Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, e101, 2020

DOI:10.5902/2179460X34582

ISSN 2179-460X

Received: 18/02/2020 Accepted: 28/02/2020 Published: 31/12/2020

Geociências

Respiração basal do solo sob três diferentes coberturas vegetais no Paraná

Soil basal respiration under three different vegetation covers in Paraná – Brazil

Luiz Fernando VeronezziI

Angela Michelato GhizeliniII

Vânia Rossetto MarcelinoIII

Kátia Cilene LombardiIV

Kelly Geronazzo MartinsV

Juliana HankeVI

I Universidade Estadual do Centro-Oeste, Irati, PR, Brasil - fernando_veronezi@hotmail.com

II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil - angelamichelato@gmail.com

III Universidade Estadual do Centro-Oeste, Irati, PR, Brasil - vaniarossetto@gmail.com

IV Universidade Estadual do Centro-Oeste, Irati, PR, Brasil - kclombardi@hotmail.com

V Universidade Estadual do Centro-Oeste, Irati, PR, Brasil - kellygm77@gmail.com

VI Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR. Brasil - julianahanke@gmail.com

Resumo

O presente trabalho avaliou o efeito de três diferentes coberturas florestais, atributos pedológicos e estações do ano na respiração basal entre 0 e 5 cm do solo. Dois povoamentos de espécies arbóreas comerciais da região centro-sul do Paraná foram selecionados, um talhão de Pinus taeda e outro de Eucalyptus dunnii, concomitantemente com um controle, com formação florestal original da região (Floresta Ombrófila Mista). A respiração basal do solo (RBS) foi determinada pelo método de adição alcalina nas duas estações avaliadas (inverno e verão) e a fertilidade do solo foi determinada por análises de rotina (pH, K+, Ca2+, Mg2+, Al3+, P, Matéria Orgânica, areia grossa e areia fina, silte, argila e V%). Os resultados demonstraram que as estações do ano e a umidade do solo são as melhores preditoras da RBS, seguidas da matéria orgânica, o que está em consonância com a maior parte da literatura. Foi registrada ausência de diferença entre as coberturas florestais, demonstrando que mesmo plantios de monoculturas podem apresentar fluxos de carbono, ao menos em relação à RBS, estatisticamente iguais aos de uma floresta natural em estágio sucessional intermediário. A fauna edáfica específica adaptada a cada ecossistema pode explicar a ausência dessa diferença em relação à RBS.

Palavras-chave: Solos florestais; Comunidade microbiana; Fluxo de CO2; Matéria orgânica; Floresta ombrófila mista;

Abstract

This study evaluated the soil basal respiration (SBR) of three forest types and seasons and their correlation with pedological attributes in the 0-5 cm land layer. Therefore, we selected two areas of commercial tree species in the central-southern Paraná region: one plot of Pinus taeda and one of Eucalyptus dunnii; and a control, a patch of native forest (Mixed Ombrophyllous Forest). We determined the SBR by the alkaline addition method, incubating the samples for seven days. We collected samples in the cool dry season (winter) and in the hot humid season (summer). Soil attributes were determined by a routine analysis (pH, K+, Ca2+, Mg2+, Al3+, P, Matéria Orgânica, areia grossa e areia fina, silte, argila e V%). We observed significant SBR differences only about summer and winter. SBR correlated significantly with organic matter. These results are similar to most of the literature. There was no difference between the forest types about the SBR, showing that even monoculture forests can present carbon fluxes statistically equal to those of an intermediate successional stage native forest. The specific edaphic fauna adapted to each ecosystem may explain the absence of this difference in relation to SBR.

Keywords: Forest soils. Microbial community. CO2 flow. Organic matter. Ombrophyllous Mixed Forest.

Introdução

Dentre os diversos impactos ambientais deflagrados no planeta, notavelmente amplificados pela revolução agrícola que iniciou em 1960 (LAL, 2015), estão: o aumento da concentração de dióxido de carbono atmosférico de 316 ppm a 400 ppm (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE - IPCC, 2014); o aumento da temperatura global em 0,12 °C por década (op. cit.); e a perda de solo por erosão, redução de sua matéria orgânica e consequente decréscimo de fertilidade (BAI et al., 2008).

