Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 41, e62, 2019.

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X37846

Received: 25/04/2019 Accepted: 23/05/2019

 

by-nc-sa

 


Section Geography

 

Valoração Geoturística das quedas d’água do munícipio de Itaara - RS

 

Geotouristic Evaluation of the water falls of the municipality of Itaara – RS

 

 

Resumo

As quedas d’água são excelentes atrativos geoturísticos devido a sua beleza cênica e possibilidade de explicação da história geológica através de seu perfil litoestratigráfico e dos processos erosivos atuantes, assim como de sua gênese. Por isso, esse trabalho buscou definir o potencial geoturístico das quedas d’água de Itaara, a fim de objetivar sua interpretação e contribuir com seu uso sustentável por meio do desenvolvimento do geoturismo na região. A partir disso, buscou-se localizar e mapear as principais quedas d’água do município de Itaara; e desenvolver um sistema de valoração e classificação do potencial geoturístico das quedas d’água. De um modo geral, foi possível concluir que as quedas pesquisadas possuem maior valor estético do que geocientífico e cultural; e além disso, possuem de médio a alto valor de uso potencial. Em outras palavras, as quedas de Itaara possuem um caráter patrimonial, mesmo não possuindo relevante valor geocientífico, sendo fundamental o incremento imediato de estratégias de desenvolvimento que compreendam a exploração turística das quedas d´água de forma planejada, como propõe o geoturismo, evitando que o uso descontrolado continue causando impactos negativos tanto para o meio ambiente quanto para a economia local.

Palavras-chave: Quedas d’água; Geodiversidade; Valoração Geoturística

 

Abstract

The waterfalls are excellent geotouristic attractions due to its scenic beauty and the possibility of explaining the geological history through its lithostratigraphic profile and the erosive processes, as well as its genesis. Therefore, this work sought to define the geotouristic potential of the waterfalls of the municipality of Itaara, in order to objectify its interpretation and contribute to its sustainable use through the development of geotourism in the region. From this, we sought to locate and map the main waterfalls of the municipality; and to develop a system of valuation and classification of the geotouristic potential of waterfalls. In general, it was possible to conclude that the studied falls have a greater aesthetic value than geoscientific and cultural; and in addition, have medium to high value of potential use. In other words, the falls located in Itaara have a patrimonial character, even though they do not have a significant geoscientific value, being fundamental the immediate increment of development strategies that include the tourist exploitation of the waterfalls in a planned way, as geotourism proposes, avoiding that uncontrolled use continues to have negative impacts on both the environment and the local economy.

Keywords: Waterfalls; Geodiversity; Geotouristic Valuation

 

 

1 Introdução

Os movimentos de conservação ambiental sempre tiveram ênfase na proteção da biodiversidade, e como consequência, feições geológicas e geomorfológicas importantes têm sido conservadas apenas de forma indireta (BORBA, 2011). No entanto, de acordo com Brilha (2002), a natureza é formada pelas frações biótica e abióticas, fortemente interdependentes, conectadas e inseparáveis.

O termo geodiversidade começou a ser utilizado por geólogos e geomorfólogos na década de 90 para descrever a variedade do meio abiótico (GRAY, 2004). Surgiu na Conferência de Malvern sobre Conservação Geológica e Paisagística, realizada em 1993 no Reino Unido, buscando destacar que os materiais e processos abióticos da natureza merecem, no campo da conservação ambiental, tanta atenção quanto a diversidade dos seres vivos (BORBA & SELL, 2018).

