Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria, v. 41, e23, 2019.
DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X32231
Received: 16/04/2018 Accepted: 22/03/2019
Section Mathematics
Do círculo ao quadrado, um estudo sobre a convergência de uma sequência de curvas
From circle to square, a study on the convergence of a curve sequence
Anderson Luiz Pedrosa Porto I
Douglas Frederico Guimarães Santiago II
Leonardo Gomes III
Márcio Henrique Marques Macedo IV
I Instituto de Ciência e Tecnologia – ICT, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Diamantina, MG, Brasil.
ander.porto@ict.ufvjm.edu.br
II Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Diamantina, MG, Brasil.
douglas.santiago@ict.ufvjm.edu.br
III Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Diamantina, MG, Brasil.
leonardo.gomes@ict.ufvjm.edu.br
IV Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Diamantina, MG, Brasil.
marquesmarcio95@hotmail.com
Resumo
Neste trabalho apresentamos aplicações dos conceitos de convergência de sequências numéricas e de funções a um problema geométrico, o qual surgiu a partir de uma análise utilizando-se do GeoGebra. Tal questão envolve o comportamento de uma família de traços de curvas planas, cujo traço da curva inicial é dado por um círculo de raio k e cujo os demais, se aproximam, intuitivamente, de um quadrado de lado medindo 2k. É feita uma prova desta convergência, bem como, uma demonstração de que as áreas subentendidas pelos traços das curvas e os comprimentos de arco destas, convergem respectivamente para a área e comprimento de arco do quadrado limite. Também apresentamos uma breve ambientação histórica dos conceitos de convergência e das ideias de infinito por trás destes conceitos. Com o objetivo de ser desenvolvido ao nível de graduação, tal artigo vai de certa forma, de encontro ao que historicamente foi feito para se determinar características de figuras curvas através de aproximações por figuras retilíneas.
Palavras-chave: Curvas. Convergência pontual. Convergência uniforme. Sequências. Traço.
Abstract
In this paper we present convergence concepts applications of numerical and functions sequences to a geometric problem which raised from an analysis using GeoGebra. This question involves the traces’s family of plane curves behavior, whose initial trace of the curve is given by a circle of radius k and the whose others, intuitively, approach to a square with side measuring 2k. A proof of this convergence is done, as well a demonstration that the areas bounded by the traces of the curves and their lengths converge, respectively, to the area and length of the boundary square. We also present a brief historical setting of convergence concepts and the ideas of infinity behind these concepts. In order to be developed to graduation level, this paper goes some way meet what historically was done to determine properties of curved figures through approximations by rectilinear figures.
Keywords: Curves. Pontual convergence. Uniform convergence. Sequences. Trace.
A matemática surgiu com a necessidade de se resolver problemas do cotidiano do ser humano, sempre procurando obter através dessa ciência resultados confiáveis e com um sentido lógico.
Essa necessidade trouxe, por exemplo, o desenvolvimento dos conceitos de infinito e Limite: definições que devido às dificuldades do assunto só foram formalizadas de forma satisfatória com o decorrer de vários séculos. Com estes conceitos solidificados, grande parte das ciências atuais, ciências não somente exatas, vivenciaram grande avanço nas pesquisas, evidenciando a importância destes conceitos.
O horror infiniti era um termo usado para mostrar quanto assustadora e ilógica era a ideia do infinito, isto era o que pensavam a maioria dos matemáticos gregos da antiguidade. Mesmo assim, ainda houveram alguns que se opuseram parcialmente a essas ideias e desenvolveram artifícios teóricos importantíssimos para a matemática atual.
Como exemplo, temos um dos principais matemáticos gregos: Eudoxo, responsável pela construção do método da exaustão (Boyer, 1996). Este método foi de grande importância principalmente em dois quesitos. O primeiro, foi a fundamentação teórica para calcular perímetros e áreas de figuras curvilíneas por construções de polígonos conhecidos, como a área de um círculo que foi calculada utilizando-se de tal teoria. O segundo quesito foi a abertura das portas das ciências matemáticas para o estudo das séries infinitas, ou até mesmo, do cálculo de integrais em tempos mais modernos.