Globalmente, os solos armazenam mais carbono do que a atmosfera e a biosfera combinadas, atuando tanto como fonte quanto dissipador de CO2 (CIAIS; SABINE,2013). A maior parte desse carbono está estocada na forma de matéria orgânica do solo (MOS), logo, pequenas mudanças relativas à MOS podem resultar em efeitos profundos sobre a concentração de dióxido de carbono (CO2) atmosférico e, portanto, no clima (MYHRE et al., 2013; KOCHY et al., 2015). A liberação desse carbono para a atmosfera ocorre, principalmente, mediante o processo de respiração basal do solo (RBS) na forma de CO2. A RBS constitui a maior fonte do fluxo de carbono para a atmosfera e é um dos resultados do processo de decomposição da matéria orgânica do solo por organismos heterotróficos (LAL, 2015).

Dentre os fatores que influenciam a RBS, a temperatura é amplamente considerada a melhor preditora (SHABAGA et al., 2015), aderindo a um comportamento exponencial, principalmente entre 10 e 300C. Entretanto, outros fatores como umidade (TUOMI, et al., 2008), atributos físico-químicos e de fertilidade do solo (MAZZETTO et al., 2016) e diversidade do componente arbóreo (THAKUR et al., 2015) podem influenciar significativamente no processo. Nesse sentido, as preditoras supracitadas têm ampla relação com alterações no uso e ocupação da terra, uma vez que a conversão de florestas em pastagens, áreas de agricultura, urbanização e plantios de arbóreas comerciais alteram a matéria orgânica do solo e o fluxo de carbono (KÖCHY et al., 2015; DREWNIAK et al., 2015).

Embora as plantações de arbóreas comerciais tenham substituído boa parte da Floresta Ombrófila Mista (FOM), fitofisionomia representativa e original da região centro-sul do Paraná, diminuindo drasticamente a diversidade, o valor econômico desses ecossistemas não pode ser menosprezado. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Florestais – SNIF (2018), o setor florestal brasileiro é responsável por gerar cerca de 3,5% do Produto Interno Bruto, gerando 7 milhões de empregos, e responde por 7,3% das exportações totais do país (US$ 10,3 bilhões).  As alterações no uso e ocupação da terra, que envolve desde diferentes práticas de manejo florestal, conforme demostrado por Shabaga et al. (2015), até de forma mais intensa a conversão de florestas nativas em áreas de agricultura (Sá et al., 2018), contribuem substancialmente com o acréscimo de dióxido de carbono na atmosfera. Diante disso, faz-se necessário desenvolver e aplicar medidas sustentáveis, as quais dependem de estudos sobre a dinâmica da RBS nesses ecossistemas.

Nesse contexto, o presente estudo objetivou comparar a respiração basal do solo e suas relações com as estações inverno e verão, sob três coberturas vegetais. Especificamente, este estudo procurou responder às seguintes perguntas: Existem diferenças das variáveis edáficas entre os três trechos estudados? Quem são os preditores significativos da RBS: cobertura vegetal, estação do ano (verão/inverno), atributos pedológicos ou umidade do solo?

Material e Método

2.1. Localização e caracterização das áreas de estudo

O estudo foi realizado no município de Irati, estado do Paraná, em três áreas com diferentes coberturas vegetais, sendo uma área de Floresta Ombrófila Mista (FOM) (25o31’48.81”S, 50o39’44.57”W) e duas de plantios de espécies comerciais exóticas comuns na região: um talhão com plantio de Pinus taeda L. (25o32’14.9”S, 50o39’53.7”W) e um com Eucalyptus dunnii Maiden (25o32’08.8”S, 50o39’45.9”W).  A Figura 1 mostra fotos do sub-bosque das áreas de FOM (a), Pinus (b) e Eucalyptus (c). O talhão de P. taeda foi implantado em 2003 e ocupa uma área equivalente a 1,65 ha. Na área houve aplicação de formicida (cerca de 2 Kg.ha-1) no primeiro ano do plantio. O talhão de E. dunnii foi implantado em 2002 em 1 ha e não foram realizadas quaisquer aplicações de inseticidas. A área de Floresta Ombrófila Mista mede cerca de 3 ha e se encontra em estágio sucessional secundário de inicial a médio (de acordo com a classificação proposta por Castella e Britez, 2004), com um sub-bosque em formação. O clima da região é do tipo Cfb, segundo a classificação de Köppen, apresentando verões amenos, invernos com ocorrência de geadas severas e frequentes. É marcado por temperaturas médias inferiores a 18ºC no mês mais frio e no mês mais quente inferiores a 22ºC, não apresentando estação seca, uma vez que a pluviosidade é relativamente homogênea durante todo o ano. As médias mensais de precipitação pluviométrica e de umidade relativa do ar são 193,97 mm e 79,58% respectivamente (CAVIGLIONE et al., 2000).

