forte influência na temperatura superficial. Além disso, outros estudos demostraram relações numa proporção entre 0.5-0.9 na variação entre temperatura do ar e superficial na água (SCHMID et al., 2014).

Para os meses de junho e julho que são meses de inverno, se registram temperaturas mais frias no período 2001-2017, o qual pode estar relacionado a eventos climáticos mais extremos devido às mudanças climáticas, como é o caso das frentes frias (MUNAR et al., 2018) que agem nesta região e conforme sugerido por Kenawy et al. (2019). Para a estação de transição de primavera e começos de verão não é claro o comportamento do regime das temperaturas, pois diversos fatores climáticos estão envolvidos, tais como pressão atmosférica e direção e intensidade do vento  (KENAWY et al., 2019).

A série de MODIS apresenta para todos os meses, à exceção do mês de abril, temperaturas mais baixas em comparação à série Landsat. Isso pode estar relacionado a maior quantidade de dados gerados pelas imagens do sensor MODIS, dada a sua resolução temporal em comparação com a série Landsat. Entretanto, é preciso considerar também que a resolução espacial do MODIS é menor que do Landsat, isto é, os pixels gerados pelo MODIS têm uma dimensão maior, o que também pode influenciar nos resultados obtidos uma vez que pode processar pixels que não, necessariamente, representem a água. Esta é uma limitação importante especialmente nas zonas de margem da lagoa. No entanto, os dados de temperatura apresentados por ambos os sensores estão próximos entre si e concordam com o erro calculado previamente. Além disso, existem registros de outros trabalhos que utilizaram sensores MODIS e informações do satélite Lansdat em lagoas rasas subtropicais costeiras como Lagoa Mangueira e Lagoa Mirim no estado de Rio Grande do Sul, em que utilizaram imagens de satélite como fonte de dados para alimentar modelos que estimavam temperatura superficial da agua (TAVARES et al., 2019a), avaliavam efeitos de mudanças climáticas na lagoa (TAVARES et al.,2019b), e estudavam fluxos de calor e temperatura neste tipo de ecossistemas (MUNAR et al., 2019). Como foi reportado nesses trabalhos, mesmo com a presença de erros as imagens de satélite fornecidas por MODIS e Landsat permitem obter uma adequada representatividade da realidade e permitem fazer uso delas em modelos de previsão. Conforme Tavares et al. (2019b) os recursos MODIS e Landsat para estudo de temperatura superficial em lagos na região sul do Brasil, são ferramentas adequadas em que depende do alvo do objetivo se prefere uma fonte sobre outra. Nossos ajustes utilizando MODIS e Landsat permitiram ajustar as informações previas ao ano 2000 e enxergar a mudança do regime de temperatura, o que foi mais claro nos primeiros meses do ano.

Projetando a longo prazo mudanças no regime de temperatura da Lagoa Itapeva gerariam alterações na flora e fauna, o que teria efeitos na biodiversidade que também traz prejuízos na comunidade humana (PIRES et al., 2018). Conforme estudos do IPCC (2013) o aumento da temperatura do ar a escala global vem acontecendo com mais força nas últimas décadas e, com isso, a temperatura nas lagoas também se vê afetada. Neste caso vemos alguns efeitos nos registros da temperatura da lagoa Itapeva principalmente nos meses de verão e outono. Existem outros fatores que são comuns no ambiente da lagoa Itapeva, como a contínua alteração da paisagem natural ao redor das lagoas, em que perdem a característica de lagoas naturais e viram lagoas urbanas. Isto influencia na temperatura superficial da água como foi demostrado por Yang et al. (2019).

4             Conclusões e recomendações

Se identificaram variações da temperatura superficial na Lagoa Itapeva onde foram comparados dois períodos de mais de 10 anos com informações Landsat. Para o período estudado, observou-se aumento de temperatura na água para os meses de janeiro a maio e registros de temperaturas baixas nos meses de inverno, o que foi associado a mudança de estação. Para meses de agosto a dezembro, no entanto, não se evidenciou uma tendência clara de comportamento. Embora, a utilização de imagens de satélite com resolução e série temporal adequadas seja uma das principais limitações dos métodos aqui empregados ao se tentar avaliar a temperatura superficial de lagoas, se consegue ter um proxy do comportamento do regime de temperatura superficial e uma correlação importante entre as informações fornecidas pelos sensores MODIS e Landsat. A relação das informações dos sensores permite complementar séries temporais estendendo o tempo de estudo, o que é uma das maiores limitações ao avaliar fenômenos que ocorrem em várias dezenas de anos. Sugere-se para trabalhos futuros complementar a avaliação utilizando dados climatológicos como temperatura do ar, velocidade e direção do vento, já que é sabido que mudanças climáticas tem efeitos diretos sobre esse tipo de ecossistema.

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