Segundo Ávila (2011): “A primeira ocorrência de uma série infinita de que se tem notícia encontra-se num trabalho de Arquimedes em que ele calcula a área de uma parábola”. Já durante o século XIV, matemáticos das universidades européias, principalmente de Oxford e de Paris, voltaram a estudar as séries infinitas impulsionados pelos problemas da cinemática medieval (Ávila, 2011). Um dos principais resultados obtidos nessa época foram referentes à divergência da série harmônica.
A demonstração de que a série harmônica diverge, feita pela primeira vez por Oresme, mostra como é decisivo o papel do raciocínio lógico para estabelecer uma verdade que jamais seria descoberta de outra maneira. Ávila (2011).
Utilizando-se de artifícios somente intuitivos, provavelmente, nunca teríamos ideia de que a mesma divergisse. Porquê como é dito em Ávila (2011), se fôssemos capazes de realizar cada soma em um segundo, demoraria 100 anos para a soma atingir pouco mais de 22. E caso as operações fossem realizadas na velocidade máxima possível de um computador, em um bilhão de anos teríamos pouco mais de 91 como resultado.
Com o surgimento da Geometria Analítica a partir das ideias de Descartes, a formalização do Cálculo Diferencial e Integral com Newton e Leibniz, e ainda mais adiante, o surgimento da Análise Matemática, desenvolveram-se esses processos infinitos de forma mais precisa.
Porém, mesmo que os processos infinitos tenham sido cada vez mais presentes nos estudos matemáticos, ninguém havia conseguido obter uma definição satisfatória para a ideia de limite, como é dito em Boyer (1996). “D’Alembert achava que a “verdadeira metafísica”do cálculo se encontrava na ideia do limite”. O mesmo chegou a propor uma definição, contudo haviam algumas inconsistências na mesma. Assim, a definição de limite como conhecemos hoje, só foi desenvolvida a partir do século XIX com as ideias de Karl Weierstrass, Cauchy, e outros matemáticos da época. Ainda segundo Boyer (1996): “O grande tempo necessário para formalizar a ideia de limite, mostra o quanto essa ideia pode ser abstrata, difícil ou até mesmo, quase ilógica”.
Como é dito em uma discussão de Galileu e Salviati
[...] infinitos e indivisíveis transcendem nosso entendimento finito, os primeiros por causa de sua grandeza, os outros por causa de sua pequenez, imaginem o que são quando combinados. (Boyer, 1996).
Este trabalho surgiu após verificarmos graficamente no GeoGebra que os traços de uma dada família de curvas planas (sequência de curvas planas) não retilíneas pareciam se aproximar, pelos gráficos obtidos, do traço de uma curva na forma de um quadrado. Cabe ressaltar, que isto é um pouco parecido e ao mesmo tempo “oposto” aos estudos aqui já mencionados sobre infinito e limite. Para ser mais claro, os traços das curvas mencionadas anteriormente, são os lugares geométricos dos pontos do plano que satisfazem as equações: ; onde notamos que a primeira curva possui como traço uma circunferência centrada na origem, e as demais curvas possuem traços que se aproximam, num certo sentido, cada vez mais de um quadrado com centro em (0,0) (veja a Figura 1 para o caso em que ).
Utilizando-se de parametrizações para essas curvas, mostramos que essa sequência de curvas converge uniformemente (também pontualmente) para uma curva, chamada neste texto de quadrado limite, cujo o traço é dado por um quadrado com vértices (). Além disso, verificamos que essa convergência independe da escolha da parametrização.
Por fim, apresentamos duas outras questões que surgiram da análise intuitiva baseada nos lugares geométricos encontrados pelo uso do GeoGebra. A primeira trata da convergência da sequência numérica gerada a partir dos valores das respectivas áreas dos traços das curvas. A segunda, trata dos seus respectivos comprimentos. Provamos que as sequências numéricas obtidas convergem respectivamente para 4k2 e 8k, cujas quais são a área e o comprimento do quadrado limite, respectivamente.