Rochas, fósseis, minerais, formas de relevo e paisagens, além dos processos ativos de vulcanismo, hidrotermalismo, intemperismo, formação de solo, erosão, transporte e sedimentação fazem parte da fração abiótica da natureza e constituem elementos da geodiversidade (BRILHA, op. cit.). Um ou mais elementos da geodiversidade constituem um geossítio e a atribuição de valores ao geossítio é capaz de demonstrar o seu potencial de utilização. Estes valores foram classificados por Brilha (2005) como intrínseco, cultural, estético, econômico, funcional, científico e educativo. Ao atribuir valores à geodiversidade, abre-se caminho para o estabelecimento de locais com reconhecida importância, denominados de geopatrimônio (BENTO & RODRIGUES, 2011). É nesse contexto que se insere o geoturismo, atividade turística que pretende valorizar os aspectos abióticos da paisagem por meio da interpretação ambiental visando sua conservação.

Este estudo foi realizado no município de Itaara, localizado no centro do Estado do Rio Grande do Sul, onde a grande quantidade de rios somada a um relevo escarpado acaba por formar quedas d’água de beleza singular. O território do município está localizado em sua totalidade sobre rochas da Bacia Sedimentar do Paraná, constituída principalmente por rochas vulcânicas e arenitos das formações Serra Geral, Botucatu e Caturrita, que aliado ao grande potencial hídrico proporcionam o desenvolvimento de quedas d’água, principalmente nas escarpas relacionadas ao derrame basáltico sobre os depósitos sedimentares da Formação Botucatu, e também por descontinuidades de um mesmo maciço rochoso, como no caso da formação Serra Geral (LUERCE, 2015). Diante disto, o objetivo deste estudo foi definir o potencial geoturístico das quedas d’água de Itaara, buscando a valorização da geodiversidade local com vistas a impulsionar o geoturismo na região.

 

2 Metodologia

2.1. Área de estudo

Itaara está localizada no centro do Estado do Rio Grande do Sul, com uma área de 172,8 km² e uma população de pouco mais de 5.000 habitantes (IBGE, 2010), e é conhecida regionalmente pelo potencial turístico da beleza cênica de suas paisagens. O pequeno município está inserido na Microrregião de Santa Maria, pertencente à Mesorregião Centro Ocidental Rio-Grandense. Faz divisa ao norte com o município de Júlio de Castilhos, ao sul e leste limita-se com Santa Maria, e a oeste, com São Martinho da Serra (Figura 1).

 

Figura 1 - Localização do município de Itaara

 

O perímetro urbano de Itaara se formou a partir de pequenos núcleos habitacionais descentralizados, conservando características do espaço rural com amplas áreas verdes. A área urbana apresenta uma forma dispersa e descentralizada com três núcleos habitacionais principais e onze balneários, sendo dez de uso privado e um com acesso ao público geral. A predominância de vegetação nativa com córregos e cascatas naturais assegura a existência de áreas de lazer que possibilitam o incentivo ao desenvolvimento da atividade turística (MARTINS,1997).

Estes e outros atributos naturais, como o clima ameno, atraem visitantes e turistas ao município. Em Itaara, as temperaturas médias proporcionam uma sensação térmica agradável, variando entre -3ºC e 10ºC no inverno e, no verão, com temperatura média de 22ºC. O clima de Itaara é do tipo Subtropical Úmido, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger (AYOADE, 2002), ou seja, com precipitação abundante em todos os meses do ano. Tais condições climáticas, aliadas a grandes remanescentes florestais, fazem com que o município se torne um atrativo para turistas, e também para moradores de cidades próximas que mantém em Itaara uma segunda residência, tanto para veraneio quanto para o período de inverno (RECHIA, 2006).

Além disso, Itaara está localizada em uma área de transição ecológica entre os Biomas Pampa e Mata Atlântica e provido de grandes remanescentes florestais e, de acordo com Ferrarese (2016), configurado pela unidade fitofisionômica da floresta estacional decidual. De acordo com Brena e Longhi (2002), as áreas de floresta ocorrentes na região representam um ecótono formado pela interpenetração de constituintes das floras da Floresta Estacional Decidual do Alto Uruguai, Floresta Ombrófila Mista e Floresta Ombrófila Densa.

