Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 41, e60, 2019.

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X34097

Received: 01/08/2018 Accepted: 07/10/2019

 

by-nc-sa

 


Section Geo-Sciences

 

Cobertura do solo em associação a larvas de Aedes albopictus em uma área urbana amazônica

 

Soil coverage in association with Aedes albopictus larvae in an Amazonian urban area

 

 

Jéssica Ariana de Jesus CorrêaI

Danielly Caroline Miléo GonçalvesII

Izaura Cristina Nunes Pereira CostaIII

José Laurindo Campos dos SantosIV

Julio TotaV

 

I  Universidade Federal do Oeste do Pará, PA, Brasil - jehssicorrea@yahoo.com.br

II  Universidade Federal do Oeste do Pará, PA, Brasil - daniellycmg@gmail.com

III Universidade Federal do Oeste do Pará, PA, Brasil - geoiza@yahoo.com.br

IV Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia AM, Brasil - laurocampos2004@gmail.com

Universidade Federal do Oeste do Pará, PA, Brasil - totaju@gmail.com

 

 

Resumo

Este estudo objetivou analisar a associação entre a cobertura do solo e a distribuição de larvas de Aedes albopictus em uma área urbana da Amazônia. Utilizou-se dados de larvas de Aedes albopictus, malha dos setores censitários e uma imagem do satélite Sentinel-2 para o mapeamento da cobertura do solo da área urbana de Santarém-PA. Análise de correlação de Pearson foi utilizada para verificar a associação entre a distribuição espacial de larvas e as classes de cobertura do solo e o Índice de Moran para correlação espacial. Verificou-se que a área urbana de Santarém apresenta 49,51 Km² da classe vegetação com maior área, porém apresenta bairros com proporção de classe urbanizado maior. Quanto a dependência espacial da distribuição das larvas foi indicada uma tendência de espraiamento pela vizinhança com índice de Moran de 0,78, assim como a associação fraca de -0,28 com as classes urbanizado e 0,32 com a classe vegetação. Concluiu-se que o Aedes albopictus está bem distribuído nos bairros da cidade, tanto em locais com proporção maior de vegetação, assim como em áreas com características mais urbanizadas, demonstrando assim um indicativo de adaptabilidade a diferentes ambientes no município, o que merece a atenção do poder público e da sociedade em geral.

Palavras-chave: Mosquito vetor; Áreas antropizadas; Cobertura vegetal

 

Abstract

This study aimed to analyze the association between soil cover and distribution of Aedes albopictus larvae in an Amazonian urban area. Data of larvae of Aedes albopictus, mesh of the census sectors and an image of the Sentinel-2 satellite was used for to map the soil coverage of the urban area of Santarém-PA. Pearson correlation analysis was used to verify the association between spatial distribution of larvae and soil cover classes and the Moran Index for spatial correlation. It was verified that the urban area of Santarém presents 49.51 Km² of the vegetation class with greater area, but it presents neighborhoods with proportion of greater urbanized class. As for the spatial dependence of the distribution of larvae, it was indicated a tendency of spreading by the neighborhood with Moran index of 0.78, as well as the weak association of -0.28 with the urbanized class and 0.32 with the vegetation class. Concluded that the Aedes albopictus is well distributed in the city's neighborhoods, both in places with a higher proportion of vegetation, as well as in areas with more urbanized characteristics, thus demonstrating an adaptability to different environments in the municipality, which deserves the attention the public power and society in general.

Keywords: Mosquito vector; Anthropized areas; Vegetal cover

 

 

1 Introdução

Vetores transmissores de doenças existem na natureza em uma ampla diversidade de espécies biológicas, apresentando distribuição geográfica bem definida com maiores concentrações em áreas quentes e úmidas (WHO, 1989; MÜLLER et al., 2019), como por exemplo em regiões da África e América Latina com vetores que transmitem malária e dengue (WHO, 2014). Ressalta-se que a faixa de adequabilidade de sobrevivência de espécies de vetores tem se modificado em regiões anteriormente inóspitas, as quais vêm atualmente constituindo meios para a sobrevivência de várias espécies.

A distribuição global do Aedes albopictus (Skuse, 1894), espécie homóloga e simpátrica ao Aedes aegypti (Linnaeus, 1762) (PINHEIRO; TADEI, 2002; GOMES, et al., 2005), tem sido a mais ampla de todos os tempos da faixa de adequabilidade de habitat para a espécie (KRAEMER et al., 2015). O Ae. albopictus apresenta comportamento mais rural e em áreas com maior cobertura vegetal, utilizando recipientes naturais como criadouros, tais como buracos em árvore e cascas de frutas (AYLLÓN et al., 2018; CONSOLI; OLIVEIRA, 1994). Porém, sua distribuição também tem sido associada à presença humana pela disposição de recipientes artificiais, propícios à deposição de ovos da espécie em discussão.