Figura 1 – Sub-bosque das áreas de estudo: Floresta Ombrófila Mista (a), Pinus taeda (b) e Eucalyptus dunnii (c)

 

2.2. Atributos físicos e químicos do solo

Em 2013 foram realizadas duas campanhas de coleta: em julho e dezembro. Coletou-se solo em profundidade de 0 a 5 cm com o auxílio de trado. Foram coletadas quatro amostras de solo em uma parcela de 10x10m2, as quais formaram uma amostra composta. Este procedimento foi realizado quatro vezes em cada área (quatro parcelas amostrais por área de estudo), de modo a obter quatro amostras compostas para cada uma por campanha. Ao total foram coletadas doze unidades amostrais de solo em cada campanha.  Posteriormente, foram abertos perfis e os solos das três áreas foram classificados como Neossolo Litólico, conforme classificação da EMBRAPA (EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA, 2013).

As amostras foram pesadas em balança analítica, em seguida secas em estufa a 105ºC por aproximadamente 24 h. Foram então resfriadas naturalmente em dissecador e novamente pesadas. A umidade foi determinada pela diferença de peso.

As análises físico-químicas básicas das amostras de solo foram realizadas no Laboratório de Análises de Rotina de Solos da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Campus de Irati, Paraná. Determinou-se o pH e os teores de K+, Ca2+, Mg2+ e Al3+, todos em cmolc/dm3, a Matéria Orgânica (MO) em g/dm3; o P em mg/dm³; areia grossa e areia fina (somadas), silte e argila em g/100g e o V% (S/CTC x 100). O pH foi determinado em CaCl2 nas proporções de 1:2,5. A extração de P e K se deu por meio da solução Mehlich. Ca, Mg e Al trocáveis foram extraídos por meio de KCl 1 mol/L; e a matéria orgânica (MO) por digestão úmida.

2.3. Determinação da respiração microbiana: respiração basal do solo

A respiração basal do solo (RBS) foi determinada mediante o método proposto por Jenkinson e Powlson (1976). Assim, quatro pontos em cada sítio de amostragem foram coletados a aproximadamente 5 cm de profundidade. As amostras foram acondicionadas em sacos plásticos e 30 g de cada amostra foram pesados em balança analítica no Laboratório de Química Ambiental do Departamento de Engenharia Ambiental da UNICENTRO, Campus Irati, Paraná.

As amostras de solo úmido foram incubadas durante sete dias em ambiente hermeticamente fechado com uma solução de hidróxido de sódio a 0,5 mol.L-1. Em todas as oito incubadoras foram inseridos papéis de filtro umedecidos para que a umidade do ambiente fosse mantida. Durante sete dias de incubação, o dióxido de carbono reagiu com a base formando carbonato de sódio e água (reação mostrada na Equação 1). Após esses sete dias de incubação a solução de NaOH, remanescente da reação acima, foi titulada com o auxílio de solução de HCl de 0,5 mol.L-1 e o indicador fenolftaleína.

 

(1)

 

O cálculo (Equação 2) da taxa de respiração (RBS) foi efetuado conforme Jenkinson e Powlson (1976).

 

(2)

 

Onde:

RBS= Carbono oriundo da respiração do solo;

Vb = Volume de ácido clorídrico gasto na titulação da solução controle;

Va = Volume gasto na titulação da amostra;

M = Molaridade exata do HCL;

Ps (g) = Massa de solo seco;

T = Tempo de incubação das amostras em horas.