A presença de uma grande quantidade de áreas com declividades superiores a 45º fazem com que grande parte do município esteja em área de preservação permanente de acordo com o com a Lei 12651/2012 (Novo Código Florestal Brasileiro), contendo extensas áreas de vegetação nativa preservadas em remanescentes florestais, e duas unidades de conservação estaduais: a Reserva Ecológica Ibicuí-Mirim e a Reserva Particular do Patrimônio Natural MO’Ã.

Assim, as áreas de remanescentes florestais estão aliadas a uma rica rede de drenagem presente no município que, por sua posição de altitude, que varia entre 120 e 500 metros, configura-se como uma espécie de “caixa d’água” da região central, pois as nascentes presentes em seu território acabam por formar rios que dessedentam grande parte da região central do estado. O município é um divisor de águas de importantes bacias hidrográficas do Rio Grande: as bacias hidrográficas dos rios Ibicuí e Vacacaí-Mirim.

A maior parte do município está localizada sobre a Formação Serra Geral, composta por uma série de derrames (corpos vulcânicos) tabulares de basaltos, andesitos, riodacitos e riolitos, intercalados com arenitos intertraps (ou seja, entre os derrames) vinculados à Formação Botucatu (CPRM, 2009). Esses atributos garantem uma grande beleza cênica e proporcionam o desenvolvimento de quedas d’água, principalmente nas escarpas relacionadas ao derrame basáltico sobre os depósitos sedimentares da Formação Botucatu (LUERCE, 2015), pois os mesmos apresentam potencial erosivo diferencial, ou seja, uma rocha tende a erodir ou ser desgastada primeiro sob outra, mas resistente e superior à primeira, como é o caso dos arenitos e basaltos presentes em Itaara que vem ocasionar uma erosão remontante ideal para o surgimento de quedas d´água.

As quedas d’águas podem se formar, ainda, por descontinuidades de um mesmo maciço rochoso, como no caso da formação Serra Geral, como juntas de contração, fraturas e falhas. Em Itaara os cursos d’água seguem uma orientação relacionada a linhas de falhas ou fraturas de origem tectônica. Essas estruturas ocorrem em áreas onde as rochas são rígidas e resistentes às forças internas e se “quebram” ao invés de “dobrar”, ou seja, formam rupturas ou fendas nas extensões das rochas. Com isso, acontece o deslizamento entre as rochas, formando um desnível no terreno (uma parte elevada e outra rebaixada), responsáveis pelo surgimento de escarpas, vales e quedas d’água.

 

2.2. Materiais e Métodos

A primeira etapa consistiu na identificação das quedas d’água de interesse. O levantamento das principais quedas d’água do município de Itaara foi realizada através de trabalhos de campo e consulta à população local e à empresa de turismo de aventura Clube Trekking de Santa Maria. Para a delimitação das quedas d’água a serem catalogadas foram adotados os seguintes critérios: 1. As quedas d’água deveriam ter fluxo de água na estação seca, ou no ano todo, primando pelas quedas que ocorram em rios perenes, desconsiderando os intermitentes; 2. Já deveria existir na queda d’água um fluxo mínimo de visitantes, sejam espontâneos ou guiados; 3. A queda d’água deveria ser minimamente conhecida na região.

Depois deste levantamento, a segunda etapa constitiu na avaliação quali-quantitativa das quedas d’água. Para tal, fez-se necessária uma adaptação da metedologia de valoração proposta por Brilha (2005), mesclando com contribuições dos trabalhos de Oliveira et al. (2015), Luerce (2015) e Phuong et al. (2017). Para o estabelecimento dos valores e critérios foram trazidas contribuições de Fassoulas et.al. (2012), Borba et.al. (2013) e Ziemann (2016).

Os valores da geodiversidade considerados foram Estético, Geocientífico, Cultural e de Uso, divididos em critérios relevantes às quedas d’água, aos quais foram atribuídas notas entre 1 (baixo), 3 (intermediário) ou 5 (alto), como é possível visualizar na Tabela 1.