Assim, importa frisar que mudanças ambientais têm modificado o padrão de doenças transmitidas por mosquitos, por serem estes mais sensíveis às mudanças do meio ambiente. Um exemplo é a urbanização, fenômeno mundial crescente. Estima-se que na atualidade mais da metade da população mundial residem nas áreas urbanas (IBGE, 2016). No Brasil essa taxa é de 84,4% (IBGE, 2011) e na Amazônia em torno de 71,8% (Fundo de População das Nações Unidas, 2014).

Por meio das mudanças do uso e cobertura do solo a urbanização promove novos caminhos e exposição à infecções por tornar o contato entre os seres humanos e vetores de doenças em maior potencial (PATZ et al., 2008). A rápida urbanização causou um surto global de dengue no final do século XX (WU et al., 2014) e pode ter contribuído para os casos no Brasil de Chikungunya em 2014 e Zika em 2015 (LUZ et al., 2015).

Essas doenças possuem comprovadamente um vetor de transmissão em comum, o Aedes aegypti. Além desse vetor, o Ae. albopictus tem recebido atenção mundial nas últimas décadas devido a sua vulnerabilidade à infecção por diferentes tipos de doenças arbovirais humanas (GALATI et al., 2015). Embora seja considerado de baixa capacidade de transmitir patógenos a humanos, foi demonstrado o papel potencial dessa espécie na transmissão e surtos de Dengue, Chikungunya e Zika vírus (AYLLÓN et al., 2018).

Na região Amazônica, o clima, a diversidade de habitats, e outros fatores socioambientais, formam um conjunto favorável de condições para a sobrevivência de vetores (CONFALONIERI et al., 2014). Além disso, têm apresentado um novo ciclo de urbanização das cidades (SATHLER et al., 2009), principalmente as de médio porte, com uma crescente expansão de suas áreas urbanas e, consequente, mudanças de uso e cobertura do solo (DAL’ASTA et al., 2013).

Nessa região foi designado três tipos determinantes de macropaisagens (CONFALONIERI, 2005) de interesse a saúde pública: paisagens naturais, paisagens antropizadas e paisagens construídas. O agravo da dengue é característico das paisagens construídas, em decorrência das particularidades intrínsecas aos vetores Ae. aegypti e Ae. Albopictus. Os fatores ambientais, incluindo o uso do solo, vegetação e características hidrológicas, são relacionados à abundância de mosquitos e à composição da comunidade (VITTOR et al., 2006; FERRAGUTI et al., 2016).

O Ae. Albopictus teve seu primeiro registro no Brasil em 1986 e se espalhou por quase todos os estados brasileiros. Alguns registros da presença deste potencial vetor em áreas urbanas têm sido notificados, como por exemplo, na área urbana de Manaus no Estado do Amazonas em 2002 (FÉ et al., 2003), no município de Mateiros, Estado de Tocantins em 2006 (BALESTRA et al., 2008) e na área urbana de Santarém-Pará em 2013.

Em estudos entomológicos e epidemiológicos é cada vez mais comum a abordagem ambiental oferecida pela epidemiologia paisagística, associada à utilização de geoprocessamento e de sensoriamento remoto (SANTOS et al., 2013). Essas ferramentas têm se tornado cada vez mais úteis à vigilância, monitoramento e mapeamento do risco de diversas doenças, sendo possível verificar a distribuição espacial de pontos chaves para o planejamento de ações no controle de vetores de endemias, além da avaliação de áreas de risco para a população. Além disso, é possível com estas ferramentas geotecnológicas, caracterizar o ambiente através da análise da vegetação, uso e cobertura do solo e condições climáticas, que identifique e caracterize o habitat de vetores (OLIVEIRA et al., 2012).

Nesse contexto, compreender a distribuição de vetores e suas relações com o meio ambiente torna-se um passo inicial para verificação de riscos de doenças, principalmente no contexto de mudanças ambientais, especificamente, quando se trata do fenômeno da urbanização na Amazônia. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo analisar a relação entre o uso e a cobertura do solo com a distribuição de larvas de Ae. albopictus na área urbana de Santarém – PA, com a finalidade de se compreender quais as potenciais relações existentes entre essas variáveis.