Figura 1 - Lugares geométricos das equações x2n + y2n = 1, para n = 1,2,4,8
Fonte: Autores
As definições a seguir podem ser encontradas nos livros Lima (2000, 2010) e foram colocadas neste texto para uma comodidade ao leitor. Considere o conjunto das n-uplas ordenadas de números reais, também conhecido como espaço euclidiano n-dimensional, onde . Tal conjunto é um espaço vetorial real de dimensão n sobre os com operações dadas por: e , com .
Definição 1. Uma norma em é uma aplicação que satisfaz:
1. ;
2. ;
3. .
O símbolo na definição acima, representa o valor absoluto em . O espaço juntamente com uma norma , será dito um espaço normado. Algumas vezes neste texto, poderemos escrever a norma no espaço euclidiano, simplesmente como . Em Lima (2000), temos: se , as mais importantes normas no espaço euclidiano, são:
(Norma da soma);
(Norma do máximo);
(Norma euclidiana).
Definição 2. Seja . Uma função pode ser escrita na forma , onde cada é chamada de função coordenada da função . Diz-se que um ponto é o limite de quando tende para , se dado qualquer , pode-se obter um tal que se e , então . Tal fato é expresso pela seguinte notação: .
Notamos que
.
Definição 3. Diz-se que é contínua em se para qualquer dado, pode-se obter um tal que se e , então . Uma função é contínua em se é contínua em cada um dos pontos deste conjunto.
Embora a definição de continuidade de uma aplicação como acima faça uso de uma norma em e outra em (ambas indicadas acima com a mesma notação), segue da definição de norma equivalente e do Teorema 8 em Lima (2000), que a continuidade (ou a descontinuidade) de num ponto persiste se alterarmos uma dessas normas ou ambas. Lembre-se também que as normas , e são equivalentes entre si.
Observação 1. Uma função como na Definição 3 é contínua em se, e somente se, cada uma das funções coordenadas é contínua no ponto (Lima, 2000).
Definição 4 (Sequência e limite).
i) Uma sequência em é uma aplicação . A imagem que essa função assume em é , o k-ésimo termo da sequência . Usaremos a notação para indicar a sequência , cujo o k-ésimo termo é . Se , chamaremos de sequência numérica.
ii) Diz-se que o ponto é o limite da sequência , se para todo , é possível obter um , tal que se , então , onde é uma norma do . Neste caso, diremos que a sequência converge para ou tende a , e escreveremos , então, .
Como podemos ver em Lima (2000), a definição precedente, independe da norma em .
Definição 5. Diremos que uma sequência de aplicações converge simplesmente para uma função , onde é um intervalo da reta, quando dados e , existe um tal que sempre que .
Usaremos ao longo de todo o texto, a notação para representar a sequência das funções . Segue da definição precedente, que para cada (fixado) temos .
Definição 6. Diremos que uma sequência de aplicações converge uniformemente para uma função , onde é um intervalo da reta, quando dados e , existe um tal que sempre que . (Lima (2000), p. 267)
Como visto, a diferença entre a convergência uniforme e a convergência pontual é que, na segunda, para cada dado, podemos determinar um que depende apenas de , enquanto que na convergência pontual, também é possível determinar um , mas no entanto, este depende também do ponto fixado, sendo assim a convergência uniforme, implica a convergência pontual. A convergência, tanto uniforme quanto pontual, não depende da norma que se considera no espaço euclidiano em questão.
Definição 7. Uma aplicação onde é um intervalo da reta, é uma curva parametrizada contínua1 se é contínua em .
1Escreveremos ao longo do texto, sempre que não houver confusão, simplesmente a curva contínua ou a curva .