 

Tabela 1 - Valores e critérios para valoração geoturística de quedas d'água.

 

Para a definição do valor estético (Vest) foram adotados critérios relativos a extensão da queda d’água, como altura (E01) e fluxo de água (E02), pois considera-se esses fatores ligados à espetacularidade, complexidade e monumentalidade encontrada neste fenômeno. Os critérios número de degraus (E03), número de quedas (E04) e presença de gruta (E05) equivalem à complexidade da queda, pressupondo que quanto mais elementos compuserem a queda d’água, maior será a pontuação. No aspecto estado de conservação do entorno (E06) foi observado se existia vandalismo, presença de lixo ou intervenção humana significativa próximo ou na queda d’água.

As condições de observação (E08) dizem respeito à obstrução da vista do geossítio pela vegetação ou outros elementos e à distância de observação, privilegiando os geossítios com melhores condições de observação. Já o critério de visibilidade (E07) diz respeito à capacidade de se visualizar e distinguir a queda dentro da paisagem a médias e longas distâncias.

Um critério que sobrepõe valor de uso (Vup) e valor estético (Vest) é a qualidade d’água, pois enquadra balneabilidade (uso) e claridade da água. Sobre a balneabilidade, propõe-se a análise de qualidade da água (OLIVEIRA et al. 2015), porém esse aspecto caberá aos gestores do município ou outras entidades em futuras ações. O presente trabalho não o fez por falta de material e recursos. Neste aspecto será considerada apenas a claridade visual (E09) no aspecto estético e outros critérios para apontar a qualidade da água no valor de uso.

Para o estabelecimento do valor geocientífico (Vgcc) foi considerado como critério a citação (GC01) ou referência da queda d’água em artigos científicos publicados em revistas ou teses, dissertações ou trabalhos de graduação, não sendo considerado trabalhos do presente autor.

Para o aspecto de diversidade de elementos de interesse geológico (GC02), foi feita uma contagem simples de feições ou elementos geológicos como: tipos de rocha, estruturas componentes da fácies, feições geomorfológicas, feições tectônicas (BORBA, et al. 2013). Aos geossítios que apresentarem o maior número de feições serão atribuídas as maiores notas, aos que apresentarem menor número de feições serão atribuídas as menores notas, o restante será distribuído em classes. As feições encontradas foram: zona de contato entre diferentes camadas litológicas, existências de cava, falhas e fraturamentos, erosão diferencial e remontante. O aspecto GC03 diz respeito à relevância didática da queda d’água, ou seja, a capacidade de legibilidade dos processos que formam a queda, da litologia como potencial recurso didático.

Os aspectos ligados aos valores culturais (Vcult) são dois: importância histórico-cultural e importância religiosa. Os aspectos analisados na importância religiosa dizem respeito à prática de rituais ligados a religiões, principalmente de matriz africana, nas proximidades das quedas, sendo analisada a partir de relatos ou vestígios localizados nas quedas. Os aspectos relacionados à importância histórico-cultural dizem respeito a quedas que estejam ligadas à história local ou sejam culturalmente relevantes, emprestando seu nome a uma localidade, por exemplo.

Os aspectos relativos às potencialidades e aos riscos relativos à ocupação das quedas d’água estão listados nos valores de uso potencial (Vup). Como atividade turística nas quedas d’água, os aspectos essenciais são a profundidade do poço (UP01) e a área do poço (UP02), correspondentes à possibilidade de balneabilidade na queda d’água.

Um aspecto que corresponde à qualidade da água como potencialidade de uso é o estado de conservação da bacia hidrográfica (UP03) onde se localiza a queda d’água. Para analisar este valor foram utilizados mapas de ocupação do solo da área de captação da queda d’água, onde foram computadas maiores pontuações para as quedas localizadas em bacias em que a maior parte da bacia esteja preservada. Em bacias onde existe a presença de área urbana ou em que existem áreas de agricultura extensiva, foram computados menores pontos, pois essas atividades impactam negativamente na qualidade da água da queda d’água, seja pelo lançamento de efluentes domésticos ou industriais (urbanos), seja pelo uso de agrotóxicos (rural).