 

2 Metodologia

2.1 Área de estudo

O local de estudo compreende a área urbana do município de Santarém, localizado na região Oeste do Estado do Pará (Figura 1). A área urbana de Santarém tem apresentado uma notável expansão, principalmente, a partir da década de 90 com a expansão da agricultura mecanizada no planalto santareno,  que vem ocasionando além de intenso êxodo rural, transformações marcantes na paisagem com o surgimento de mosaicos cada vez mais elaborados, além disso investimentos imobiliários tem modificado a estrutura urbana da cidade com a intensificação do processo de verticalização.

 

Figura 1 – Localização e evolução urbana de Santarém – PA de 1999 a 2017

 

No que tange a expansão horizontal da malha urbana, observa-se o direcionamento seguindo o eixo da BR-163 ao sul, além dos eixos da Rodovia- 370 (Santarém-Curuá-Una) a Leste e Rodovia 453 (Fernando Guilhon) a Oeste, posteriores aos igarapés que cortam a cidade.

O clima dominante na região é quente e úmido, com temperatura média anual variando entre 25 °C  e 28 °C. Apresenta pouca variabilidade na umidade e temperatura do ar. Segundo a classificação climática de Köppen, que leva em consideração os valores de temperatura e precipitação, Santarém enquadra-se no tipo climático Am, ou seja, o clima é equatorial úmido com uma estação seca bem definida e outra com elevados índices pluviométricos, permitindo, portanto, condições adequadas para as fases de desenvolvimentos dos mosquitos Aedes.

 

2.2 Procedimentos metodológicos

Neste trabalho utilizou-se a base de dados Sistema de Informação de Febre Amarela e Dengue (FAD) a qual apresenta a ocorrência de larvas de Aedes albopictus, contabilizadas por bairros referente ao ano de 2015, disponibilizada pela Divisão de Vigilância em Saúde (DIVISA) da Secretaria Municipal de Saúde de Santarém-Pará. Utilizou-se também a malha dos setores censitários urbanos do ano de 2010, disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E por fim, uma imagem do satélite Sentinel-2, resolução espacial de 10 m, data de 19/09/2016, bandas número B03 (banda do verde), B04 (banda do vermelho) e B08 (banda do Infravermelho Próximo), rótulo da grade T21MYT, disponibilizado pela Agência Americana United States Geological Survey – USGS (https://earthexplorer.usgs.gov/), para a classificação de uso e cobertura do solo.

Os setores censitários foram agrupados a partir dos setores urbanos para formar os bairros de Santarém a partir de ferramentas do software Quantum GIS 2.18.13 A partir dessa delimitação foi possível extrair o limite da área urbana. Recortou-se área de estudo na cena do Sentinel-2, e posteriormente realizou-se a composição colorida falsa cor RGB  04/08/03 para análise das feições urbanas.

A classificação foi realizada no software SPRING versão 5.5.1 (http://www.dpi.inpe.br/spring/portugues/download.php) pelo método da classificação supervisionada por pixel Máxima Verossimilhança (MAXVER) com grau de aceitação de 99,9%. O MAXVER é o método de classificação, que considera a ponderação das distâncias entre médias dos níveis digitais das classes, utilizando parâmetros estatísticos. Foram realizados treinamentos com amostras de pixels para gerar três categorias de classes de interesse para o estudo com potencial de associação a distribuição de Aedes albopictus: Água, vegetação e urbanizado. Caracterizou-se como urbanizado todas as áreas dentro do setor censitário urbano com características antropizadas tais como aglomerados residências, ruas pavimentadas e não pavimentadas.

Adotou-se a metodologia de grades regulares, conforme aplicações de Johansen et al. (2014), para organizar os valores de larvas e as classes de cobertura do solo em células de mesmo tamanho. O espaço celular foi criado no gerenciador FillCell versão 2.0 com grade de 250 x 250 m distribuídas ao longo de toda a área urbana do município. Através dos operadores porcentagem de classe para a variável cobertura e valor máximo para a variável quantidades de larvas por bairro as variáveis foram inseridas no espaço celular. O preenchimento de célula visa compatibilizar dados vindo de diferentes fontes em uma mesma base, no caso deste estudo cobertura da terra em formato raster e distribuição espacial das larvas em formato vetorial.

Após a integração dos dados realizou-se o teste de normalidade para a variável resposta através do teste de normalidade de Shapiro Wilk. Em seguida procedeu-se a análise de correlação de Pearson (r) entre as larvas de Aedes albopictus e as classes vegetação, urbanizado e água para verificar o grau de associação entre elas. O valor de r oscila entre -1 a 1 onde: 0,75 ≤ r < 1 indica uma correlação forte, 0,50 ≤ r < 0,75 indica uma correlação média, r < 0,50 indica uma correlação fraca, r = 0 indica ausência de correlação e r = ±1 indica uma correlação perfeita.