Dado , temos , onde é dito o parâmetro da curva, as funções são as funções coordenadas como na Definição 2, que também serão chamadas de as funções paramétricas de γ. A imagem da aplicação é dita o traço da curva , isto é, o traço de é um subconjunto do espaço euclidiano . Contudo, na literatura é comum mencionar, com um certo abuso de linguagem, o traço como sendo a própria curva . Tal menção, também poderá ser feita neste trabalho. Além disso, a palavra intervalo é aqui considerada em um sentido amplo, de maneira que não excluímos os intervalos ilimitados. Se o intervalo for do tipo [a, b] , com b > a, b e a reais, então os pontos e serão ditos os pontos inicial e final, respectivamente, da curva .
Definição 8. Uma curva é dita fechada se seus pontos iniciais e finais coincidem, isto é, se .
O Lema a seguir será utilizado na prova do Teorema 1.
Lema 1. Seja tal que |a| ≤ 1, então para todo , temos
Demonstração. Claramente , para todo , portanto para cada . Agora, invertendo-se os termos que compõem a inequação e multiplicando o resultado por (-1), obtemos , o que implica que , para cada .
Considere os subconjuntos do espaço bidimensional euclidiano:
|
(1) |
Observação 2. Fixe um . Então , para todo , pois caso contrário, se existisse um tal que , então o vetor teria norma euclidiana igual a zero, o que implicaria pela Definição 1 que , donde teríamos , um absurdo. Pela arbitrariedade de , temos , para todo e para todo .
Defina para cada , as sequências de funções reais e , que tem leis de formação, dadas respectivamente, por
Para cada , temos
|
(2) |
com
|
(3) |
Note que as imagens de , bem melhor, os seus traços, são dados pelos lugares geométricos dos pontos do que satisfazem a equação , ou seja, os traços de são dados pelos respectivos conjuntos . As equações (2) e (3) nos dão uma parametrização para cada , respectivamente.
Queremos provar que a sequência de curvas , converge uniformemente para uma curva cujo o traço é dado por um quadrado de lado medindo 2k e centrado na origem, possuindo a seguinte parametrização
|
(4) |
É fácil verificar que a curva é fechada e em traço dado pelo quadrado supracitado, com seus pontos inicial e final em . Além disso, a imagem desta curva (ver Figura 2) é dada pelo caminho poligonal orientado e percorrido no sentido indicados pelas setas a seguir:
Figura 2 – Traço da curva c
Fonte: Autores
Para mostrar que de fato a sequência de curvas () converge uniformemente para a curva c, cujo o traço é o "quadrado limite" da Figura 2, devemos encontrar para cada , um tal que
,
seja qual for . Tal fato será provado no Teorema 1, a seguir. Para os cálculos adiante, utilizaremos sempre a norma do máximo , já que a convergência uniforme independe da norma utilizada.
Proposição 1. Para todo e , .
Demonstração. Podemos dividir a prova deste fato em casos.
1. Se , temos
Por outro lado, neste caso, como e , estimamos
Isto mostra que para cada todo e , a primeira coordenada de é a maior em módulo, e assim usando-se o Lema 1, com , obtemos
2. Caso , temos
Observe que neste caso, tem-se e , e assim podemos estimar
Portanto, para cada e , a segunda coordenada de é a maior módulo, e assim usando-se o Lema 1, com , obtemos
3. Para , como temos
e a prova é análoga ao caso 1.
4. Considere , como temos
e a prova é similar ao caso 2.
O lema abaixo será usado na prova do teorema a seguir, e também, na demonstração de um resultado das subseções posteriores, que trata da convergência dos comprimentos de arcos das curvas .
Lema 2. Seja a um número real positivo e considere a sequência numérica . Então a sequência converge para 1.
Demonstração. Veja (Lima, 2010, p. 28).
Podemos agora provar facilmente o resultado a seguir
Teorema 1. Para todo , a sequência de curvas (), dada por (2) e (3) converge uniformemente para a curva c dada em (4), cujo traço é um quadrado de lado medindo 2k, conforme a Figura 2.
Demonstração. De acordo com a Proposição 1, para todo e , vale
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(5) |
Pelo Lema 2 temos , logo , utilizando-se das propriedades do limite. Assim, sabemos que para todo , existe , tal que se , então para qualquer , donde temos a convergência uniforme da sequência () para a curva , .