As quedas d’água, por se constituírem em locais expostos a uma dinâmica fluvial intensa, com possibilidade de aumento repentino do nível rio, tornam-se locais com uma periculosidade inerente. Este aumento repentino do nível do rio traz riscos aos visitantes dos geossítios, inclusive de vida, e, por isso, acrescentou-se o aspecto de periculosidade (risco de exurrada UP10) como um valor de uso, sendo que quanto mais vulnerável a enxurradas, menor será a pontuação do geossítio.

Para análise de periculosidade da queda, o primeiro ponto explorado foi a análise da bacia hidrográfica onde está situado o geossítio, sendo levantados critérios como a forma da bacia hidrográfica, altitude relativa entre a média dos pontos mais altos da área de captação e a queda d’água e a distância entre a queda e esses pontos. Outro ponto relevante foi a presença de barragens artificiais a jusante da queda d’água (UP09), pois essas barragens trazem riscos potenciais por possibilidade de se romperem e causarem uma enxurrada.

A acessibilidade dos geossítios foi mensurada pelo grau de dificuldade de acesso (UP04) ao início da trilha (UP07) que leva ao geossítio e a dificuldade de execução da trilha (UP05). Foi ponderada, ainda, a proximidade com a área urbana do município, bem como a proximidade a outros geossítios (UP06). Esses aspectos influenciam também na possibilidade de realização de atividades no geossítio (UP08). Em relação a esse ponto, foram privilegiados locais onde as possibilidades de atividades de cunho científico e pedagógico se sobressaiam.

Após estabelecidas as notas de cada critério, efetuou-se o cálculo da média simples como forma de estabelecer a média geral de cada valor – Estético (Vest), Geocientífico (Vgcc), Cultural (Vcult) e de Uso Potencial (Vup). A partir das médias gerais de cada valor foi estabelecido o índice de valor geoturístico das quedas d’água, ponderando os valores de acordo com a Tabela 2. Para a definição da média ponderada e delimitação do índice se utilizou como base o trabalho de Ziemann (2016), onde o valor estético é preponderante em relação aos demais devido à utilização turística destacando os efeitos de complexidade e monumentalidade.

 

Tabela 2 - Ponderações dos valores para calcular o índice de valor geoturístico.

Valor

Ponderação

Valor Estético

(Vest)

0.4

Valor Geocientifico

(Vgcc)

0.2

Valor Cultural

(Vcult)

0.2

Valor de Uso Potencial

(Vup)

0.2

 

Assim, o índice de valor geoturístico das quedas d’água (IVgeotur) a partir da ponderação é estabelecida pela seguinte fórmula:

 

IVgeotur = (Vest.0,4)+(Vgcc.0,2)+(Vcult.0,2)+(Vup.0,2)

 

3 Resultados e Discussão

Trabalhos de campo foram realizados entre os anos de 2017 e 2018 com o objetivo de realizar o levantamento detalhado das principais quedas d’água de Itaara. Foram mapeadas e inventariadas 33 quedas d´água, sendo que este não é o número total de quedas do município, mas sim, as mais conhecidas e visitadas.

As quedas d’água itaarenses estão localizadas principalmente nas porções oeste e sul do município, nos domínios da bacia hidrográfica do Rio Vacacaí-Mirim, ocorrendo de 183 metros até 414 metros de altitude, em sua grande maioria sobre basaltos da fácies Gramado da Formação Serra Geral. Foram localizadas, entretanto, quedas d’água formadas sobre riolitos da fácies Caxias da Formação Serra Geral e Arenitos da Formação Botucatu, sendo duas quedas d’água sobre arenitos, três sobre riolitos e vinte e oito sobre basaltos.