2.4. Análise de dados

Para verificar se existem diferenças nas variáveis edáficas nos três trechos de estudo foram calculadas análises de variância com um fator (cobertura vegetal) e as diferenças entre as médias asseguradas pelo teste de Tukey.

As preditoras significativas da RBS foram analisadas com auxílio de duas técnicas. Primeiro os dados de RBS foram submetidos à análise de variância com dois fatores: cobertura vegetal e estações do ano, em um arranjo fatorial completo. As diferenças entre as médias foram asseguradas pelo teste de Tukey.  O objetivo foi verificar se a cobertura vegetal e a estação do ano interferem significativamente na RBS. A significância das preditoras edáficas foi averiguada mediante uma análise de correlação canônica (ACC). Para tanto, utilizou-se de duas matrizes, a primeira formada pelos dados da RBS no verão e no inverno e uma segunda formada pelos dados das variáveis edáficas. Entraram no modelo da ACC apenas as preditoras significativas (P<0,05), mediante forward selection, empregando-se o teste de Monte Carlo com 999 permutações. O mesmo teste e número de permutações foram utilizados para averiguar a significância das correlações do primeiro e segundo eixos da ACC (TER BRAAK; SMILAUER, 1998).

            Todas as análises foram calculadas no ambiente R versão 3.4.1 com auxílio do pacote vegan.

Resultados e Discussão

Os solos dos trechos avaliados para uma profundidade de 0-5 cm apontaram diferenças estatísticas entre Potássio (K), Cálcio (Ca) e, consequentemente, o V%, que representa a soma de bases (K, Ca, Mg). Para esses parâmetros, a FOM apontou valores significativamente superiores aos plantios, que apresentaram médias iguais (Tabela 1). Uma vez que as espécies florestais podem contribuir para o conteúdo de nutrientes no solo (MARTINS et al., 2015), em especial na camada de 0-5 cm mediante a decomposição da serapilheira depositada (SLOBODA et al., 2017), parece razoável atribuir tais diferenças à vegetação mais diversificada da FOM. De fato, os maiores teores de K, Ca e V% nos ecossistemas florestais estão correlacionados com o nível mais elevado de matéria orgânica no solo (em ordem decrescente: FOM, Eucalyptus e Pinus). Essa relação também foi encontrada por Braga et al. (2016), avaliando um fragmento de Floresta Estacional Semidecidual em Minas Gerais, plantios de Eucalyptus spp. e de Pinus caribaea, o que vem corroborar a importância da matriz orgânica na sustentabilidade da silvicultura em solos distróficos, extremamente comuns no Brasil, que apresentam acidez elevada e são muito intemperizados (TORRES et al., 2014).

Tabela 1 - Médias e desvio padrão dos parâmetros referentes às áreas de Eucalyptus dunnii, Floresta Ombrófila Mista (FOM) e Pinus taeda no município de Irati, Paraná, Brasil

Parâmetros

E. dunnii

FOM

P. taeda

pH

4,2a ± 0,12

4,48a ± 0,25

4,2a ± 0,08

K (cmolc/dm³)

0,52b ± 0,02

0,61a ± 0,02

0,51b ± 0,08

Ca (cmolc/dm³)

3,68b ± 0,68

6,00a ± 1,41

3,05b ± 0,48

Mg (cmolc/dm³)

2,75a ± 1,10

3,30a ± 1,00

2,58a ± 0,85

MO (g/dm³)

45,2b ± 3,51

66,32a ± 0,94

36,35c ± 4,18

P (mg/dm³)

10,59a ± 3,11

10,68a ± 1,00

8,47a ± 2,26

V% (g/100 g)

37,8b ± 5,69

52,2a ± 11,81

36,1b ± 3,41

Areia (g/100 g)

4,87a ± 1,59

6,92a ± 47,52

6,07a ± 1,55

Silte (g/100 g)

38,43a ± 1,20

41,08a ± 1,77

42,93a ± 3,97

Argila (g/100 g)

56,75a ± 1,92

52,00a ± 7,25

51a ± 3,83

 

Os elementos texturais (areia/silte/argila) não apresentaram diferenças significativas entre as áreas, ao menos na camada de 0-5cm. Assim, as condições de umidade edáfica são equivalentes nas três áreas, já que a textura é a responsável pela maior ou menor retenção de água no solo. Isso significa que as interferências em relação à umidade e temperatura sobre a microbiota do solo serão em função da cobertura vegetal, e não do solo em si (MELLO et al., 1985).