Observação 3. A convergência uniforme da sequência () não depende das parametrizações escolhidas, para todo , no seguinte sentido: considere uma função diferenciável, bijetora e com inversa diferenciável tal que para todo , onde é um intervalo da reta. As curvas e são reparametrizações das curvas e , respectivamente, que preservam as suas orientações. Assim, como para todo , segue da Proposição 1 que para todo , temos
Portanto, assim como fizemos na prova do Teorema 1, a sequência () converge uniformemente para a curva , cujo traço é o mesmo da curva limite .
Relembremos da subseção anterior que para cada , as curvas dadas por satisfazem a equação , onde , e . Logo , para todo e além disso satisfaz . Nessa subseção, provaremos que as áreas compreendidas no interior dos traços dessas curvas, convergem para a área da curva , cujo o traço é o quadrado limite.
Lema 3. Considere a família de curvas dada acima. A coleção dos traços destas curvas apresenta simetria com relação aos eixos x e y, além de apresentar simetria com relação ao lugar geométrico dos pontos do plano que satisfazem a equação y = x.
Demonstração. Trocando-se x por -x ou y por -y, nota-se que a equação ainda é válida, portanto os traços das curvas apresentam simetria com respeito aos eixos y e x, respectivamente. Trocando-se x por y na equação , nota-se que essa equação também se verifica, sendo assim os traços das curvas apresentam simetria com relação a reta y = x do plano xy.
Segue do Lema 3 que as áreas compreendidas entre os interiores dos traços das curvas são dadas pela sequência numérica (), onde
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(6) |
de tal forma que a integral em (6), representa a área das respectivas regiões compreendidas no primeiro quadrante do plano xy.
Teorema 2. A sequência numérica , dada pelas áreas compreendidas entre os traços das respectivas curvas , converge para o valor que corresponde a área compreendida pelo traço do quadrado limite, que possui lado medindo 2k unidades de comprimento.
Demonstração. Para provar tal teorema note primeiramente que a equação (6) satisfaz:
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(7) |
Defina agora uma outra sequência numérica (), tal que
(8) |
Queremos provar que
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(9) |
Para isto, observe que para todo tem-se . Assim para qualquer :
donde chegamos que para qualquer :
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(10) |
Por outro lado, para todo :
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(11) |
Logo de (10) e (11) temos para todo :
Integrando a última desigualdade de 0 à com relação à obtemos:
donde segue que
portanto
|
(12) |
Logo fazendo e aplicando o Teorema do Sanduíche (Lima, 2010, p. 26) na inequação (12), obtemos:
Portanto concluímos,
Nessa subseção, mostraremos que os comprimentos das curvas imagem, isto é, os comprimentos dos traços das curvas dadas nas subseções anteriores, convergem para o comprimento do traço da curva c, o quadrado limite. Para isto, precisamos definir como se calcula o comprimento de uma curva, dado por uma parametrização, .
Definição 9. Seja uma curva de classe C1, tal que . O comprimento da curva (comprimento de arco de f), denotado por é dado pela integral
desde que a integral exista.
É importante salientar que existe uma diferença entre o comprimento da curva imagem (comprimento do traço) e o comprimento da curva, definido acima (Lima, 2004, p. 48). Contudo, se dada como na Definição 9 for bijetora, então calcula exatamente o comprimento da curva imagem, ou seja, a medida da trajetória percorrida porquando varia de até .
Como será utilizado uma nova parametrização para efetuar os cálculos, faremos uso do Lema 4 a seguir.
Lema 4. Seja uma curva de classe C1. O comprimento desta curva é invariante por qualquer reparametrização.
Demonstração. Veja o Corolário 2 (Lima, 2004, p. 51).