Depois do mapeamento e inventariação das quedas d’água, os dados coletados serviram de subsídio para a valoração geoturística das mesmas, concatenadas nas Tabela 3, 4 e 5.

Sobre o valor estético (Vest) (em azul na Figura 3), os subcritérios número de degraus, número de quedas e presença de gruta, acabaram baixando, de um modo geral, as médias das quedas d’água pesquisadas. Ainda assim, quinze quedas obtiveram notas expressivas (média a alta), ou seja, quase metade possui um relevante valor estético. Além destas, treze outras quedas obtiveram notas inferiores a 3,0, mas maiores que 2,5, o que faz com que estas treze não possam ser rigorosamente consideradas com baixo valor estético, pois estão mais próximas do valor médio do que do baixo. Além disso, a menor nota obtida foi 2,1 (18. 1ª AFL. MANUEL ALVES) basicamente em função dos subcritérios condição de observação e visibilidade, gruta e degraus. Já a maior nota obtida foi 3,9 (10. CASCATA POZZOBOM), e o que baixou a média desta queda foi apenas subcritério número de degraus.

Quanto ao valor geocientífico (Vgcc) (em verde na Figura 3), o subcritério citações em trabalhos acadêmicos baixou a média da maioria das quedas pesquisadas, pois apenas as cascatas do Banrisul, da Usina, do Sapo e 3º ao 7º do Arroio Manuel Alves obtiveram notas representativas; quer dizer, até o momento, a maioria não têm sido consideradas como objetos de publicações e estudos científicos. A relevância didática, que se refere ao potencial das quedas d’água ilustrarem elementos ou processos da geodiversidade e possibilidade de uso para o 96 ensino básico e superior, também não atingiu bons parâmetros na avaliação. No entanto, vinte e quatro quedas possuem valor médio, e três, valor alto no subcritério elementos da geodiversidade. Desse modo, este critério teve importante peso para que onze quedas obtivessem de médio a alto valor geocientífico, sendo a nota mais alta (4,3) obtida pela Cascata Pozzobom.

O valor cultural (Vcult) (em vermelho na Figura 3) das quedas pesquisadas não foi relevante, pois a maioria não possui grande importância histórico-cultural ou religiosa. Apenas quatro quedas se destacaram: Três Quedas e Cascata da Usina, ambas com média 4; e Banrisul e Assis Brasil, ambas com média 3. Cabe fazer uma relação deste destaque com a toponímia, pois a Cascata Três Quedas tem relação direta com o nome do lugar onde se localiza que é Três Barras; assim como a Cascata da Usina, que dá acesso ao topo da barragem, e a do Banrisul, que fica na propriedade de um clube de trabalhadores do Banrisul. Já a Cascata Assis Brasil tem relação com uma figura histórica, o político gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil, que passou um período hospedado em propriedade próxima desta queda em Itaara.

 

A Figura 4 (em cor de laranja) traz os valores do uso potencial (Vup) das quedas pesquisadas, onde vinte e quatro quedas obtiveram média igual ou superior a 3,0.

 

Tabela 3 - Notas dos critérios dos valores estético, geocientífico e cultural das quedas d'água.

Um dos subcritérios que mais chama a atenção é o grau de dificuldade da trilha, pois onze quedas obtiver notas que lhes confere nível alto de dificuldade, dez possuem nível intermediário, e apenas duas, nível baixo de dificuldade da trilha, sendo elas: Recanto da Vovó e Cascata do Sapo. Outro importante subcritério é o risco de enxurrada, pois a queda d’água Três Quedas possui um expressivo valor potencial, mas também, um alto risco de enxurrada. A Cascata do Sapo possui o maior potencial de uso dentre todas as quedas, com nota 4,0. Outras cinco quedas obtiveram média 3,8, conferindo expressivo valor de uso potencial, sendo elas: Três Quedas, Banrisul, Cascata da Usina, 1ª e 2ª do Arroio Custódio.