Os resultados da Anova com dois fatores (Figura 2) e da análise de correlação canônica (Figura 3) apontaram como preditores significativos da RBS: as estações do ano, a umidade e a matéria orgânica do solo. Esses resultados estão em consonância com a ampla maioria das pesquisas efetuadas no Brasil e no restante do mundo, em que os pesquisadores também encontraram as oscilações de temperatura e umidade do solo influenciando a RBS (FIERER et al., 2003; RAICH; SCHLESINGER, 1992; SHABAGA et al., 2015; THAKUR et al., 2015; WEBSTER et al., 2008; YU et al., 2015), ou seja, estas duas variáveis estão entre as que mais interferem no metabolismo microbiano. Em geral, quanto mais altas a temperatura e a umidade (até um ponto máximo suportado pelos microrganismos), mais intenso é esse metabolismo.

Figura 2 – Gráficos de caixa da Anova para os valores de Respiração Basal do Solo. I = Inverno; V= Verão; E= Eucalyptus dunnii; F= Floresta Ombrófila Mista; P= Pinus taeda

 

Neste estudo, a RBS não apresentou diferenças estatísticas entre as coberturas vegetais avaliadas (F2;18 = 2.87; p = 0.08). Braga et al. (2016) também não verificaram diferenças significativas entre a RBS de solos sobre coberturas florestais de diferentes espécies de Eucalyptus, Pinus caribaea e Floresta Estacional Semidecidual. Nesse contexto, Lopes et al. (2013) propuseram que valores de RBS acima de 100 µg.dia.g-1 conferem condições adequadas ao sistema. Ou seja, os valores de RBS das áreas do presente estudo estão sugerindo ecossistemas estabilizados e em relativo equilíbrio (Figura 2), ao menos por este indicador. De fato, a ausência de diferença estatística entre os trechos estudados pode ser explicada devido ao grau de estabilidade dos ecossistemas (ROSCOE; MACHADO, 2002), o que não significa que a biodiversidade original tenha sido mantida, apenas que a biota edáfica se estabilizou, isto é, foi adaptada aos nutrientes disponíveis. Assim, sistemas que apresentam usos similares do solo (como florestas) nas mesmas condições climáticas e pedológicas podem conferir homogeneização de índices microbianos, tais como respiração basal do solo e biomassa microbiana (FERREIRA et al., 2017). A biota do solo específica adaptada há pelo menos 10 anos (sem interferência antrópica) em cada ecossistema aqui abordado, pode ajudar a explicar a ausência dessa diferença em relação à RBS. Esta especialização caracteriza a chamada teoria da vantagem doméstica (home field advantage), a qual é baseada na premissa de que a fauna edáfica decompositora tem afinidade com a liteira produzida in situ (AYRES et al., 2006; GHOLZ et al., 2000).

Figura 3 – Análise de correlação canônica entre as matrizes de respiração basal do solo para inverno (RBS-Inv) e verão (RBS-Ver) e as preditoras significativas MO (matéria orgânica do solo) e US (umidade do solo) em três diferentes coberturas florestais: Eucalyptus dunnii, FOM (Floresta Ombrófila Mista) e Pinus taeda

 

As diferenças encontradas entre o período mais frio (inverno) e o mais quente (verão), explicitadas na Figura 2 corroboram que a temperatura é uma excelente preditora do comportamento da RBS (SHABAGA et al., 2015; THAKUR et al., 2015; YU et al., 2015). Isso ocorre porque a respiração heterotrófica é produto da decomposição e oxidação da matéria orgânica, que está positivamente correlacionada com a temperatura. Estudos também mostraram que a temperatura afeta o movimento do ar no solo, bem como a atividade e a abundância de microrganismos, o que indiretamente afeta a RBS (FIERER et al., 2003).