Como vimos na subseção anterior, no primeiro quadrante do plano xy temos e . Podemos reparametrizar as curvas no primeiro quadrante como: , em que
Observação 4. Claramente a parametrização é bijetora sobre , quando restrita ao primeiro quadrante. De fato, se está no primeiro quadrante, então e satisfazem , logo e portanto basta fazer e temos , provando que a parametrização é sobrejetora restrita ao primeiro quadrante. No caso da injetividade, se , então e claramente , provando assim, que o traço da curva é percorrido uma única vez por esta parametrização, quando restrito ao primeiro quadrante. De maneira análoga, prova-se que as parametrizações são bijetoras sobre independente do quadrante escolhido.
Nesse caso, para todo temos e além disso
Sejam , no primeiro quadrante, os pontos de interseção entre e a reta do plano , respectivamente. Note que , portanto . Para todo temos . Logo e são contínuas para todo , e assim as curvas são da classe .
Pelo Lema 3, podemos definir a sequência numérica , cujas as coordenadas representam os comprimentos dos traços das curvas , respectivamente, e que são dados pelas seguintes leis de formação:
Figura 3 – Parametrizações de
Fonte: Autores
Teorema 3. A sequência converge para 8k, onde 8k é o comprimento da curva c que tem como traço o quadrado limite.
Demonstração. Primeiramente defina uma função auxiliar g dada por
Claramente g satisfaz e todo , logo temos
o que implica que . Portanto, utilizado propriedades de integral temos:
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(13) |
onde . Vamos encontrar uma expressão para a partir de agora.
Para tanto, faça uma substituição do tipo , , obtendo assim:
Usando outra substituição do tipo , obtemos:
Agora note que para todo . Pela Equação (13) juntamente com o valor de obtemos para todo :
logo
Por fim, utilizando propriedades dos Limites, segue do Teorema do Sanduíche (Lima, 2010, p. 16) juntamente com o Lema 2, que () converge para .
Neste trabalho constatou-se que o uso de uma ferramenta computacional, em especial, o GeoGebra, pode ser útil para que se faça indagações acerca de problemas geométricos. Contudo, a veracidade de tais intuições dadas pelos desenhos só pode ser comprovada através de uma prova matemática. Utilizando de importantes conceitos e propriedades da análise real em uma e duas dimensões, foi possível verificar a validade dos problemas propostos. De forma sucinta, primeiramente foi mostrado que a sequência de curvas (cn) converge uniformemente para quadrado limite c. Por fim, foi provado que as áreas e comprimentos destas curvas convergem, respectivamente, para a área e comprimento do quadrado limite.
A apresentação deste processo, cujo qual iniciou-se com uma hipótese vinda de uma ferramenta computacional, passando para a pesquisa dos conceitos e propriedades necessárias para sua comprovação e posteriormente trabalhando na comprovação em si, segue uma vertente muito em voga atualmente, que é a do ensino através da resolução de problemas. Acredita-se que este processo tende a ser mais produtivo para a fixação dos conceitos, principalmente se o problema for interessante, como neste caso, onde foram estabelecidas propriedades geométricas de uma figura retilínea, através de aproximações por figuras curvas, indo de encontro ao que historicamente foi feito.
Algumas questões que surgiram e que ainda não foram respondidas pelos autores são sobre convergências similares às obtidas neste trabalho como, por exemplo, nos casos em que a curva inicial é dada por uma elipse no plano ou por uma esfera em R3. Deseja-se continuar as investigações nesta linha de pesquisa para que possamos desenvolver mais resultados, contudo para expoentes grandes, o GeoGebra não vem se mostrando muito eficaz no caso tridimensional. A busca de generalizações em outras dimensões também pode tornar-se interessante por envolver curvas e superfícies no espaço.
Ávila, G. S. S. (2011). Várias faces da matemática, 2ª Ed. Edgar Blucher, São Paulo.
Boyer, C. B. (1996). História da Matemática, 2ª Ed. Edgar Blucher, São Paulo.
Lima, E. L. (2000). Curso de Análise, vol 2, 6ª Ed. IMPA, Rio de Janeiro.
Lima, E. L. (2004). Análise real, vol 2, 1ª Ed. IMPA, Rio de Janeiro.
Lima, E. L. (2010). Análise real, vol 1, 10ª Ed. IMPA, Rio de Janeiro.