Além disso, fez-se o teste do índice de Moran (I) nos dados espaciais de distribuição de Aedes para verificar a tendência de autocorrelação espacial, considerando o primeiro vizinho (DRUCK et al., 2004). O Índice de Moran é um índice global, que varia de -1 a 1, e indica a dependência espacial dos dados. Valores mais próximos a -1 indicam dados com forte autocorrelação negativa ou inversa. Valores mais próximos a 1 indicam dados com forte autocorrelação positiva ou direta e valores próximos a 0 indicam aleatoriedade. Quanto mais próximo de 1 indica que há tendência do evento analisado se espalhar pela vizinhança.

 

3 Resultados e Discussão

As classes cobertura do solo da área urbana estão apresentadas na Figura 2. Pela área dos limites dos bairros, a área urbana de Santarém corresponde aproximadamente a 82 Km², dos quais é possível verificar que 1,64 Km² pertence à classe água. A classe vegetação está em maior representação com área de 49,51 Km² (Gráfico 2). As maiores áreas com vegetação se encontram nos bairros periféricos e áreas no entorno dos igarapés que atravessam a cidade. A classe urbanizado apresenta 31,56 Km² distribuídos em todos os bairros.

 

Figura 2 - Mapa de cobertura do solo da área urbana de Santarém-PA

 

Os bairros de Santarém possuem níveis de urbanização diferenciados. De acordo com IBGE (2010), possui taxa de arborização de vias públicas de 43,3% apresentado maior taxa que as principais capitais da região Amazônica, tais como Rio Branco (13,9%), Belém (22,4%), Manaus (25,1%) e Porto velho (40,2%). Existem bairros que são estritamente urbanizados com baixo percentual de arborização urbana como por exemplo o Centro comercial, bairro de Fátima e Aldeia, que na maioria dos casos apresentam unidades arbóreas isoladas (UCHÔA, 2011). Em contrapartida, bairros com características rurais situadas nas áreas periurbana apresentam maior porcentagem de vegetação, como por exemplo o Bairro de Mararú e Ipanema, conforme Gráfico 3.

 

Gráfico 2 - Classes de cobertura do solo da área urbana de Santarém-PA

 

Gráfico 3 – Área das classes de cobertura do solo dos bairros de Santarém

 

Um total de 356 larvas de Aedes albopictus foram identificadas na área urbana de Santarém no ano de 2015, distribuídos nos 48 bairros (conforme malha urbana de 2010 do IBGE), 45,83% não apresentaram nenhuma larva, enquanto 54,17% tiveram uma variação de 1 a 76 larvas por bairro.

No Gráfico 4 é possível verificar os bairros que apresentaram larvas de Aedes albopictus, os demais bairros não citados no gráfico não apresentaram nenhuma unidade de larvas. O bairro de Mararú apresentou 21,35% dos registros. Esse bairro como verificado anteriormente apresenta uma grande área com vegetação, sendo caracterizado como bairro periurbano por apresentar características rurais.

 

Gráfico 4 – porcentagem de larvas de a Aedes albopictus nos bairros de Santarém no ano de 2015

 

A Figura 3 apresenta a distribuição espacial das larvas nos bairros sobrepostos com o uso e cobertura do solo. Verifica-se que há uma distribuição espacial diversificada de larvas na área urbana de Santarém. O bairro do Mararú foi o que apresentou a maior quantidade de larvas com 21,35% no ano de 2015 com um total de 76 larvas de Aedes albopictus. Esse bairro apresenta-se ainda bem arborizado, com uma área de 8,03 km² aproximadamente 7 km² ainda são de vegetação. O segundo bairro com maiores valores de larvas foi o bairro do Livramento com 44 larvas (12,36%). O bairro do livramento é pequeno com apenas 0,61 km², dos quais 0,5 km² pertence à classe urbanizado. Os bairros como Centro e Aldeia não apresentaram nenhum registro de larvas do vetor em 2015.

De modo geral, verificou-se que a presença de larvas de Aedes albopictus estavam presentes nos bairros com áreas mais urbanizadas, porém os maiores quantitativos anuais ocorreram nos bairros com maior proporção de vegetação. Além disso, foi possível verificar que o vetor se espalhou ao longo da malha urbana. Ayllón et al. (2018) verificaram que na área urbana de Manguinhos, na região sudeste do Brasil, o Ae. Albopictus estava presente e se alastrou em áreas negligenciadas e densamente urbanizadas, sendo coletado a uma grande distância das áreas de encontro típicas para esta espécie. Diante disso, ressalta-se a importância do monitoramento entomológico por se tratar de uma espécie que pode facilmente se deslocar entre os ambientes silvestre e urbano.