 

Tabela 4 - Notas dos critérios do valor de uso potencial das quedas d'água

 

A partir da média de todos estes critérios e valores, a Tabela 5 traz o índice de valor geoturístico (IVgeotur), representados graficamente por estrelas, onde cinco estrelas representa valor geoturístico máximo; e uma estrela, valor geoturístico mínimo. Nesse sentido, três quedas d’água receberam quatro estrelas, sendo elas: Três Quedas, Cascata Pozzobom e Cascata da Usina; dez quedas receberam três estrelas, e as demais, vinte quedas, receberam duas estrelas no índice de valor geoturístico. Tabela 5 - Índice de valor geoturístico das quedas d’água.

Portanto, a partir de todos os valores, critérios e médias apresentadas nas Tabelas, conclui-se que as cinco quedas que obtiveram as maiores notas no que tange ao valor geoturístico, respectivamente, foram: 1) Três Quedas, 2) Cascata da Usina, 3) Cascata Pozzobom, 4) Cascata Assis Brasil e 5) Cascata do Sapo. A localização não só destas, mas de todas as trinta e três quedas d’água pesquisadas no município de Itaara, bem como o índice de valoração geoturística, representado pelo número de estrelas, podem ser visualizados na Figura 2:

 

Figura 2 - Mapa de localização e valoração geoturística das quedas d'água de Itaara.

 

4 Conclusões

A aplicação da metodologia de classificação do potencial geoturístico das quedas d’água de Itaara foi realizada a partir de um sistema de valoração que é usado internacionalmente, mas que pode ser adapatado às características e particularidades das quedas locais. Por isso, alguns critérios (subcritérios) foram incluídos – como foi o caso do risco de enxurradas – e outros suprimidos no processo de valoração geoturística da pesquisa. Para que tanto os visitantes quanto a população local saibam não só dos riscos, mas também dos processos formativos das quedas d’água, dos motivos pelos quais é preciso conservá-las para que as gerações presentes e futuras possam apreciá-las, é que se sugere que se invista no geoturismo.

A geodiversidade de Itaara compõe um panorama convidativo ao investimento no geoturismo, pois possui uma grande riqueza paisagística, onde se destacam feições geomorfológicas e geológicas da Formação Serra Geral e Botucatu, principalmente. Este panorama é propício ao geoturismo, pois busca promover a geodiversidade e o patrimônio geológico do território, constituindo uma importante ferramenta para a sua divulgação e conservação, e induz um desenvolvimento socioeconómico local de matriz cultural e ambientalmente sustentável. É nesse sentido que é preciso ficar claro que a estratégia de turismo adotada em Itaara não necessariamente seguirá os moldes das regiões turísticas tradicionais, como Gramado e Canela, por exemplo, pois o município possui um produto turístico diferenciado: o meio ambiente natural. Isso exige alternativas de turismo que sejam adequadas às características da região, ou seja, que impactem negativamente o mínimo possível as belezas naturais, que é o produto que Itaara tem a oferecer aos turistas.

As quedas d’água mais visitadas de Itaara são as que receberam as melhores avaliações geoturísticas: 1) Três Quedas, 2) Cascata da Usina, 3) Cascata Pozzobom, 4) Cascata Assis Brasil, 5) Cascata do Sapo e 6) Cachoeira do Banrisul, respectivamente. Ou seja, não será necessário criar outros produtos turísticos, direcionar os turistas para outras quedas que tenham um potencial geoturístico maior, mas sim, aprimorar e dar infraestrutura para as quedas que já são visitadas. Para auxiliar neste processo, elaborou-se um mapa geoturístico com fins de divulgação e valorização do geopatrimônio do município, contendo a localização das trinta e três quedas d’água e sua valoração geoturística.

 

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