A análise de correlação canônica apontou duas variáveis edáficas significativas (p<0,05): a umidade do solo (US) e a matéria orgânica (MO). A ordenação também demostrou que mediante as variáveis supracitadas as diferentes coberturas florestais formam diferentes grupos relativamente homogêneos, o que sugere ecossistemas distintos, especialmente se comparados em função de valores de RBS estacionais. A matéria orgânica destacou-se na FOM: a maior quantidade de MO disponível no solo para os microrganismos possivelmente está relacionada à qualidade da serapilheira neste ecossistema nativo.

A matéria orgânica representa boa parte do carbono no solo, e no universo amostral deste trabalho apresentou-se como preditora significativa da RBS. De fato, a qualidade da matéria orgânica influencia a atividade microbiana do solo, pois é fonte de recurso para os microrganismos. Além disso, pode também auxiliar na estabilidade dos agregados do solo e na aeração do mesmo, propiciando uma multiplicidade de nichos para diferentes populações da microbiota edáfica (GIACOMETTI et al., 2013; GOROBTSOVA et al., 2016). Mazzetto et al. (2016) também verificaram correlação significativa e positiva da RBS com o carbono do solo, porém em áreas de pastagem. Os resultados de Sá et al. (2018) sugerem que o estoque de carbono orgânico no solo, provindo da entrada de matéria orgânica, acompanha o crescimento em biodiversidade, ou seja, coberturas vegetais mais complexas estocam mais carbono, sendo este um ótimo indicador do estado de conservação dos ecossistemas.

A umidade do solo foi maior na área de Pinus, talvez devido à quantidade de acículas que formam uma camada espessa de serapilheira (ob. pes.), a qual demora a se decompor e impede mais intensamente a evaporação da água do solo em relação aos demais ecossistemas; além disso essa área é bastante sombreada devido ao adensamento e copa das árvores (Figura 1b). O contrário foi verificado na área de Eucalyptus: menor umidade do solo, tanto no verão quanto no inverno, provavelmente devido ao maior consumo de água deste gênero em um plantio homogêneo, além de uma camada mais fina de serapilheira (ob. pes.), proporcionando maior evaporação da água (Figura 1c).

A umidade do solo também é documentada como preditora da RBS, sendo que a correlação entre ambas é positiva. Porém, a umidade por vezes pode apresentar correlação negativa, configurando um agente limitador em períodos de saturação hídrica, produzindo, assim, relações parabólicas em intervalos de tempo amostrais mais amplos que os reportados no presente estudo (WEBSTER et al., 2008).

Outro aspecto importante é discriminado no trabalho de Shabaga et al. (2015): os autores concluíram que a confluência localizada das variáveis referentes à umidade do solo, como microtopografia, cobertura vegetal, densidade radicular e textura do solo podem aumentar ou inibir desproporcionalmente a RBS, e contribuem com a heterogeneidade espacial do fluxo de CO2. Segundo revisão realizada por Jeelani et al. (2017), os valores de umidade do solo costumam variar consideravelmente devido à sua confluência com as variáveis supracitadas (densidade radicular, cobertura florestal associada à matéria orgânica e textura do solo). Esses apontamentos ajudam a compreender a maior heterogeneidade entre as amostras de um mesmo tratamento (Figura 3) no período de verão, quando a umidade do solo foi maior que no inverno.

5 Conclusões

As análises apontaram diferenças entre K, Ca e V%: a FOM apresentou valores significativamente superiores aos dos plantios, os quais apresentaram médias iguais. Os níveis de matéria orgânica também foram diferentes nas três áreas, sendo os maiores níveis encontrados na FOM, seguida por Eucalyptus e Pinus. Tais diferenças se devem provavelmente à complexidade da vegetação nativa, com riqueza muito superior à encontrada nas monoculturas. A floresta nativa, assim, mostrou maior efetividade na estocagem de carbono (na forma de matéria orgânica do solo) do que as florestas monoespecíficas.

Os elementos texturais (areia/silte/argila), bem como Mg, P e pH não apresentaram diferenças entre as áreas.

Não houve correlação entre a RBS e as diferentes coberturas vegetais, mas foram encontradas diferenças em relação às estações do ano: os valores de respiração basal foram maiores durante o verão, período com temperaturas mais altas e maior umidade.

Os preditores significativos da RBS encontrados neste estudo, portanto, foram as estações do ano, a matéria orgânica e a umidade do solo.

Referências

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