 

Figura 3 - Mapa de distribuição das larvas de Aedes albopictus

 

O índice de Moran para a distribuição espacial do Aedes albopictus foi de aproximadamente 0,78. Esse resultado foi comparado com 999 permutações aleatórias, e constatou-se que a 5% de nível de significância pode ser considerado maior que o obtido aleatoriamente. Dessa forma, há um indicativo de correlação espacial, sendo o resultado próximo de 1, indicando forte autocorrelação direta, ou seja, na maior parte da área, células com altos valores de larvas são mais prováveis de ocorrerem próximo de células que possuem larvas. O que é provável de acontecer uma vez que área de dispersão de vetores Aedes albopictus está em torno de 500 metros (SILVA JÚNIOR e PIMENTA JÚNIOR, 2008). Em experimento realizado por Honório et al. (2003) para determinar o alcance de voo das espécies Aedes albopictus e Aedes aegypti foi verificado que as fêmeas podem voar pelo menos 800 m em 6 dias e, se infectadas, potencialmente espalhar vírus rapidamente.

Aedes albopictus e a classe urbanizada apresentaram correlação fraca negativa com valor de r de -0,28, e correlação fraca positiva de 0,32 com a classe vegetação (Tabela 1). A classe de vegetação e classe urbanizada demonstraram influência sobre a distribuição da espécie, mas de maneiras opostas. Esse resultado dá uma indicação de que a distribuição do Aedes albopictus é proporcional a área com vegetação, conforme já descritos nas características de ambientes para a espécie. É importante ressaltar que a distribuição também pode estar associada com áreas urbanizadas como verificado em Porto Alegre, onde a abundância relativa de Ae. albopictus estava mais relacionada às áreas mais urbanizadas (MONTAGNER et al., 2018). A adaptabilidade do Aedes albopictus proporcionam à espécie maiores chances de dispersão e colonização, levando a ocupação de diversificados ambientes (BORGES, 2001). Embora a preferência deste vetor seja por locais onde haja alto grau de cobertura vegetal, tem-se verificado sua presença em locais de maior adensamento urbano.

 

Tabela 1 - Correlação de Pearson de larvas de Aedes albopictus e as classes de cobertura do solo

      

mínimo

máximo

total

Larvas Aedes albopictus

0

76

356

 

 

 

 

Correlação de Pearson

p

classe urbanizada

-0,28

0,0000

classe vegetação

0,32

0,0000

Classe água

-0,14

0,0000

 

A localização espacial do Aedes albopictus em áreas não considerada característica para a espécies mostra a adaptabilidade desse vetor as condições antropizadas, assim, diante do cenário de mudanças ambientais aceleradas é essencial o conhecimento de sua distribuição devido aos riscos à saúde humana, principalmente, em áreas que tem sofrido uma rápida expansão urbana, como a cidade de Santarém, cuja dinâmica socioespacial atual é marcada por intensos processos que impactam direto e negativamente na mudança de uso e ocupação do solo. Além disso, a demonstração da competência vetora de Ae. albopictus para transmissão do vírus da febre amarela e a expansão de sua área de ocupação no território nacional, apontam para o aumento das áreas de risco de febre amarela, uma vez que a espécie transita tanto nos ambientes silvestre e antrópico.

 

4 Considerações Finais

Santarém tem apresentado crescente expansão urbana, sendo que em muitos bairros tem ocorrido a supressão da vegetação, tornando bairros cada vez mais urbanizados, com pouca presença de unidades de vegetação. De acordo com os resultados aqui encontrados verificou-se que o Aedes albopictus está bem distribuído nos bairros da cidade, tanto em locais com proporção maior de vegetação, assim como em áreas com características mais urbanizadas, demonstrando assim um indicativo de adaptabilidade a diferentes ambientes no município, e o que merece a atenção do poder público e da sociedade em geral.

Assim, compreender e identificar a distribuição de vetores em áreas urbanas torna-se essencial diante de mudanças ocorridas no meio ambiente. E o uso de geotecnologias apresenta-se como uma ferramenta de análise para o entendimento tanto das mudanças ambientais como da distribuição de vetores de grande funcionalidade. Por fim, este estudo ressalta a importância de análises interdisciplinares para a compreensão das condições de saúde pública e meio ambiente, principalmente naqueles que envolvem espécies vetoriais transmissoras de doenças, neste caso particularmente, o Aedes albopictus que tem se mostrado um vetor para arbovírus em diferentes países e se estabelecendo em áreas urbanas.

 

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